Alana Cabral: “Crianças não nascem racistas, elas aprendem com alguém. Mas creio em futuro com mais respeito”


Aos 14 anos, a atriz que interpreta sua personagem de maior destaque na televisão, a Zayla, em “Nos Tempos do Imperador”, relata que a trama que se passa em 1856, época em que ainda havia escravidão no Brasil, lhe trouxe questionamentos sobre o racismo. “Estudo sobre isso desde pequenininha. Mas após ver cenas, como a de escravizados sendo chicoteados…eu pensei: ‘Não é possível que isso acontecia. É inacreditável, desumano’. A novela serviu meio que como um choque de realidade. Dá um baque muito grande”, pontua. Mesmo sabendo que o preconceito ainda está muito inserido na sociedade, que o racismo é estrutural, ela não perde a esperança de um futuro melhor. “As próximas gerações vão ter mente mais aberta com mais respeito”, ressalta

Em Nos Tempos do Imperador, Alana interpreta Zayla, sua personagem de maior destaque na televisão (Foto: Diego Lira)

Em Nos Tempos do Imperador, Alana interpreta Zayla, sua personagem de maior destaque na televisão (Foto: Diego Lira)

* Por Carlos Lima Costa

Nos Tempos do Imperador, atual novela das 18 horas, da Globo, que se passa no ano de 1856, retrata uma época em que ainda existia escravidão no Brasil (a abolição no país aconteceu somente em 1888), mostrando situações que refletem nos dias atuais em que o racismo ainda é uma realidade na sociedade. Para os mais jovens, a oportunidade de ver representado esse lado triste da história, traz reflexão e aprendizado. Este é o caso da atriz Alana Cabral, que interpreta a personagem Zayla. “Estudo sobre isso desde pequenininha. Quero muito entender o que aconteceu no passado e até hoje. Após ver cenas da novela, como as de escravizados sendo chicoteados e policiais abordando alguém na rua de forma agressiva e prendendo a pessoa sem ela ter feito nada, eu falava: ‘Não é possível que isso acontecia. É inacreditável, desumano’. A novela serviu meio que como um choque de realidade. Dá um baque muito grande”, pontua a artista de 14 anos.

Por outro lado, ela destaca o fato positivo de ter aprendido muito sobre a cultura africana e a cantar algumas músicas em iorubá. “O difícil foi entender o que eles estavam falando na música, porque hoje em dia tem pouquíssimas informações, mas foi muito legal”, acrescenta.

Representante de uma nova geração, ela reflete sobre as perspectivas que enxerga para tentar diminuir o preconceito no Brasil. “O racismo é estrutural no mundo. Mas as crianças não nascem sendo racistas e preconceituosas. Elas aprendem isso com alguém, então, acho que a minha geração e a dos meus filhos, netos e bisnetos, já vão ter uma mente mais aberta e com mais respeito. Eu e minhas amigas falamos abertamente sobre o tema na escola e a gente se respeita muito”, ressalta.

"Quando vi cenas de escravos sendo chicoteados, pensei: 'Não é possível que isso acontecia, é inacreditável, desumano’", observa (Foto: Diego Lira)

“Quando vi cenas de escravizados sendo chicoteados, pensei: ‘Não é possível que isso acontecia. É inacreditável, desumano’”, observa (Foto: Diego Lira)

E prossegue apontando como o preconceito está inserido na linguagem e as pessoas não se dão conta. “A gente nem percebe, por exemplo, nos nomes de objetos como o criado mudo. Fiquei chocada quando descobri que era porque um escravo ficava calado dentro de um quarto segurando os pertences do senhor. Então, espero que as pessoas saibam diferenciar o que pode ou não. Tudo passa pelo respeito”, afirma.

“Desde pequena sou mais desenvolta. Muita gente sempre disse que eu sou uma pessoa madura, que falo muito para a minha idade. Acho que a televisão e o teatro me ajudaram bastante nisso e me deram mais segurança”, observa Alana, que começou a estudar teatro com 6 anos, participou de comerciais e, na TV, estreou, em 2018, fazendo uma participação na minissérie Assédio. Depois, esteve no elenco da novela Verão 90 e, agora, brilha em Nos Tempos do Imperador.

Sobre o racismo, Alana diz que mesmo jovem já sentiu através de palavras e olhares. “As situações acontecem. Demorou um tempo até eu entender a história e que aquilo era racismo por conta da minha cor de pele. Mas sim, aconteceu algumas vezes comigo de amiguinhas falarem que não queriam brincar comigo por conta do meu cabelo, que ele era muito para o alto, diferente. Perguntavam por que ele era estranho. Eu tinha uns seis, sete anos. Hoje em dia, acontecem olhares, falas, mas agora já sei me colocar”, observa.

“Desde pequena sou mais desenvolta e madura para a minha idade. Acho que a televisão e o teatro me ajudaram bastante nisso", reflete (Foto: Diego Lira)

“Desde pequena sou mais desenvolta e madura para a minha idade. Acho que a televisão e o teatro me ajudaram bastante nisso”, reflete (Foto: Diego Lira)

Na novela, sua personagem é determinada e será uma vilã na fase adulta quando vai ser interpretada por Heslaine Vieira. Ainda criança, Zayla tem atitudes que já indicam esse caminho como quando se apaixona por Samuel (Michel Gomes), que gosta de Pilar (Gabriela Medvedovski), uma mulher branca. “Na minha fase, ela só pensa no umbigo dela, faz algumas coisinhas meio sem pensar no que pode acontecer. A novela aborda a questão da solidão da mulher preta, que sempre é deixada de lado, infelizmente. E aí, por conta disso, cria-se meio que um molde, sabe. Vou falar da minha personagem, porque eu nunca vivi isso, nunca namorei, mas a Zayla é uma menina que sente-se muita insegura e luta tanto pelo Samuel. Mesmo ele não gostando dela, ela o ama. A Zayla é uma grande representação dessa solidão da mulher preta que existia e existe até hoje”, analisa.

Por falar na atualidade, vivemos uma fase em que surgiu a expressão ‘cringe’, que viralizou na internet e um embate entre os Millenials ou Geração Y (os nascidos entre 1980 e 1994) e os jovens da Geração Z (aquela que nasceu entre 1995 e 2010) da qual Alana faz parte. “Primeiro, a gente ficou brincando com a palavra cringe como meme, tipo ‘você é muito modinha’. Só que aí foi direcionada aos Millenials. Hoje em dia a gente nem fala mais. Só brincamos. às vezes, com os nossos pais e avós por não saberem usar muito a internet, mas é só brincadeira. Tipo, às vezes, postam algo que dá vergonha e eu digo: ‘não acredito que postou isso, você é muito cringe’”, diverte-se Alana.

"Não acho que o Borba Gato foi um herói, fez muitas injustiças. Mesmo que faça parte da nossa história, não acho certo ter uma estátua dele”, analisa Alana (Foto: Diego Lira)

“Não acho que o Borba Gato foi um herói e houve muitas injustiças. Mesmo que faça parte da nossa história, não acho certo ter uma estátua em homenagem a ele”, analisa Alana (Foto: Diego Lira)

Como representante da Geração Z, a atriz gosta das novidades tecnológicas, de postar em sua página do Instagram conteúdo sobre quem ela é e o que gosta de fazer. “Posto tocando (violão e ukulele), cantando, dançando, atuando”, conta ela. Às vezes, também fala sobre um assunto sério. Assim, ao ser indagada sobre a estátua de Borba Gato (1649-1718), queimada, em julho, em São Paulo, ela opina: “Eu estou estudando sobre os bandeirantes e tentando entender esse assunto. Ainda não tenho uma opinião totalmente formada, mas não acho que ele foi um herói. Fez muitas injustiças. Mesmo que faça parte da nossa história, não acho certo ter uma estátua em homenagem a ele”, frisa.

Agora, Alana admite que os pais ainda controlam o uso da internet e do celular para não ser excessivo. “Tenho horário, não posso, por exemplo, ficar mexendo muito depois de 22h30. E também tem o fato de não me fazer bem ficar muito tempo na internet. Eu mesma, às vezes, estou mexendo e penso que já estou quase a uma hora, aí saio da internet e vou fazer algo produtivo, como ler um livro. Tem dia que quando acordo vejo no meu WhatsApp prints de ligações das minhas amigas de 5h, aí falo ‘gente, vocês não dormem?’”, comenta ela, que não é a única artista da família. O avô materno, Lailson Alves, conhecido como Curuca, era músico do grupo Diplomatas do Samba. Já o irmão mais velho de Alana, Tom Cabral, de 19 anos, também é ator. Ele está no elenco do filme Confissões de Uma Garota Excluída, baseado no best-seller Confissões de uma Garota Excluída, Mal-amada e (Um Pouco) Dramática, de Thalita Rebouças, que estreia em 22 de setembro, na Netflix. Alícia, de nove anos, a caçula dos três irmãos, por enquanto quer ser pediatra.