As tomadas de desérticas estradas sem fim e das pradarias desoladas no Oklahoma, no centro-sul dos EUA, já dão a pista de quanto a vida pode ser uma aventura causticante, tediosa e interminável no longa-metragem de John Wells, “Álbum de Família” (August: Osage County, Imagem Filmes, 2013), que entra em cartaz nesta sexta, tendo Meryl Streep e Julia Roberts à frente de um elenco afinado. Ambas concorrem ao Globo de Ouro 2014 nas categorias, respectivamente, de Melhor Atriz em Musical ou Comédia e Melhor Atriz Coadjuvante neste filme com roteiro assinado pelo mesmo Tracy Letts que ganhou o Pulitzer de 2008, como dramaturgo por esta obra. O drama, com toques tragicômicos, traz o conflito em uma família cujo patriarca, Bev (Sam Shepard), desaparece previamente sem deixar explicações, possivelmente em um suicídio. “A vida é muito longa”, já diz ele logo nos primeiros minutos de filme, citando o poeta T.S.Elliot e deixando entender que somos nós quem deixa a vida correr solta, desperdiçando milhões de segundos diante das impossibilidades. Sim, as highways isoladas, em meio a muito capim seco e plantações de milho – quase coadjuvantes na história – são metáforas para aqueles caminhos plausíveis de serem escolhidos, mas que, pela incompetência de se viver, acabam levando a lugar nenhum, àqueles quase inexplicáveis buracos onde são enterrados os sonhos, os desejos e a própria existência. E pior: causando gigantescos cânions entre pessoas que se amam.
Meryl Streep, no papel da matriarca com câncer na boca que polariza as atenções na família, está deslumbrante como de costume, mesmo em um papel onde, em vários momentos, é possível esquecer a dor (física e interior) que a personagem sente para compartilhar o mesmo misto de amor, culpa e asco que a filha mais velha, Barbara (Roberts), nutre por ela, em meio à crise pela qual passa no seu casamento. O roteiro enxuto e a direção firme do cineasta, aliás, permitem que não apenas as duas, mas todo o elenco tenha seus momentos de brilho em um filme onde o protagonista é o conjunto, com destaque para o cunhado interpretado pelo excelente Chris Cooper que, mesmo em um ambiente onde não existe espaço para ser terno, encontra brechas para certa doçura, como aqueles soluços espasmódicos que ameaçam sair entre doses de amargor naquele choro de criança que nunca vem.
Fotos: divulgação
Wells, mais conhecido como produtor de cinema e televisão, demonstra sensibilidade nata para a direção de atores nesta produção que leva o dedinho de gente bacana como George Clooney, além de Bob e Harvey Weinstein. Entre os tipos dessa família esquecida no meio do nada, tem o pai vivido por Ewan MacGregor, dividido entre o amor que ainda sente pela esposa, o remorso pela filha que largou e a vontade de viver coisa fresca com a amante mais jovem. Tem a filha do meio (Julianne Nicholson), que abriu mão da própria juventude para ficar perto dos pais e que sofre pela ausência de reconhecimento, a tia gordona que usa o escárnio para maquiar a decepção de não se sentir mais desejável enquanto mulher (Margo Martindale) e o sobrinho imaturo (Benedict Cumberbatch), engessado pelo pavor de decepcionar os pais que o impede de seguir sua própria estrada.
E, entre esses personagens tão próximos da realidade, Juliette Lewis reconfirma seu talento no papel da filha caçula que deu bye bye para tudo aquilo a fim de cair na vidinha em Miami, mas que retorna ao seio familiar naquele momento em que as rugas nos cantos dos olhos já são fato. Afinal, já não funciona mais esconder a insatisfação por trás dos arroubos juvenis. E, como os anos só lhe reservaram o marasmo, talvez a solução seja se prender a mais uma (última?) tentativa de viver a paixão ideal em um sonhado paraíso com um homem (Dermot Mulroney) que, no fundo, ela sabe que não é tão perfeito assim. Afinal, para quê encarar a verdade, não é mesmo? Vai doer e, convenhamos, um pouquinho de ilusão ainda é melhor que o medo de admitir que o tempo passou e tudo continua no mesmo lugar.
Foto: divulgação
Por fim, a adolescente (Abigail Breslin) entediada por estar em um lugar onde não queria estar, incompreendida por todos e atirada em problemas que não lhe pertencem, fecha essa galeria familiar de gente que habita diariamente nossa existência, mas que preferimos ocultar, fingindo que não existe e nos isolando no photoshop das mídias sociais e no glamour do Instagram. Sim, todas estas pessoas comparecem aos borbotões no nosso cotidiano, mas não dão o menor ibope na tal sociedade do espetáculo. Cada um é, ao seu modo, fracassado na vida, nas relações afetivas, nos sonhos. São párias no universo das capas de revista e os paparazzi nem sequer sabem que eles existem, mas estão aí, com suas vidas, dores, frustações, tão reais como um prato de feijão com arroz. E é na aspereza das palavras e nos pequenos vis atos do dia a dia que todos se refugiam, para diminuir a própria culpa, aquela de não ter seguido a estrada certa no meio do nada, alargando mais ainda o encostamento entre o asfalto não trilhado e os campos de trigo ressequido.
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