‘Adorava ver a loja lotada e aberta até 2h da madrugada’, lembra Cavi Borges, criador da Cavideo


Mostra de filmes inéditos no Net Estação Botafogo comemora os 22 anos da locadora de vídeos que revolucionou a visão de cinema dos cariocas e levou filmes de arte para dentro de suas casas, instalada desde 1997 na Cobal Humaitá

*Por Jeff Lessa

Parece que foi ontem. Mas já se vão 22 anos desde que a locadora de vídeos (vídeos!) mais original, charmosa, inteligente, cosmopolita e, por que não dizer, cult do Rio abriu suas portas. Quem entende já percebeu que estamos falando da Cavideo, a lendária locadora da Cobal do Humaitá, inaugurada em 1997 pelo então atleta de judô profissional Carlos Vinícius Borges, o Cavi. Para celebrar a data, a locadora realiza a Mostra Cavideo 22 Anos, com tributos a personalidades do cinema e exibição de produções inéditas e independentes no Estação Net Botafogo até dia 14 de agosto. A programação conta com sete longas, sete curtas e cinco homenagens.

‘Ajudei a abrir diversos cineclubes pela cidade, pois emprestava o meu projetor’, conta Cavi Borges (Foto de divulgação)

A Cavideo foi (e, de certa forma, ainda é) um mega acontecimento na cena cultural carioca. Em uma época ainda sem internet, com acesso limitado a informação, foi com ela que levamos o cinema autoral para dentro de nossas casas, com direito a rebobinar fitas de videocassete para perceber detalhes de certas cenas (algo que no cinema era, obviamente, impossível). Curioso é que, se a vida tivesse outro rumo… Cavi não teria sofrido um acidente no Japão e teria levado à frente sua carreira vitoriosa de atleta olímpico, competindo em Sydney, Austrália, em 2000, como previsto. E, talvez, a locadora cult carioca abrisse bem depois. Ou sequer existisse, vai saber.

Só que a vida deu uma de suas voltas inesperadas. Incapacitado de competir, o atleta decidiu abrir uma locadora de filmes de artes marciais para se sustentar. De alguma forma, o público entendeu que poderia buscar ali filmes menos comerciais e passou a lotar a loja, levando para lá debates sobre produções de arte, completamente distantes da “produçãozona” dominante.  “Quando abri a locadora não entendia absolutamente nada. Eu anotava o que os clientes diziam e estudava para saber do que se tratava. Godard, Woody Allen, não tinha a menor noção”, diverte-se Cavi. “E acabei me apaixonando por cinema”.

Para montar o acervo, considerado o melhor da cidade em filmes raros, ele teve uma ajuda da sorte. Sorte para nós também. “Em 1996, surgiu a NET. Imediatamente correu a história de que as locadoras iam acabar, pois não aguentariam a disputa com a TV por assinatura. Muitos pequenos empresários resolveram partir para outros negócios e puseram seus vídeos à venda, para liquidar tudo. Os filmes de arte eram sempre os mais baratos, e foi assim que eu comecei a montar minha coleção”, conta Cavi. “O DVD surgiu em 2002, 2003. E aí veio o auge das locadoras. Fiquei com as duas mídias”.

Formado em administração, o empresário cinéfilo resolveu estudar cinema. A partir de 2000, já com o Espírito das Artes montado, ao lado da Cavideo, começou a patrocinar mostras de filmes: “Passamos a atrair público de fora do circuito Zona Sul. Com as mostras, aparecemos muito na imprensa, me tornei mais conhecido. Ajudei a abrir diversos cineclubes pela cidade, pois emprestava o meu projetor, coisa que ninguém fazia, pois era um equipamento caro. Fizemos mais de 400 eventos na Cobal, foi uma loucura”.

‘Fado Tropical’ é uma coprodução luso-brasileira totalmente rodada em Lisboa (Foto de divulgação)

Em 2005, nova guinada. A Cavideo se torna produtora e distribuidora de curtas e longas nacionais. Na mostra comemorativa pelos 22 anos da locadora, dois longas serão destaque, ambos estrelados pelo ator Jorge Caetano, novo parceiro de Cavi na produção audiovisual. “Fado Tropical”, coprodução luso-brasileira rodada em Lisboa, com roteiro de Patricia Niedermeier e Jorge, conta a história de dois irmãos que se reencontram na capital portuguesa depois de anos separados. “Reviver” acompanha a saga de um roteirista contratado para escrever sobre a vida de uma artista desaparecida. O filme recebeu o prêmio de melhor roteiro no Festival Guarnicê de Cinema em São Luís, no Maranhão.

“Tenho uma empresa há 14 anos. Produzi peças com a Julia Spadaccini, sempre sem patrocínio, com dinheiro do nosso bolso, sem reclamar. Eu e o Cavi temos em comum a luta para produzir teatro e cinema de qualidade, bem acabados”, observa Jorge Caetano. “O Cavi é uma vibe da natureza. Em 2015, ele, Patricia Niedermeier (mulher do cineasta) e eu formamos um núcleo de cinema. Eles estão resgatando o cinéfilo que há em mim”.

Feliz com sua participação nessa fase da Cavideo, Jorge, ator profundo e essencialmente dedicado ao teatro, confessa que chegou a abrir um espaço em sua agenda nos palcos para fazer filmes. “Pat e Cavi me convidaram a participar de uma forma geral do cinema. Demorei a fazer porque sou um ator de teatro. Fizemos dois longas juntos. Mas eu me preocupo muito com as minhas escolhas, sou rato de teatro. Gosto de sentir as pessoas respirando à minha volta, de ter esse contato”, conta o ator, que também acaba de estrelar uma série para o canal Futura, “Dependentes”, em que interpreta um orientador de dependentes químicos.

‘Fado Tropical’, com roteiro de Patricia Niedermeier e Jorge Caetano, conta a história de dois irmãos que se reencontram em Lisboa (Foto de divulgação)

Se depender do desejo de todos, o bonito “Fado Tropical” chega aos cinemas no ano que vem. Talvez seja o que a produtora fez de melhor até hoje, depois de 66 longas e 145 curtas na bagagem, além de passagens por festivais como Cannes, Berlim, Gramado, Recife e Rotterdam. Mas, em meio a comemorações e lembranças, bate alguma saudade de tempos idos? Com a palavra, Cavi:

“Eu adorava ver a locadora lotada, com quatro funcionários para atender tanta gente, sem hora para fechar. Chegamos a ficar abertos até as duas da manhã, era incrível. Os funcionários eram, na maioria, estudantes de cinema. Adorava aquele ponto de encontro que chegou a receber gente como Nelson Pereira dos Santos, Guel Arraes e tantos outros”, lembra Cavi, que completa 44 anos em novembro. “Hoje tem um funcionário, mas ainda tem gente que vai lá só para estar naquele ambiente. Quando entra um cliente, essas pessoas agem como funcionários, explicam o acervo, dão dicas etc”.

Uma adorável lenda urbana em eterna transformação.

‘Reviver’, estrelado por Jorge Caetano, conta a história de um roteirista contratado para escrever sobre a vida de uma artista desaparecida (Foto de divulgação)

SERVIÇO

Mostra Cavideo 22 anos

Estação Net Botafogo: Rua Voluntários da Pátria 35, Botafogo

8 a 14 de agosto

Quinta e sexta, às 21h. Sábado, às 11h e às 21h. Domingo a quarta-feira, às 21h

R$ 38 (inteira)