*por Vítor Antunes
Alan Oliveira colhe os louros de sua primeira novela na Globo e um de seus primeiros trabalhos como ator. O artista é oriundo das redes sociais, por onde fora procurado para testes enquanto trabalhava como motoboy. Iniciando sua trajetória junto a grandes atores como Renata Sorrah, o artista está decidido em prosseguir na carreira a qual foi escolhido e repercute o sucesso tanto da novela como de seu personagem, o DJ Cidão, responsável pelas “carrapetas” do extravagante personagem Lui Lorenzo (José Loreto) em “Vai na Fé”, novela que vem encontrando boa repercussão e audiência junto ao público. Em razão de sua transexualidade, artista destaca a importância da representatividade e o fato de ser o primeiro ator trans negro das novelas.
Relata que o acolhimento que recebe tanto junto aos artistas da trama, como aos atletas do jiu-jitsu, esporte que pratica, não refletem, necessariamente, o perfil de alguns membros da comunidade LGBTQIAPN+, que, às vezes, agem com hostilidade contra pessoas trans. Alan também comenta os desafios pelos quais os trans passam para fazer a retificação do nome e o constrangimento dos quais são vítimas quando os documentos não acompanham o mesmo ritmo da transformação anatômica/fisiológica delas. O custo total para adequação do nome varia de cidade para cidade e pode chegar a três mil reais. O artista precisou do apoio da Defensoria Pública para ter sua documentação atualizada devidamente.
DO TIKTOK PARA A GLOBO
Alan Oliveira criava conteúdo para as redes sociais onde tratava sobre seu cotidiano enquanto motoboy. O bom humor com que apresentava o seu dia-a-dia acabou servindo como chamariz para que uma produtora da TV Globo entrasse em contato e o convidasse para um teste. “Eu criava conteúdo no Tik Tok. E, por constar o meu telefone na bio do Instagram, uma funcionária da TV me procurou falando sobre uma audição. Fui testado em fevereiro do ano passado, 2022, e em julho fui convocado. Meu contrato com a Globo estava valendo desde setembro, momento em que deixei de trabalhar como motoboy”.
Ainda que não tivesse formação inicial como ator, ele fez cursos e vem dedicando-se à nova profissão e lidando bem com o acolhimento junto aos atores mais veteranos. “Inicialmente, temi que fossem me tratar com indiferença (por vir das redes sociais). Cheguei muito assustado, já que sou muito novo no meio, mas todo mundo me abraçou”. Ele, que contracena mais com Renata Sorrah e José Loreto, destaca a generosidade de ambos os atores e o aprendizado que diferencia a produção de vídeos para a Internet e para a teledramaturgia.
Estou fazendo cursos para me profissionalizar, estudando mais. Inclusive eu, que não tinha o hábito da leitura e hoje o que mais faço é ler, para me aprimorar neste meio, pois não quero voltar a ser motoboy. Não que eu descrimine a minha antiga profissão, mas acho que temos que crescer – Alan Oliveira
O ator salienta que a abordagem popular ao seu trabalho mudou também. Anteriormente era reconhecido por pessoas mais jovens que o acompanhavam nos apps, hoje a contrário, é o público mais maduro, que o vê na novela.
PIONEIRISMO
São poucos os estudos que se destinem a demarcar a presença LGBTQIAPN+ nas novelas. Nos anos 1970, a atriz trans Cláudia Celeste (1952-2018) foi convidada a se retirar da novela “Espelho Mágico” (1977), quando descoberta a sua condição de travesti – forma pela qual foi retratada pela repressão militar que cobrou a sua saída da trama. Não foram poucos os pedidos de telespectadores para que a mesma atriz deixasse o elenco de “Olho por Olho”, da TV Manchete, dez anos depois. A presença de atores trans passou a ser mais frequente a partir da década de 2010. Maria Clara Spinelli e Carol Marra, avançaram nas pautas afirmativas por serem mulheres trans e interpretarem pessoas cis nas novelas “A Força do Querer” (2017) e “Quanto Mais Vida, Melhor” (2021), respectivamente. Em “Salve-Se Quem Puder” (2020), foi a vez de Bernardo de Assis, homem trans dar o primeiro beijo pansexual nas novelas, pois que seu par romântico era uma mulher cis, Renatinha (Juliana Alves). Em razão do pouco material disponível sobre o tema, é possível supor que Alan Oliveira talvez seja o primeiro homem trans negro das telenovelas brasileiras.
Ainda que não alardeie sua transexualidade, o ator acha importante agir afirmativamente para servir de referência para outras pessoas que vivenciam as mesmas questões que ele. “Há muita gente que não sabe de cara que sou trans. Não escondo, mas não trago isto na minha testa. Além disto, são muitas camadas para chegar aqui. Sou preto e trans, duplamente minorizado”. A fala do ator é amparada também pelo fato de que são poucos os negros LGBT retratados, inclusive, como personagens. Não houve até hoje um casal negro gay nas novelas, por exemplo. Apenas casais gays inter-raciais, ou brancos.
Durante a preparação da novela, diz ele, achou necessário falar sobre o tema junto aos colegas de elenco. “Estaria com aquelas pessoas por meses, achei que era necessário falar a elas sobre mim”.
Trata-se de uma representatividade grande estar ali. Recebo muitas mensagens de gente dizendo que eu sou inspiração. Há que veja em mim alguém que conseguiu chegar lá e pode guiar-se através disso, já que sou uma pessoa de origem pobre e humilde – Alan Oliveira
O artista diz que seu processo de transição foi iniciado em dezembro de 2019. “Em março de 2020, eu já estava bem diferente e logo depois comecei a postar na internet o meu antes e depois e foi algo que ganhou visibilidade. Razão que me motivou a produzir conteúdo sobre este tema, mas chegou um momento em que só falavam sobre isso. Tanto que decidi dar um tempo. Mas deixei aberto um canal e quem tivesse interesse poderia me perguntar a fim de tratar sobre isso no Direct. Diante disso, eu passei a produzir vídeos sobre o cotidiano de motoboy e isso viralizou”.
Alan pontua que há quem aponte ser algo muito problemático, tanto a comparação das duas fases da vida como a utilização do nome pré-transição. “Eu não apaguei nada, mantive em algumas redes, e o antes e depois no Tiktok, mas tem gente que acha agressivo. É algo pessoal. Porém, 99% das pessoas trans não gostam de falar sobre o nome antigo e eu sou uma delas. Muita gente nos pergunta isso e sempre digo que se fosse para manter o nome morto, nós nem teríamos trocado. Quanto à minha antiga imagem, eu realmente não gosto dela”, atesta.
A partir do momento que só se fala em transição e estamos resumidos a isso é algo muito chato. Por vezes, eu estou num lugar falando sobre um outro assunto qualquer e quando descobrem que sou trans, já era. Acabo tendo que falar só sobre isso. Não vejo problema, e acho importante dizer sobre, já que nem todo mundo tem a oportunidade de se expor, fica inseguro, com medo. Quando vem uma manchete sobre mim que fala sobre transexulidade é algo que não me incomoda, mas sim, quando me resumem a isso – Alan Oliveira
Relata ainda que, embora o processo de transição física tenha acontecido rapidamente, o de retificação dos documentos não teve a mesma velocidade. Enquanto ainda trabalhava como motoboy, quase for detido numa blitz pois que sua habilitação ainda estava com a foto e nome antigos. “Avisei aos policiais que o documento era meu, mas que a foto da pessoa e o nome não batiam, em razão de eu estar num processo de transição e ainda não havia conseguido retificá-lo. O policial atestou a veracidade da CNH, mas procurou um superior. Este último pediu que eu lhe explicasse a razão de a foto e o nome não baterem com a pessoa que estava na frente deles e não bastou. Quiseram me levar para a delegacia, pois diziam que eu havia ‘roubado a habilitação daquela menina’. Por fim tive que mostrar minhas fotos provando a transição e que estava trabalhando, tanto que apontei-lhe a bag cheia de sushis que seriam entregues. Quando me liberaram da blitz, o policial afirmou que ‘eu deveria ter explicado antes que estava em transição’, coisa que eu fiz desde o primeiro momento”. O artista diz que este imbróglio foi o suficiente para que ele acelerasse o processo de retificação do nome, algo que não acontece objetivamente.
“A mudança dos documentos pessoais é um processo chato e burocrático. E tem algumas cidades que cobram para fazer essa atualização e esse valor varia. Consegui gratuitamente da Defensoria Pública de amparo aos LGBT’s, que é a Nudiversis. Demorou muito, mas consegui. São várias questões burocráticas e certidões que eu nem sabia que existia, além de assinaturas do juiz, do cartório…. Muita coisa”. A grande quantidade de documentos comprobatórios e o processo de retificação do nome pode atingir o valor de 3 mil reais. Ao menos sete certidões precisam ser expedidas em prazos determinados. O que encarece e dificulta a cidadania a essas pessoas.
ESPORTES E PRECONCEITO DENTRO DA COMUNIDADE LGBT
Anteriormente à transição, Alan era competidor de jiu-jitsu pela categoria feminina. Agora com seus documentos atualizados, pretende retornar ao esporte mas de outra forma, no masculino. Segundo ele não há nenhuma implicação fisiológica/anatômica nisso. “Se debate muito mais a questão da mulher trans, como a questão da atleta do vôlei Tifanny, jogadora do Osasco. Não tenho conhecimento sobre a realidade que atinge às mulheres trans, que talvez precisem reduzir a testosterona delas. É algo mais complexo. Quanto ao meu caso, de homem trans, eu passei a malhar, minha massa corporal mudou, assim como a distribuição corporal. Meu rendimento esportivo é equivalente ao de um homem cis da minha idade”. Alan Oliveira estabelece uma diferença fundamental: ele é hormonizado e não anabolizado. Ou seja, as aplicações hormonais que faz são para ter a mesma porcentagem de um homem cis e não ultrapassá-lo, premissa que rege a anabolização. E a aplicação é necessária, já que, naturalmente, o rapaz não produz testosterona em níveis suficientes. Alan faz um relato contundente quanto ao que tange ao preconceito intra-comunidade. “Meu mestre de jiu-jitsu e as pessoas que competem comigo são pessoas cis e sou muito mais respeitado por elas dentro da comunidade LGBT”.
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