“The Rover – A caçada”: ficção apocalíptica com viés existencialista para deixar Sartre feliz


Ao invés de viajar na fantasia da ficção científica e se concentrar no esgotamento dos recursos naturais pelo homem, o longa foca a solidão e o potencial das relações improváveis dentro de situações limítrofes

Nem bem as primeiras cenas do remake de “Mad Max” começam a pipocar na internet e já estreia nos cinemas nesta quinta-feira (7/8) The Rover a caçada” (The Rover, de David Michôd, Porchlight Films e outros, 2014) espécie de similar cabeça de aventura apocalíptica igualmente passada no interior da Austrália. Em um mundo devastado após o colapso da sociedade moderna, onde o governo, a ordem social e as grandes corporações foram para o brejo, cada um se vira como pode e tenta, a todo custo, obter aqueles bens básicos que costumavam ser desperdiçados pelo ralo: água, comida, gasolina e, quem sabe, até mesmo um pouco da boa vontade alheia. Mas, enquanto geralmente esse tipo de ficção costuma se deter em aventuras rocambolescas com muito movimento, repletas explosões e de hordas de fascínoras sem alma, esse exemplar do gênero abusa da narrativa lenta e vai naquela onda do cavaleiro solitário característica do western. O diretor David Michôd procura imprimir um tom mais realista à premissa do fim do mundo e foca no comportamento social ao pretender desvendar o porquê de seres humanos se tornarem verdadeiros diabos da Tasmânia diante das adversidades. Sim, há existencialismo na brutalidade e a filosofia de que a existência determina a essência é levada no filme ao pé da letra. Algo de deixar Sartre e Simone de Beauvoir trepidando de alegria ao conferir suas teses na telona.

Este slideshow necessita de JavaScript.

Fotos: Divulgação

Não que não haja violência ao longo da projeção. Naturalmente, os produtores esbanjaram no uso da glucose de milho, o ingrediente principal na composição do sangue cenográfico, e muita gente é despachada para o além na base de uma bala na testa. Tudo isso, claro, partindo da premissa de como a sociedade (ou o que sobrou dela) reagiria caso não existisse mais ordem e fosse um cada um por si, sem ninguém precisar responder civilmente pelos seus atos. Um Guy Pearce econômico na interpretação – em visual que mescla o estilo caubói taciturno com papai-garotão que circula por aí de camisa de flanela e bermudão de sarja – comparece como um protagonista caladão que move mundos e fundos pelas estradas do empoeirado outback australiano a fim de reaver o carro roubado por três assaltantes. Não que isso fizesse alguma diferença. Afinal, a sociedade bateu as botas e ninguém está preocupado com Nissans ou Toyotas, mas como encher o bucho. Mas é somente na cena final que fica claro o real motivo de tanto apego ao veículo quando, na verdade, bastaria entrar em uma concessionária abandonada e sair por aí dirigindo. Sonho de consumo para qualquer um, se fossem os dias atuais.

Poster de "A Caçada" (Foto: Divulgação)

Poster de “A Caçada” (Foto: Divulgação)

Contracenando com ele, Robert Pattinson interpreta o irmão abobalhado de um dos marginais, deixado para trás em um incidente com uma milícia e resgatado pelo anti-herói com o objetivo de ser o passaporte para recuperar seu carro. Nem é preciso citar que o aspecto frágil do galã – aqui enfeiado pelo visagismo a ponto de os fãs de “Crepúsculo” saírem horrorizados – é usado pelo cineasta ao limite como forma de estabelecer um vínculo emocional entre os dois personagens principais. A ideia é essa: revelar como que, na solidão e na dureza de um ambiente inóspito, os vínculos afetivos podem surgir de onde menos se espera.