* Por Carlos Lima Costa
A novela Nos Tempos do Imperador, que estreou nesta segunda-feira, resgata para os mais novos um pouco da história do Brasil, na época em que Dom Pedro II (1825-1891) era o monarca do país. A trama é ambientada inicialmente em 1856, quando a escravidão ainda não havia sido abolida. Passados 165 anos, veremos como viviam os negros que já eram livres e como aquele momento ainda reflete na fase atual, onde o preconceito racial ainda é muito arraigado. Evidentemente, haviam aqueles que lutavam contra todo o sofrimento, como Balthazar, um homem já livre, interpretado por Alan Rocha, que ajuda na fuga dos escravos. Ele os recebe na Pequena África (após o comércio de escravos se tornar ilegal, em 1831, este local na Zona Portuária do Rio, acolhia os negros), onde havia um esquema para poder parecer que alguns já eram alforriados. Vale lembrar que após a abolição da escravatura, os ex-escravos não tinham como se sustentar. A falta de estrutura financeira, reflete ainda nos dias atuais, como explica o ator.
“Os negros não receberam o devido valor e respeito desde o momento que foram retirados da África. Quando ganharam a liberdade da alforria, foram meio que deixados de lado, então, tiveram que se virar. Aqui no Rio de Janeiro, acabaram indo para os morros, o primeiro foi o da Providência, justamente para ficar naquela região e começar a trabalhar. O que a gente vê hoje é o racismo ainda muito evidente com tantos casos acontecendo, preconceitos com as pessoas no mercado, pessoas morrendo asfixiadas no Brasil e no mundo. A gente vê alguma mudança no sentido de ter mais negros correndo atrás e fazendo as suas produções. Mas muita coisa ainda precisa ser feita e muita gente precisa ter um olhar diferenciado com atenção a qualidade e potencial da nossa raça”, analisa Alan.
Recentemente, em julho, atearam fogo no monumento que homenageia o bandeirante Borba Gato (1649-1718), em Santo Amaro, Zona Sul de São Paulo. O brasileiro já havia assistido pela televisão, casos semelhantes pelo mundo, como na cidade de Bristol, no Reino Unido, onde a estátua do traficante de escravos Edward Colston (1636-1721) foi derrubada por manifestantes, em 2020. “A história do Borba Gato é relacionada a casos de racismo e violência com negros e indígenas, então, é estranho para muita gente ver a história no Brasil ser meio apagada, quando se coloca a estátua de uma pessoa que parece uma homenagem àquilo que ele fez e não deveria ter sido. Hoje em dia, é triste, qualquer caso que fale de estupro, violência. Não olham com bons olhos. Então, as pessoas olham aquela estátua, que está lá como se estivesse colocando aquela pessoa como herói, sendo que tem tantos heróis que não são exaltados, então, causa, no mínimo, uma certa estranheza. Eu penso que os heróis devem estar colocados em praça pública e não um anti-herói. Se fazem questão de manter a história, era melhor colocar aquele monumento em um museu”, opina Alan.
E expressa o sentimento que nutre pelos antepassados de sua raça. “Queria, principalmente, que eles fossem mais exaltados. Por exemplo, este mês, está estreando um filme sobre o Luís Gama (1830-1882), o Doutor Gama, que eu estou no elenco. É um herói que poucas vezes foi falado, muita gente não conhece a história dele”, frisa sobre o advogado abolicionista. “Besouro Cordão de Ouro (1895-1924) foi um grande capoeirista, tem toda sua história de capoeirista e de luta, tem o João Cândido (1880-1969), enfim, muitos heróis negros apagados da nossa história”, lamenta ele. “Quando a gente entende mais sobre a cultura afro, a gente percebe que tiveram outros heróis assim como Zumbi”, acrescenta.
Alan relata um pouco sobre situações de racismo das quais foi vítima. “O negro nasce já tendo que lutar durante toda vida, então, casos de racismo sempre acontecem. Um monte de gente passa em blitz e o policial para você, porque você é negro. Você está em um ônibus, o policial entra para revistar alguém, ele vai em você porque você é negro, depois não revista mais ninguém. Isso já aconteceu muitas vezes comigo. É incômodo, afinal estou em um ambiente rodeado de pessoas, você é meio que suspeito no olhar de todo mundo até que o policial saia daquele lugar”, relata. E acrescenta que teve consciência da existência do racismo ainda na infância. “Você acaba percebendo, principalmente na escola, quando recebe apelidos relacionados a sua cor e aí você tenta colocar apelido em outra pessoa como forma de enfrentamento, de rebater aquilo que você está recebendo e você não tem o mesmo retorno das outras pessoas que riram de você. Dos outros ninguém ri. Você já sabe que ali tem esse lado diferente da questão do racismo”, observa citando que na época estudava em escola particular.
Aos 40 anos, Alan é pai de Angelo Amani, 10 anos, e Julio Akil, 8. E explica como transmite a questão do racismo para eles para que passem por esse caminho com um mínimo de dor. “A gente sempre conversa. Hoje em dia muitas coisas não tem como não falar, porque a TV e a internet mostram situações e eles acabam vendo e perguntando, porque aconteceu aquilo, ainda mais nesses dias de pandemia. Nessa fase, aconteceram muitos casos, com o do George Floyd (1973-2020), é uma paulada atrás da outra. Então, eles já sabem o que é o racismo. Tentamos sempre passar uma mensagem valorizando, falando dos nossos heróis e sempre mostrando o caminho deles terem orgulho de ser negros, e contando um pouco da nossa história que não é contada nos livros. Assim, eles vão aprendendo e sentindo orgulho de tudo isso. Mas não fico falando sobre isso o tempo todo. Lembro de mim quando eu era criança e me incomodava ver na televisão, o Ku Klux Klan. Tinha medo de ver e saber o que eles faziam”, ressalta.
E prossegue: “Tem muita coisa triste acontecendo no Brasil e o ser humano vai crescendo se achando no poder de ficar sempre falando coisas na internet e respondendo. Às vezes, prefiro nem responder. É melhor refletir do que responder. Só que tem gente que responde já julgando. É muito juiz na internet e hoje em dia as pessoas estão sempre querendo tomar conta da vida do outro, falta de respeito. Muita coisa do Brasil é a falta da educação. O Paulo Freire (1921-1997) já disse, então, se o nosso governo tivesse um olhar já voltado, a gente teria muito mais respeito”, reforçou ele que participou do filme Suburbanos, com Rodrigo Sant’Anna, em 2019, que ainda não tem data para chegar aos cinemas.
Quando a pandemia começou ele estava gravando a novela, cujas gravações foram retomadas em novembro. “Fui me virando como podia, dando minhas aulas, eu sou professor de música, dou aula de musicalização infantil em creche”, conta ele que tem um projeto na web de valorização da cultura negra por meio de teatro e música. Estou criando agora um Instagram chamado Clube Akorin, a ideia é trazer essa musicalização para a internet, além das músicas que eu já tenho criado, tem também canções infantis com temática afro, com palavra em iorubá falando também de alguns instrumentos de origem africana com a temática, valorizando esse cabelo crespo, falando de Zumbi (dos Palmares, 1655-1695), de Dandara (dos Palmares), trazendo um pouco dessa história para as crianças, sempre para levantar a autoestima e trazendo um empoderamento”, explica.
Na trama das 18 horas, o personagem de Alan vai formar um trio de choro. “Eu também sou músico e toco cavaquinho”, ressalta ele que vai disponibilizar uma música nova agora em agosto, o single Cria da Rapaziada. Em 2019, ele lançou o CD Alumiou, com participação de Diogo Nogueira, na música Vem de Deus. O álbum marcou o início de sua carreira solo na música. A faixa homônima teve clipe lançado em 2000, com tripla premiação no Los Angeles International Music Video Festival (LAMV), nas categorias Best Voice, Best Instrumental e Best Song. Alan é formado pela Escola de Música Villa-Lobos, com licenciatura em Música pela Universidade do Rio. “Iniciei na música. Ela me levou para o teatro. A partir daí, comecei a participar de vários musicais como o Samba Futebol Clube, o Gilberto Gil – Aquele Abraço. Sempre fazendo musical, tive a felicidade de receber críticas bacanas”, diz ele, que em 2019, por A Cor Púrpura, ganhou os prêmios APTR e o Botequim Cultural, como Melhor Ator Coadjuvante. “Estou muito feliz com essa caminhada”, conta ele, que na televisão já tinha sido visto, em 2017, dando vida a Palito, em Malhação: Viva A Diferença.
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