A francesa Alli Willow, atriz de ‘O jogo que mudou a história’, integra ONGs que distribuem refeições e ajudam refugiados


Na impactante série do Globoplay, ela é uma freira idealista, que defende os direitos dos detentos na prisão de Ilha Grande. Morando há 10 anos no Rio de Janeiro, Alli revela que sua personagem é uma homenagem à freira Dorothy Stang, assassinada no Pará, em 2005, por defender os sem-terra. E também fala da ascendência francesa, americana e suíça, da carreira profissional relativamente recente e do processo profundo para dar vida à religiosa na série. Envolvida em causas que acredita que podem melhorar o entorno, a artista reflete: “Acredito que ocupar um lugar de atenção é uma oportunidade para chamar o grande público para certas causas ou acontecimentos. Tem poder passar uma informação, seja pela arte ou pelo discurso, pelas escolhas”

*Por Brunna Condini

Tal qual sua personagem, a freira Emily, em ‘O jogo que mudou a história’, produção Globoplay já considerada uma das séries mais impactantes do ano, a atriz francesa Alli Willow faz questão de se comprometer com causas sociais. “Sempre fui bem envolvida com ONGs, como a Gastromotiva, que distribui refeições. Trabalhei com grupos de alfabetização na CDD (Cidade de Deus), e com uma igreja que recebia pessoas refugiadas em Duque de Caxias. Acho que morando no Brasil, o primeiro tema de interesse deve ser a fome. Combater todos os tipos de violências. Mas todos os temas me interessam. Quero aprender sobre tudo para poder deixar as coisas melhores para todes. Dentro daquilo que posso fazer. Quero desconstruir todas as ideias limitadoras e impostas”, divide a atriz.

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A narrativa de ‘O jogo que mudou a história‘ é inspirada na formação das facções criminosas do Rio de Janeiro no fim dos anos 1970. Na criação de José Júnior, Alli é uma das 12 protagonistas, com histórias contada tendo como universo a realidade cruel dos presídios e a situação precária das comunidades. “As inspirações para a minha personagem foram a Dona Cremilda, uma antiga freira, e Irmã Dorothy Stang (assassinada no Pará, em 2005, por defender os sem-terra), que foi homenageada com a Emily’, conta.

A carreira relativamente recente está indo de vento em popa: Alli também está em ‘Espécie invasora‘, série de Rosane Svartman para o Globoplay, em ‘Americana‘ para a Star+, e nos filmes ‘Yellow Cake’ de Thiago Mello, ‘Criadas’ de Carol Rodrigues, ‘Epitaph‘ de Bernardo Barreto e Jorge Farjalla. E ela joga para o universo: “Quero continuar viajando a trabalho, fazer projetos que tenho prazer e descobrir novos lugares para atuar também. Desejo expandir fazendo o que amo. Quero dirigir, escrever e investir em projetos que me inspiram”.

A freira que ela vive na série defende seus ideais e os direitos dos detentos na prisão de Ilha Grande, Alli mora no Rio de Janeiro há 10 anos e fala da vida no nosso país: “O melhor do Brasil é sua diversidade. Amo o pouco que conheço do Nordeste. Todas as culturas locais que conheci, me apaixonei. Todos os trabalhos me trouxeram muitos amigos e família nordestinos, que amo. Cada lugar tem sua identidade, jeito, música, culinária, gíria e dança. Adoro aprender, descobrir. E no Brasil ainda tenho muito para descobrir”.

O que me desagrada é a desigualdade, o racismo, a violência, a falta de segurança, os números de estupros, feminicídios no pais e no Rio. Não me colocaria no lugar de falar o que poderia ser melhor para os brasileiros. Acredito nos movimentos inclusivos, antirracistas, pacíficos, feministas e que visam combater a desigualdade. Combater a fome e violências qualquer que sejam –Alli Willow

Uma das protagonistas em ‘O jogo que mudou a história’, Alli Willow, nascida na França, reflete sobre realidade apontada na série e trabalho social no Brasil (Foto: Jorge Bispo)

Acredita que um artista precisa se posicionar politicamente acerca dos temas da sociedade? “Antes de tudo quero que o artista esteja com saúde psicológica, física e espiritual em dia, se sustentando. Depois, acredito que ocupar um lugar de atenção é uma oportunidade para chamar o grande público para certas causas ou acontecimentos. Tem poder passar uma informação, seja pela arte ou pelo discurso, pelas escolhas”.

Alli-Willow como irmã Emily em 'O jogo que mudou a história', (Foto: Divulgação/Globoplay)

Alli-Willow como irmã Emily em ‘O jogo que mudou a história’, (Foto: Divulgação/Globoplay)

Ao lembrar da visceral preparação para viver a freira idealista, a atriz detalha. “Foi algo fora do comum. Contamos com a Fátima Domingues para nos colocar, com sabedoria, no ambiente. Trabalhar o instinto, o corpo presente, cênico. Com a Isadora Ferrite para o texto, as cenas, um estudo delicado. Com o Gabriel Bortolini, que trabalhou as cenas e promoveu encontros que enriqueceram nossas pesquisas. Nos preparamos também com os diretores Heitor Dhalia e Mathias Mariani. E eu trabalhei com o Gonzaga Pedrosa. Muita gente envolvida. Muitos encontros, imersões, vivências. Fiz muita pesquisa, li ‘Memória do cárcere‘ de Graciliano Ramos, pesquisei obras de arte como ‘O rosto distorcido’, do Edvard Munch, escutei a música ‘Ogó’, da Metá Metá, para as cenas do presídio, e ‘Preciso me encontrar’, de Cartola para outras cenas. Fui conectando imagens e sons aos estados da personagem. Fui colando milhões de papeis na parede. Depois peguei o roteiro para destrinchar as transições. Também tive que trabalhar um sotaque americano”, revela.

Ali Willow e Ravel Andrade na preparação de 'O jogo que mudou a história' (Foto: Reprodução/Instagram)

Ali Willow e Ravel Andrade na preparação de ‘O jogo que mudou a história’ (Foto: Reprodução/Instagram)

Tive conversas e vivências com antigas freiras da pastoral carcerária, com os trabalhadores incríveis do programa ‘Segunda Chance’, com antigos diretores de presídios, e com muitos seres humanos que já passaram por muitas coisas – Alli Willow

Francesa, americana e suíça

Falando de suas ascendência, a atriz comenta:. “Sou uma mistura de muitas histórias e origens. Nasci na França, porque meus pais trabalhavam regularmente lá. Meu pai é americano e meu avô ganhou a origem suíça chegando da Armênia, durante o genocídio. Passei muito tempo da minha infância no Quênia, na África Oriental, onde tenho família. Cresci em um set: meu pai é diretor, documentarista, e minha mãe é diretora de arte. Tive dois exemplos muito criativos’, diz ela, que multiartista, também canta, é artista plástica e roteirista”.

Desejo viver uma vida inspirada – Alli Willow

"Quero aprender sobre tudo para poder deixar as coisas melhores para todes. Quero desconstruir todas as ideias limitadoras e impostas" (Foto: Jorge Bispo)

“Quero aprender sobre tudo para poder deixar as coisas melhores para todes. Quero desconstruir todas as ideias limitadoras e impostas” (Foto: Jorge Bispo)

Alli afirma que sempre quis ser atriz. “Entrei em uma escola de artes dramáticas e dança, na França, aos 16 anos. Minha paixão pela atuação vem do meu amor pelo cinema. Consegui bolsa para estudar na Lee Strasberg film and Theatre Institute, em Nova York, aos 17 anos. E não parava de fazer cursos, li todas as peças imagináveis e passava dias inteiros no cinema. Quando me formei, fiz peças, muitos eventos e até panfletagem. Tentei ser atriz, mas lembrava de um dia na aula, em que um aluno perguntou: “E agora, a gente se forma e o quê?”, e o professor respondeu: “Esquece tudo que aprendeu e vai viver. Vai se apaixonar, se decepcionar, viver lutos e volta a atuar”. Morei lá sete anos. Fui embora meio perdida aos 24, e decidi me mudar para o Brasil. Aprendi português, fiz muitos papeis pequenos, curtas-metragens bem experimentais e alguns comerciais. Minha carreira começou com o filme ‘Bacurau‘ (2019), do Kleber Mendonça Filho e do Juliano Dornelles. Foi meu primeiro longa, que deu início à uma carreira que até agora tem me proporcionado muitas experiências extraordinárias”.