“A arte me escolheu e não o contrário”, contou a atriz revelação da novela “Segundo Sol” Claudia di Moura


Com quase 34 anos de carreira, Claudia não é novata, mas vive pela primeira vez um papel em uma novela. “O palco sempre foi minha grande realização, mas estar na casa de tantos brasileiros, sendo a maior plateia que eu já tive, é monumental”, comentou a artista

(Fotos: Studio B.Art)

Claudia di Moura passa a força da atuação em sua voz e sua presença e é uma das almas na novela da Globo “Segundo Sol”, com sua personagem Zefa. Estreando na televisão, a atriz imponente e baiana orgulhosa traz para as telas a experiência de 33 anos de palcos em Salvador, onde nasceu e foi criada. No teatro, já fez parte de espetáculos como “As Velhas”, “Policarpo Quaresma”, e agora, segue em cartaz na peça O Galo”, inspirado na obra de Gabriel García Márquez. E no cinema, fez filmes como “Irmã Dulce” e o mais recente “Tungstênio”. A artista e autodidata estilista contou ao site HT sobre seus caminhos até os palcos, a vida de uma artista no Brasil e sua personagem na trama de João Emanuel Carneiro, que reflete a história de muitas mulheres no país.

Aos 53 anos de vida e mais da metade compartilhando palcos com colegas atores, a atriz começou sua trajetória quando criança, já demonstrando uma vontade pela arte e pela atuação. Recitava poemas como ninguém e já sabia colocar dor e sentimento nas poesias. A trajetória profissional só começou aos 20 anos, quando subiu aos palcos e nunca mais parou. Passou por papéis fortes, dramáticos, cômicos até em webséries. Foi em uma delas que a produtora de elenco da novela, Vanessa Veiga, a conheceu e seu caminho até o Projac do Rio começou. Vanessa cadastrou mais de 400 atores negros para participar da trama, principalmente criticada pela falta de representatividade em um contexto baiano, onde a maior parte da população é negra. “Eu acredito que o papel de Zefa transborda a própria teledramaturgia. É para além da negritude, é ter um ponto de identidade onde se agarrar. Ela mostra como personagens negros podem ser complexos e fundamentais  na construção da televisão brasileira. Ela está no estereótipo da empregada doméstica, mas não só para o alívio cômico ou de servir as pessoas. É uma trajetória que leva a outros caminhos e isso leva a outras reflexões. Quando eu vi a Zefa sentada naquela cabeceira da mesa, eu senti uma emoção muito grande, porque principalmente aquilo representa a queda do patriarcado. Ela sentada na mesa do homem branco que ela serviu a vida inteira é forte. Ali ficou claro que a luta precisa continuar, que ela venceu e o amor também”, refletiu Claudia sobre a escalada dramática de sua personagem, que começou como empregada de uma família rica que perdeu tudo e vai terminar como a matriarca e principal eixo dessa mesma família à qual serviu por tanto tempo.

(Fotos: Studio B.Art)

A intérprete de Zefa ainda conta que a televisão é um caminho recente e inesperado. “Tem sido uma experiência completamente nova. A TV não era meu principal objetivo, mas nunca fechei as portas para ela. E nunca pensei que ela fosse me receber tão lindamente como foi, principalmente com a ajuda do elenco e dos diretores, sempre tendo um diálogo constante sobre minhas possíveis dificuldades, sobre o que eu pensava para a personagem e como eu estava. O processo é muito gratificante!” Zefa, personagem que marca a novela, é calma, conformada e maternal, além de ser extremamente altruísta. A história se passa na casa da família de Severo Athayde (Odilon Wagner), em que Zefa trabalha como cozinheira desde moça e que teve relações durante anos com Severo, engravidando duas vezes. Na primeira, de um menino branco e, depois, de um menino negro. O branco, batizado como Edgar (Caco Ciocler), ficou com a patroa Claudine (Cássia Kis), que era estéril, e tornou-se herdeiro da família. O negro, batizado como Roberval (Fabricio Boliveira), ficou com Zefa. A constituição complicada da casa e da vida da empregada, que sempre viveu submissa, demonstra um papel importante para Claudia di Moura, que chega a se emocionar ao falar da personagem. “A Zefa é a história de muita mulheres e ela representa um papel complexo, que foge do esterótipo do papel do negro na televisão. A Zefa é diversa como todo ser humano e eu tento mostrar isso. Ela também quer amor, felicidade, cuidado”, revelou a atriz. Ainda que sinta a dor de Zefa, Claudia diz ter semelhanças com ela, mas também grandes diferenças. “A Zefa e eu temos algo em comum e que eu me identifico: o intenso e grande amor que ela têm. Só que nós amamos de formas diferentes. O amor da personagem é pelo outro de tal forma que ela se boicota e se esquece. E eu acredito no amor da mão dupla, em que eu dou e recebo também”, contou.

Para além da personagem, Claudia conta que representa seu povo há mais de 33 anos nos palcos e nas histórias que interpretou. A atriz acredita firmemente na importância de trazer a população negra para se enxergar na dramaturgia, nas profissões, nas ruas, nos cargos e nas histórias felizes. “A presença negra nos lugares mostra que nós também temos história, que somos interessantes e complexos, fora do esterótipo”, declarou a atriz. Ainda sobre racismo e negritude, Claudia conta que é cansativo falar sobre isso e que quer oportunidade para falar de outras coisas que também fazem parte da sua vida, enquanto mulher, mãe, atriz, estilista e principalmente como pessoa.  Se é orgulhosa de suas raízes? Pode ter certeza. A atriz demonstra todo seu estilo e cultura africana nas suas composições e peças. A atriz comanda Claudia di Moura Rouparia, há 14 anos, que normalmente veste o mundo underground da música na Bahia, e desde nova nunca quis o óbvio. “Eu tenho 3 filhas e eu brincava basicamente de boneca. Eu produzia e eu percebi que eu tinha jeito para aquilo e sempre fui muito diferente. Eu sempre fui na contramão da moda e da tendência. Comecei a dar consultoria e quando vi estava completamente imersa nesse universo e criei minha grife, que é alternativa, de uma moda de rua, para todas as ocasiões. E meu estilo é a minha impressão digital. É muito próprio, comunico por ele e formo opinião. Eu sou solar, gosto de brincar com a roupa”, comentou.

(Fotos: Studio B.Art)

Claudia não sabe o que o futuro espera, mas curte a repercussão incrível da novela e da personagem e sente-se feliz com o papel e a vida no Rio de Janeiro. “Pessoas param na rua, se identificam, no Brasil todo..”, revelou. Já indicada como Atriz Revelação do Domingão do Faustão, e premiada por seus papeis nos palcos durante toda a sua trajetória, mãe de mãe de Dayse Maria, de 38 anos, Iasmim, de 28, e Ana Vitória, 22, Claudia vive suas vocações na arte, mas admite ser um meio extremamente difícil e injusto. “O artista no Brasil que vive exclusivamente de sua arte é um privilegiado e uma exceção. O artista se sente muito desamparado com essas questões, tanto de diálogo com o mundo quanto das políticas públicas voltadas para a arte, porque é sempre um lugar esquecido. Eu falo muito por Salvador, que é onde eu batalho minha arte e é minha nascente. Falta diálogo de quem pode nos ajudar, então, é sempre uma luta, matando um leão por dia, de tentar mostrar a importância transformadora do teatro e da arte”, frisou.

Para os jovens atores que começam seu caminho agora, ela torce e aconselha: “Invista no seu projeto pessoal. Se não der para fazer com uma mega estrutura, faça simples, mas faça! Eu acredito no ator e na palavra. Depois disso, é firula. Faça com papel crepom se necessário, mas ame e acredite no que você faz. Comece com o que está ao seu alcance e desistir jamais”, defendeu a atriz.

Equipe das fotos:

Fotos: Studio B.Art

Maquiagem: Diego Nardes

Cabelo: Lucas Souza

Styling: Alanna Campi

Locação: Cidade das Artes