“Ainda há longo caminho para que o protagonismo negro aconteça”, frisa a atriz Ariane Souza


Com trabalhos na televisão, no teatro e no cinema, a artista, que comemora 20 anos de estrada, mostrou seu talento multifacetado em um papo reto com o site HT, no qual revelou que ainda existe diferença no tratamento racial dentro do meio artístico

Comemorando 20 anos de carreira, a atriz se divide entre o teatro, o cinema e a televisão (Foto: Sérgio Santoian)

*Por Iron Ferreira

Quando se mudou da sua cidade natal, Salvador (BA), Ariane Souza não imaginava que a decisão teria sido uma das melhores escolhas de sua vida. Ao chegar ao Rio de Janeiro, em 2012, a atriz, cantora e bailarina conseguiu emplacar um trabalho atrás do outro. Entre os projetos que participou estão as novelas “Velho Chico” (2016) e “Segundo Sol” (2018) e a série “Cidade dos Homens” (2002-2005), na Globo. Atualmente, ela se prepara para estrear como a Joelma de “Segunda Chamada”, mais uma série da Globo, prevista para ir ao ar em setembro. A trama, que contará com Débora Bloch e Paulo Gorgulho nos papéis principais, abordará os desafios do ensino público noturno. “A série se passa em uma escola e eu sou a Joelma, uma das alunas. Ela tem uma personalidade muito forte e é uma das estudantes mais populares. Joelma se acha a dona de tudo e acaba aprontando bastante por conta dessa personalidade expansiva”.

Em conversa com o Site Heloisa Tolipan, ela afirmou que espera que a produção possa desmitificar os preconceitos existentes em relação às pessoas que frequentam esse tipo de ensino. Segundo ela, muitos interromperam os estudos por condições adversas e merecem ter as suas realidades compreendidas. A educação deve ser sempre estimulada, independente da idade. “Eu acho que a série é de extrema importância diante do atual momento, onde a educação vem sofrendo muito. O ensino noturno ainda é tratado de forma invisível. A grande maioria das pessoas que o frequentam não completaram os estudos na época considerada correta, muito por causa da situação financeira ou de problemas familiares. É uma questão muito comum no nosso país. Essas pessoas, quase invisíveis, precisam ser colocadas em foco para que alguma mudança aconteça. A educação é importantíssima e nunca é tarde demais”.

Além da televisão, Ariane vem desempenhando um belíssimo papel nos palcos ao redor do país. Apaixonada pelo tetro musical, ela está em turnê com o espetáculo “O Frenético Dancin’ Days”, que é dirigido pela coreógrafa Deborah Colker. Na montagem, ela interpreta Madalena, empregada de Nelson Motta durante o período em que o produtor resolveu montar, em 1976, a mítica casa noturna carioca. “A Madalena é um personagem fictício, ela foi colocada na trama para ser um alívio cômico. Ela se torna parceira do Nelson Motta na boate e isso meio que sobe a cabeça dela. No início, era responsável por ajudar com a limpeza e ensinar as frenéticas a servirem os clientes. Com o tempo, ela acha que está rica e fica meio fora da casinha”, comenta.

Feliz, a artista revela que é incrível poder levar a sua arte pelo Brasil e apresentar a história em diferentes lugares. Dessa forma, ela absorve um pouco de cada público que a recebe. Por outro lado, ela chama a atenção para a exclusividade do eixo Rio-São Paulo, apontando os problemas de deixar de fora das pessoas de regiões mais afastadas. “Faço turnê há alguns anos e fico sempre feliz quando os espetáculos saem desse eixo Rio-São Paulo. Toda a oportunidade de levar esses projetos para lugares onde eles nunca estiveram deve ser aproveitada. É um trabalho muito gratificante”, atesta.

Segundo Ariane, é importante levar cultura para outras regiões do país além do Sudeste (Foto: Evandro Santos)

Também no teatro, a atriz fez questão de ressaltar a importância que a peça “S’Imbora, O Musical – A História de Wilson Simonal” teve em sua trajetória artística. Na produção, ela e o ator ícaro Silva deram vida a um dos momentos mais relevantes da televisão brasileira, quando Sarah Vaughan e Wilson Simonal cantaram “Shadow of your Smile” na extinta TV Tupi, em 1970. “Foi uma honra. É muita responsabilidade. No início, eu era apenas a substituta. Quando a atriz principal saiu, eu entrei e foi incrível. Eu nunca tinha reverenciado no palco alguém tão incrível. Pesquisei e estudei muito o vídeo para fazer o mais próximo possível. Guardarei esse momento para sempre no meu coração”.

Assista ao momento em que Ariane Souza e Ícaro Silva interpretam Sarah Vaughan e Wilson Simonal, respectivamente:

Pensa que acabou por aí? Que nada! Os nossos leitores podem ter a certeza de que até o final do ano iremos ver Ariane Souza também nos cinemas. “Pluft, o fantasminha”, primeiro longa de sua carreira, onde ela interpretará a personagem sereia, chega às telonas em agosto, em tempo para o Dia das Crianças. Outro projeto que levará o seu nome é o filme “L.O.C.A”, dirigido por Claudia Jouvin e com Mariana Ximenes no elenco, mais ainda sem data de lançamento.

Dividida entre inúmeras vertentes, a atriz confessa que o aeroporto virou a sua segunda casa e que todo o trabalho é pouco quando acreditamos no que estamos fazendo. Embora seja cansativo, a baiana se sente privilegiada por estar produzindo, o que muitos de seus amigos não estão. O momento difícil pelo qual a arte atravessa contribui para a diminuição de projetos e, consequentemente, ofertas de emprego. “Eu acho que a arte tem ficado cada vez mais fluida. E ela desempenha um importante papel de luta, de posicionamento. O artista é um ser pensante e transformador. É de suma importância que a gente dê as mãos e lute pelo que achamos correto. Fico triste com o cenário da educação e das artes. Talvez, os novos atores não poderão ter as mesmas experiências que eu tive”, comenta.

O seu primeiro trabalho nos palcos foi o infantil “As Aventuras de Zezé no Cavalo e Cipriano”, apresentado em 1999, em Salvador. Desde então, muita estrada Ariane percorreu. Embora esteja comemorando vinte anos de profissão, ela afirma que não irá se sentir completamente satisfeita enquanto as diferenças raciais ainda existirem e permearem o universo artístico. Apesar de nunca ter sofrido racismo, a atriz declarou que é nítido que a diversidade racial do nosso país não é retratada de forma honesta nas produções audiovisuais.

Ariane falou sobre as dificuldades que atores e atrizes negros têm para conseguirem papéis de protagonismo (Foto: Evandro Santos)

“Eu não senti preconceito efetivamente em relação a mim. Existe, de modo geral, em relação aos negros. Ainda há um longo caminho a ser percorrido para que o protagonismo negro aconteça. A equiparação racial ainda não existe. Quero pegar a definição de um personagem sem vir ao lado a exigência de uma atriz negra. Quero que o talento seja colocado à prova, e não a cor da pele. O audiovisual é o reflexo da nossa sociedade. Sempre que paro para assistir televisão, eu não vejo essa representatividade. Amigos meus que moram fora do país e assistem as programações se assustam quando vêm para cá e se dão conta da realidade da nossa pluralidade. Ela não é valorizada na televisão”, desabafou.