*Por Brunna Condini
Não é de hoje que acompanhamos os principais realities shows de olho no comportamento humano e no que as situações dentro do confinamento podem reverberar em nós como análise. Há duas semanas, A Fazenda 15 estreou na Record indicando que vai bater recorde de barracos e situações limite entre alguns dos seus participantes. E quando assistimos, sendo servido como entretenimento, tantas brigas entre mulheres que só reforçam uma rivalidade feminina que não desejamos perpetuada em nossa sociedade, é algo para se pensar. Convidamos a psicóloga Maria Rafart para abordar o tema conosco.
A velha fórmula da rivalidade entre elas para engajar através das tretas pode até fazer sentido na lógica do pensamento competitivo em que os envolvidos precisam acreditar que são melhores que os outros. Mas nos distância do conceito de sororidade, amplamente colocado na roda nos últimos anos que, quando exercitado nas relações, ajuda as mulheres a se potencializarem para transformar toda uma estrutura machista e patriarcal, que tanto as oprime desde que o mundo é mundo.
Quando assistimos aos conflitos desrespeitosos entre mulheres que buscam o empoderamento em suas existências, como os entre a funkeira Alessandra Cariúcha e a jornalista Rachel Sheherazade , e a própria Cariúcha e a influenciadora Jenny Miranda, ou entre Jenny e a ex-BBB 18 Jaquelline Grohalski, ou ainda entre a empresária e ex-A Fazenda 10 Nadja Pessoa e Alicia X, produtora de conteúdo, em situações repletas de ofensas, que beiram a pancadaria, o desconforto é imediato. É isso mesmo que as pessoas esperam ver em uma atração do tipo? E por que as mulheres ainda caem nessa?.
A sororidade significa a prática de empatia, confiança, cooperação e acolhimento entre mulheres. Em A Fazenda 15 – e em outras edições do reality -, o conceito vem se perdendo no mar de horrores que se transformam as relações na disputa do prêmio de R$ 1,5 milhão.
Não somos obrigadas a gostar uma das outras sempre, mas qual é o limite saudável destas relações? A sororidade intrínseca no conceito de feminismo – que protege vidas e pede a igualdade de gênero, urgente para um futuro sustentável – não pressupõe amizades e afinidades compulsórias entre mulheres, já que muitos fatores estão envolvidos para que isso aconteça, mas sim, o respeito mútuo.
A psicóloga pontua:
Mulheres enxergam umas às outras como rivais há muito tempo; esta é uma das ferramentas mais eficazes do machismo. Através da desunião, não há como o criar uma classe coesa e forte. Qualquer reality show, mesmo que pareça exagerado, é um espelho da nossa sociedade. Nas rivalidades femininas, mostradas de forma superlativa em todas as edições da Fazenda (e não apenas nessa), vemos a realidade: mulheres desde sempre competindo umas com as outras – Maria Rafart
“Quem é a mais bonita; quem é a mais bem-sucedida; quem é a mais jovem, quem é a que limpa mais a casa… Até nos xingamentos, como na ocasião em que Cariucha chamou Raquel de ‘vadia’ usam-se palavras clássicas do linguajar machista para ofender. Quando mulheres efetivamente sentirem na pele o que é a sororidade, mesmo em uma competição, deixarão de usar argumentos rasos e desqualificadores. Enquanto isto não acontece, ‘alecrins dourados’ se aproveitam desta desunião e continuam a subjugar as mulheres impunemente”, conclui.
Por que você consome o que consome?
Desde a última edição do reality da Record, que fugiu do controle em muitos momentos, com um festival de xingamentos, ameaças e muita gritaria em rede nacional, a gente vem propondo pensar sobre o porquê a audiência aprecia tanto assistir pessoas em conflito e chegando a situações limite?
Segundo a psicóloga, essas atrações são pensadas justamente para promover o estímulo de emoções e sensações ao espectador, através da vida dos outros, dos confinados. “As pessoas gostam de ver violência, porque é uma maneira de simbolizar a própria agressividade. Algumas podem até se declarar muito pacíficas, mas a hostilidade de qualquer espetáculo é capaz de fazer com que haja uma catarse de coisas ruins represadas dentro de si”, esclarece. Os conflitos não são a única forma de engajamento, mas por sermos seres que exercitam a empatia, nessas situações extremas acabamos por nos identificar com as emoções dos participantes e escolhemos lados.
Na segunda prova do Fazendeiro, que definiu oficialmente a primeira Roça da edição e André Gonçalves saiu vencedor, com Rachel, Lucas Souza e Nathalia Valente indo para a berlinda – e Nathalia sendo eliminada – a atração bateu recorde em audiência e participação em São Paulo, melhorando os números do reality. O programa teve uma média de 7,1 pontos e share de 15,6%. Esses foram os melhores índices desde a estreia.
Mas apesar disso, na madrugada desta segunda-feira (2), os participantes Darlan Cunha (Laranjinha) e Alícia X, comentaram sobre um áudio vazado pela produção do reality no confinamento no qual informações sobre a audiência foram mencionadas. “Parece que passaram o dia falando sobre a dinâmica [de domingo]. Vocês ouviram o áudio que vazou?”, indagou o ator.
Em seguida, ele afirmou que a produção tinha dito que era necessário ter “barraco” no jogo de domingo (2) para aumentar o ibope do reality. “O áudio falando que precisa ter essa dinâmica hoje para ter audiência. Acho que a galera que gosta do barraco, já falou: ‘O programa está fraco (…) O pessoal aqui começou a falar sobre isso. Ontem mesmo, como estava calmo, não teve barraco, punição, nem briga, já estavam falando: ‘Quem assiste quer treta todo dia, que ser polêmico'”, finalizou.
Situações que estimulem ‘barracos’ estão no roteiro deste tipo de atração, isso sabido. Reforçamos que a reflexão que propomos não está imbuída de julgamentos, já que valorizamos a liberdade de escolha. Talvez a questão não seja a toxicidade nas relações de alguns participantes no confinamento, mas sim, a toxicidade do que consumimos.
É saudável consumir esses tipos de cenas como entretenimento? Observamos como ficamos após a experiência? Gostar de acompanhar conflitos em reality shows pode até estar relacionado a fatores emocionais primitivos, mas quando levamos a questão para o nível da consciência, o que sobra? Estarmos atentos ao que nos faz bem ou não, é fundamental. O que você deseja ao consumir o que consome? Eis as questão a serem refletidas.
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