* Por Carlos Lima Costa
Em tempos de pandemia por conta do Covid-19, o setor cultural é, sem dúvida, um dos mais afetados. Mas movimentos isolados tentam aos poucos retomar a produção na área. A palavra de ordem é “reinventar”. Da forma que é possível. Em meio a quarentena, aos 32 anos, Natalia Milano idealizou e realizou o longa-metragem Caminho de Volta, comédia dramática, onde além de ser a protagonista, assina a direção e o roteiro, sendo este último em parceria com Bryan Ruffo.
Na história, uma jovem viúva, Olivia, enfrenta o luto pela morte recente do marido, Artur, no atelier que pertencia a ele, aprendendo a se virar sozinha. Encarando a solidão no meio das montanhas, precisa lidar com o luto e com todas as dificuldades da pandemia, recebendo ajuda do “fantasma” do falecido. A filmagem foi uma catarse para Natalia, que idealizou o roteiro inspirada na morte do pai, o artista plástico e ceramista Alfredo Milano, que enfrentava um câncer, e morreu vítima de um enfisema pulmonar, aos 57 anos. A filmagem aconteceu durante o mês de maio e teve como cenário o sítio a 1.700 metros de altitude, que pertencia a ele, em Gonçalves, Minas Gerais, onde o pai dela tinha um atelier e uma galeria.
“Nós éramos muito próximos. Quando faleceu, muitas pessoas me falaram que havia um processo de compreensão que durava mais ou menos um ano. É difícil compreender a morte quando acontece com alguém próximo. Foi bom poder processar criativamente o luto. Estava completando um ano durante as filmagens. Então, realmente foi catártico, o encerramento de um ciclo. Tinha escrito muitos pensamentos e sentimentos em um diário e a partir disso surgiu a ideia do filme, cuja história foi transformada no luto de um casal”, desabafa sobre a despedida do pai que lutou quase três anos contra o câncer.
“Ele era otimista, gostava muito de viver e durante todo o processo pediu que eu permanecesse positiva. Nem teve aquele processo de ir para o hospital, foi embora dormindo”, relembra a cineasta, filha da atriz Daniele Rodrigues, que estreou na TV substituindo Rosana Garcia no papel de Narizinho no Sítio do Picapau Amarelo, no início dos anos 80, e depois ainda brilhou em papéis como a escritora Zélia Gattai (1916-2008) criança na minissérie Anarquistas Graças a Deus, em 1984. Atualmente, Daniele usa Yanes como sobrenome artístico e há dez anos apresenta pelo Brasil projeto de teatro itinerante InConto Marcado, que pretende retomar presencialmente assim que for possível.
Como atriz, Natalia fez uma pequena participação no filme O Amor Dá Trabalho. E planejava a estreia como diretora e roteirista de longas com 1/3. Mas o projeto parou por conta da quarentena. Em abril, teve a ideia de rodar Caminho de Volta. “É o meu primeiro longa, algo que eu estava desejando fazer há algum tempo. Tudo indicava que seria 1/3, que ainda pretendemos realizar, mas acabou se transformando nesse novo projeto surgido frente ao desafio da pandemia”, explica. Em uma semana, criou a estrutura do roteiro junto com Bryan, ator de filmes como Tim Maia e Morando Sozinho.
“Ele é meu parceiro criativo, já realizamos vários projetos juntos”, conta sobre o ator com quem já foi casada. “Acho que só conseguimos rodar desta forma em pouco tempo, mas de forma espontânea, porque a gente já tinha uma dinâmica criativa bem estabelecida”, conta. Aí convidaram Julio Constantini (que estava na equipe de 1/3) para executar a direção de fotografia. E tiveram apoio da Feel Filmes, produtora de São Paulo, que emprestou o equipamento. Assim, em maio, ela, Bryan e Julio rodaram a película.
“Tínhamos o roteiro todo estruturado, mas não as cenas. O que fomos desenvolvendo ao longo do processo. Às vezes, nas pausas das filmagens escrevíamos em um dia os diálogos das cenas que iríamos fazer no dia seguinte”, lembra ela. “Normalmente, gosto de me preparar bem, sou bastante meticulosa na pré-produção. E percebi que podia fazer com mais espontaneidade e uma certa despretensão, surgindo coisas surpreendentes. O processo fluiu muito bem. Foi bastante colaborativo. Estávamos todos exercendo além da nossa função. E como não tínhamos expectativa do que deveria ser feito, então ninguém se frustrou. Foi oportunidade de fazer aquilo que era possível. Usamos praticamente só luz natural. Optamos por esta linguagem de incorporar no filme uma estética natural”, acrescenta. Além de Natalia e Bryan, o filme conta com as participações de Mayana Neiva, Thati Lopes e Victor Lamoglia, que se filmaram com os próprios celulares, em cenas de videoconferências com a protagonista da história.
Após rodar Caminho de Volta, Natalia garante estar mais capacitada para futuras realizações. “Ao mesmo tempo que nunca estamos preparados porque os desafios se apresentam, esta experiência me fortaleceu muito em confiar na minha potência, sabe, me formei em cinema em 2010. Foram dez anos de construção na área do audiovisual até chegar nesse momento. Me deu uma confiança que eu não tinha antes. E confiar nas colaborações, porque você nunca está sozinho. Fica sempre a impressão de que o diretor faz sozinho, mas é arte colaborativa”, reflete.
Agora, sonha com o dia em que poderá estrear seu projeto nos cinemas, participar de festivais e vê-lo também em uma plataforma de streamings. “Quero ver como o filme vai ser distribuído. Vivemos um momento ainda muito novo, não sabemos o que vai acontecer no pós pandemia”, avalia.
O interesse de Natalia pela arte veio da mãe, que sempre a estimulou. Assim, estudou teatro, dança, balé, canto, se formou em Teatro e em Cinema. Em 2014, com Bryan, criou o canal Filme da Hora, no YouTube, cujo nome mudou para Bryan e Nat, até terminar, em 2018. Colaborou com outros canais, fez parte da equipe de roteiristas da websérie Longe do Reino. Idealizou ainda, fez roteiro e atuou na websérie O Álbum das Mulheres Incríveis, com 16 episódios entre cinco a dez minutos sobre inspiradoras mulheres das mais variadas épocas, como a aviadora americana Amelia Earhart (1897 -1937) e pintora mexicana Frida Kahlo (1907-1954), que posteriormente foi licenciada para o canal por assinatura Lifetime. Agora, o projeto está em fase de captação de recursos para uma segunda temporada. “Desde pequena, sempre gostei de exercer diversas funções. O que me move é contar histórias, seja atuando, escrevendo ou dirigindo. Tenho vontade de contar histórias, principalmente com o protagonismo feminino. No Brasil, temos muitas personagens femininas históricas que ainda não foram retratadas no cinema”, relata. E prossegue: “No YouTube foi onde pude experimentar e colocar em prática muito do que aprendi nos anos de formação, onde ganhei muita experiência prática. Foi uma etapa superimportante em que experimentei de forma criativa”, relata.
É uma mulher forte e guerreira, que batalha sempre pelos projetos? “Quero crer que sim, mas isso é a vida que pede”, analisa ela, que permanece em quarentena no sítio. “Esta fase não é tranquila para ninguém. Vivemos um momento difícil. É impossível ser diferente vendo as notícias, sabendo o que está acontecendo. Mas ter o privilégio de estar em um lugar na natureza, ajuda a manter a sanidade”, acredita. Do que mais sente falta? “De poder sair para dançar, ir ao cinema, restaurante, poder encontrar a minha família”, explica. A mãe vive no Rio de Janeiro e os familiares do pai em Mogi Mirim, município onde Natalia nasceu. “Minha mãe ficou na casa da minha avó quando eu ia nascer para ter o apoio da família. Então, na minha certidão está Mogi Mirim, mas nunca morei lá, me sinto paulista”, diz ela, que chegou também a passar um tempo no Rio quando a mãe participou das novelas Renascer e Irmãos Coragem.
Artigos relacionados