Com a vitória de Fernanda Montenegro na 41ª edição do Emmy Internacional, os Estados Unidos começam a reparar o erro crasso que cometeram com a venerada atriz brasileira no Oscar de 1999, quando, ao concorrer ao prêmio de Melhor Atriz por “Central do Brasil” (1998), de Walter Salles, acabou perdendo a estatueta para Gwyneth Paltrow, em papel no blockbuster “Shakespeare Apaixonado” (1998), aquela história hollywoodiana na qual o diretor John Madden brinca com o processo criativo do bardo inglês por ocasião da concepção de “Romeu e Julieta”. Bem verdade que, agora, este prêmio é somente um braço destacado do tradicional Emmy, se dedicando a premiar a produção televisiva mundial em separado da programação norte-americana, contemplada em um round distinto. Ainda assim, é possível considerar um avanço, pois, o prêmio é importante e a veterana atriz disputou o Emmy com uma profissional britânica. Afinal, os EUA costumam ser condescendentes com tudo aquilo que vem do Reino Unido ou da França.
Ela concorreu com a chinesa Li Sun, de “The Back Palace: Legend of Zhen Huan“, com a britânica Sheridan Smith, de “Mrs. Biggs”, e com a sueca Lotta Tejle, de “30 Degrees in February”. E, segundo o site oficial da premiação, é a primeira vez que uma brasileira recebe o prêmio.
Além de Fernanda, que foi premiada pela sua atuação em “Doce de Mãe”, especial veiculado na programação especial de final de ano da TV Globo, em 2012, o Brasil também esteve representado por um seriado, uma minissérie e duas novelas, todos concorrentes pela mesma Globo, provando que a emissora nacional também desfruta do bom momento pelo qual a televisão mundial passa atualmente. As novelas “Avenida Brasil” e “Lado a lado” concorreram, literalmente lado a lado, e foi a segunda que abiscoitou o prêmio. Já a minissérie “O brado retumbante” perdeu o troféu de Melhor Série Dramática para a francesa “Les Revenants”, enquanto “Como aproveitar o fim do mundo”, o seriado estrelado por Alinne Moraes e Danton Mello, concorreu ao prêmio de Melhor Comédia, vencido por “Moone Boy“, do Reino Unido. Além disso, o ator Marcos Palmeira concorreu pelo seu trabalho em “Mandrake”, da HBO e da Goritzia Filmes, perdendo para Sean Bean, que disputou com “Accused” (Acusado), do Reino Unido. Essas três categorias onde o Brasil perdeu para o Reino Unido ou a França confirmam a tal tendência de os prêmios internacionais conferidos pelos EUA favoritarem estes dois países.
Naturalmente, o Brasil se enche de orgulho. Como Pelé, Fernanda Montenegro é uma instituição acima do bem e do mal, nunca uma unanimidade burra, como diria Nelson Rodrigues, mas aquela que foi consagrada à custa de muito trabalho e dedicação, ao longos de décadas de atuação impecável, dentro e fora dos palcos e telas, com comportamento e postura exemplares. Em uma época de talentos questionáveis, surgidos a partir de especulações midiáticas e de planejamentos estratégicos de marketing, Fernanda é um oásis de água límpida no meio de um Saara de mediocridade. Sua trajetória é oposta – felizmente – a de pobres coitados elevados à fugaz condição de sub celebridades que, muitas vezes, têm o destaque conferido não por um talento ou capacidade particular para se distinguir dos meros mortais, mas pelo acaso ou pela simples proximidade física com uma sociedade dos espetáculos descartáveis. Geisy Arruda e mulheres-melão de todas as categorias hortigranjeiras que o digam.
Quando, em 1999, Fernanda Montenegro perdeu o Oscar de melhor atriz para a lourinha da vez Gwyneth Paltrow, o Brasil ficou indignado. Seria possível que aquele trator da interpretação, em uma atuação memorável, pudesse perder a estatueta mais disputada do mundo para um mero rostinho bonito, sem qualquer atributo tão especial assim, além das madeixas louras e um nariz arrebitado? Fernanda, elegantérrima, não caiu do salto. E nada melhor que o tempo para confirmar essas injustiças. Onde está Paltrow hoje? Salvo o papel de mocinha apagada em um filme de super heróis masculino – a série cinematográfica “Homem de Ferro” – o que ela tem feito? Descascando cebolas para o maridão na cozinha de sua mansão, nos arredores da Hollywood Boulevard?
A premiação do Oscar é pródiga por deslizes e injustiças. Charles Chaplin ganhou somente um prêmio especial pelo conjunto da obra quando já estava perto de bater as botas. Um sortudo, já que Alfred Hitchcock, a despeito de ser considerado o mestre do suspense, jamais viu de perto o brilho da estatueta como diretor. O maestro Ennio Morricone, autor de mais de 300 trilhas de filmes absolutamente contundentes, recebeu em 2007 um Oscar honorário pelo seu trabalho, quando já tinha 78 anos. Chega a ser vergonhoso constatar que o italiano já havia perdido o Oscar cinco vezes e, entre as derrotas, havia duas que deveriam ter sido barbadas inquestionáveis: a trilha de “A Missão”, de Rolland Joffé (1986) e a de “Os Intocáveis”, de Brian de Palma (1997).
Neste ano, o mundo assistiu estupefato, de novo, outra barbaridade no Oscar: a primorosa atriz Emmanuelle Riva, um baluarte da história cinematográfica pela sua atuação no clássico “Hiroshima, mon amour” (1959), de Alain Resnais, fazer o papel de bobo da corte perdendo mesmo o prêmio para o novo rostinho fofo de Hollywood, Jennifer Lawrence. Bom, quem fez papel de bobo, na verdade, em ambos casos – no de Emmanulle e no de Fernanda -, foi a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, em Hollywood, que organiza o prêmio. Assim como a atriz brasileira em “Central do Brasil”, Riva está colossal no papel da anciã francesa que, aos poucos, vai perdendo a consciência e a autonomia por conta de uma doença degenerativa no drama “Amor” (2012), de Michael Hanecke, um verdadeiro tratado de sensibilidade e interpretação. A única constatação possível, depois disso – mesmo com a incomensurável alegria de ver Fernanda Montenegro ganhando este importante prêmio na noite de anteontem – é que os americanos, enquanto julgadores e críticos de cinema, são ótimos fazedores de hambúrgueres.
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