É a segunda vez que Fabrício Boliveira representa um filme nacional no Brazilian Film Festival of Miami. Se, no ano passado, o ator era dedicação pura ao longa “Trinta”, de Paulo Machline, protagonizado por Matheus Nachtergaele na pele do carnavalesco Joãosinho Trinta, nessa 20ª edição a causa defendida por ele nas telonas é tão legítima quanto. Explicamos: Fabrício viveu o policial Décio em “Operações Especiais” e sabe: levantar o questionamento sobre a presença da mulher em funções de liderança e poder e, principalmente, sobre a corrupção cotidiana – que é a que alimenta uma ainda maior – é fundamental. “Temos uma violência muito grande aos jovens negros. Tem a ver com política, educação, com uma sociedade ignorante, que apoia um candidato como Bolsonaro, um golpe militar, um evangélico que é contra negros e gays no poder. Mas isso é um reflexo. Eu costumo me proteger com a educação, mas, de algum jeito, ainda hoje sou parado o tempo todo pela polícia do Rio de Janeiro que me pergunta em blitz o que eu faço da vida. Isso porque eu tenho carro importado e ainda é incongruente”, revelou.
Pensa que é só? Pois na própria preparação para o longa, Fabrício sofreu outros casos de racismo e preconceito. “Eu lidei com uma situação muito delicada. Um instrutor da polícia, dentro da academia, que olhou para os meus dreads – que eu usava por conta de um personagem de outro filme – e falou: ‘esse aqui é nosso possível alvo’. Isso dentro de uma formação para policiais! Fiquei quieto e quando ele deu um mole, falou do assassinato do Amarildo, eu respondi que ‘evidente, porque eles, como eu, eram alvos’. Fiz um escândalo, saí com os outros policiais e disse que não trabalharia mais com aquela pessoa. Esses tipos de policiais são de outra visão. A arcaica. Para eles, arma e tiro é a base de ser policial”, analisou.
Foi pensando nessas e em outras questões que, em “Operações Especiais”, o roteirista e diretor Tomás Portella abordou o universo policial, a criminalidade, a honestidade e o machismo através de um grupo de policiais honestos que é enviado a uma cidade do interior do estado do Rio de Janeiro, a ficctícia São Judas do Livramento. Lá, eles resolvem problemas e são aclamados pela opinião pública, porém, pouco tempo depois, o rigor da lei passa a incomodar alguns. Lidar, na ficção, com uma realidade de violência que faz parte da vida real foi especialmente desafiador para Fabrício. “Foi superdifícil tocar nesse tema, principalmente no Rio de Janeiro, porque de fato acontece. Nós temos problema com a polícia que conhecemos. Na preparação, nós fomos trabalhar lá dentro e entender como funcionava a polícia”, disse ele, que foi além: “É complicado lidar com essa realidade e retratar ela, isso era uma questão para nós: como fazer uma polícia honesta. Claramente quem assistiu o filme entende que esse é o sonho da polícia que desejamos”, ressaltou.
De fato: seu Décio é um homem agregador e que protege a protagonista Francis, vivida por Cleo Pires, dentro de um batalhão ainda machista. E ele teve inspiração clara para dar vida a esse homem. “Me peguei muito no Barata, um investigador que tem toda uma briga interna para que a polícia use menos arma, seja mais investigativa”, contou ele. “No Rio de Janeiro acontece uma coisa que chamam de ‘assassinato padrão’. Se morre um garoto negro de 15 a 25 anos, morador de comunidade, ele não entra na estatística, é assassinato padrão. Porque é muito normal matar negro, jovem, de favela. É choque, absurdo”, criticou.
Para Fabrício, levar essa discussão aos Estados Unidos e outros países é fundamental. “É importante dialogarmos sobre a polícia militar carioca, tem uma pressão de fora para isso. Estamos com problemas políticos, acabamos de sofrer um golpe. De alguma maneira, com esse filme, nós estamos pedindo ajuda. Vários brasileiros vão às ruas lidar com esse tipo de situação. Esse é nosso grito hoje”, garantiu ele, que também já esteve em protestos e passeatas. “Há três semanas fui a uma passeata em São Paulo e tomei bomba de gás lacrimogênio. Isso é um retrato da polícia militar e de como o governo pensa uma polícia. Principalmente o governo atual”, endossou.
Mas, para ele, a questão já vem de bem antes. É que Fabrício participou, lá atrás, em 2010, de “Tropa de Elite 2”, que, para ele, tem muitos pontos em comum com “Operações Especiais”. “A tropa de elite é uma polícia especial do Rio, que tem uma entrada mais drástica nas comunidades. Apesar disso, há muitos policiais que precisam de maior preparação. É um problema que precisamos resolver nesse país”, disse.
Pensa que é só? Pois Fabrício acabou de rodar um filme sobre Wilson Simonal que fala de… política. Mas de outra forma. A história retrata a vida do artista desde sua humilde infância ao estrelato, passando, é claro, pelo declínio de sua carreira – quando sua reputação ruiu ao se associar ao Departamento de Ordem Política e Social, um órgão do governo usado para reprimir movimentos contrários ao Regime Militar. “Ele passou por uma situação dessas na década de 70”, explicou.
Além disso, Fabrício estreia, no próximo dia 27, nas telinhas em “Nada será como antes”, minissérie com produção de Guel Arraes e direção de José Villamarim e, em seguida, tem uma produção no Uruguai e um novo longa de Heitor Dhalia. Nós, é claro, continuaremos acompanhando ele de pertinho.
Artigos relacionados