Passou perrengue em lives na quarentena? Cristina Fagundes cria peça online sobre bastidores e gafes que viram memes


Já vimos nos vídeos que viralizaram na internet nos últimos tempos, que muita coisa pode rolar, de bom e de imprevisto, com a câmera ligada e no ao vivo. Nestes tempos de pandemia em que dependemos cada vez mais da tecnologia para nos comunicarmos, estamos sujeitos a tudo. Desejando explorar o que rola por trás de uma produção online, no espetáculo ‘Bastidores’, que estreia nesta sexta-feira (4), a atriz e diretora Cristina Fagundes mostra até que por trás da criação de uma peça que será transmitida online um patrocinador exige que uma youtuber seja a protagonista, obrigando o autor a reescrever a peça. A diretora presta ainda homenagem ao fazer artístico e à forma com que lidamos com as diferenças. Além disso, ela comenta sobre a inclusão das ferramentas digitais que vieram para fazer história na arte: “Estamos muito imersos nisso tudo que vivemos hoje. É tão visceral fazer um processo que fala sobre o próprio processo do fazer artístico, que não sabemos se nós que estamos investigando a arte ou a arte que investiga a gente neste momento”

*Por Brunna Condini

Durante a pandemia do novo coronavírus todos nos rendemos à tecnologia para continuar produzindo. A nossa casa virou o espaço para viver e trabalhar, e as ferramentas digitais se tornaram as principais aliadas para mantermos a conexão em um momento que não podemos estar perto uns dos outros como gostaríamos. O caso é, seja em videoconferências ou lives, é bom ter cuidado para evitar gafes ou revelar mais do que desejamos da nossa intimidade. Afinal, até pode acontecer de uma entrega chegar no meio de uma entrevista ou o cachorro invadir o vídeo na hora que o entrevistado vai falar, mas não é o ideal, certo? Essa jornalista que vos fala, que o diga. No entanto, dentro do cenário atípico em que vivemos, também esperamos que todos os imprevistos e constrangimentos sejam perdoados.

O público pode até perdoar, mas não perde a chance de deixar algumas gafes famosas e fazê-las viralizar.  Como quando Fabio Porchat conversava com Guilherme Boulos, e sua mulher, Nataly Mega, passou de toalha por trás da câmera. Ou ainda, quando Ludmilla empolgada em uma live, com palco montado em cima da piscina da sua casa, caiu dentro da própria, no meio do show. E os anônimos também não estão livres. Quem não lembra do Mauro (como ele ficou conhecido), que tirou a roupa durante uma videoconferência de médicos, acreditando não estar sendo filmado?

O backstage de muitas experiências podem guardar histórias até mais curiosas das que são apresentadas em peças, lives e eventos. O que se passa quando as câmeras estão desligadas? É esse o ambiente de “Bastidores”, espetáculo também online que estreia nesta sexta-feira (4), às 22h30, na plataforma do Sympla, e conta os percalços de uma equipe para ensaiar uma peça para o Zoom.

A peça ‘Bastidores’ é dirigida por Cristina Fagundes e lança um olhar divertido sobre o fazer artístico e as formas com que lidamos com o amor, o trabalho e o sexo (Divulgação)

Criada e dirigida por Cristina Fagundes, a montagem lança um olhar divertido sobre o fazer artístico e as formas com que lidamos com o amor, o trabalho e o sexo, colocando o público como um voyeur, que tem acesso livre às conversas privadas da equipe ao longo do processo de criação, acompanhando de perto todas as intrigas, dificuldades e amores que acontecem nos bastidores. “Há três meses reuni um time fera de atores ainda sem ter ideia do que seria. Falei: ‘Vamos ver o que vale a pena ser dito hoje e que as pessoas gostariam de ver’. Conforme fomos pesquisando, vimos que uma das maiores dificuldades que temos é em lidar com as diferenças: no trabalho, no amor, no sexo, nas amizades. E optamos por levar a produção para este híbrido entre audiovisual e teatro. Tem gente chamando de nona arte. Não acho que é teatro, é uma estética diferente”, diz a diretora. “Dentro disso, quisemos falar sobre o fazer artístico. É muito novo para nós, louco. Tem gente que tem 30 peças nas costas e nunca tinha feito nada online. Sabemos nos salvar no palco, aqui, não se sabe como faremos. Para você ter uma ideia, à esta altura do espetáculo, no mundo anterior, eu estaria fazendo marcações no palco, de luz, por exemplo. Agora, marco minha mesa, as posições o laptop”.

O show não pode parar

A trama que tem no elenco Acauã Sol, Alexandre Varella, Ana Paula Novellino, Cristina Fagundes, Flavia Espirito Santo, Karin Roepke,  Marcelo dias, Michel Blois, Verônica Reis e Verônica Rocha, fala da crise por trás da criação de uma peça que será transmitida online e revela o que acontece quando um patrocinador exige que uma youtuber seja a protagonista, obrigando o autor a reescrever a peça, por exemplo. “No espetáculo têm estrelas da TV, youtuber, medalhões…tudo misturado. É uma peça que está sendo ensaiada e não estreia. E está ali esta passagem de bastão, de que antes valia mais a experiência, depois o ser celebridade da TV, e agora são as celebridades da internet”, analisa Cristina. “Investimos na metalinguagem para mostrar como se passa o processo artístico. É uma grande homenagem. À arte, ao teatro e aos atores. Inclusive, usamos trocadilhos com nomes de personagens inspirados em nomes de grande ‘medalhões’, como Marília Montenegro, Maura Cardoso, Lima Ramos e Betty Menezes, por exemplo. Também brinco com o meu nome, colocando um autor que se chama Cristiano Fagundes na trama”.

“No espetáculo têm estrelas da TV, youtuber, medalhões…tudo misturado. É uma peça que está sendo ensaiada e não estreia” (Reprodução)

Com 24 anos de carreira, Cristina afirma que a inquietação criativa se manteve viva nestes meses de distanciamento social em que a classe artística foi uma das que ficou mais vulnerável. “Escrevo, dirijo, atuo, então sempre tive fluxo de trabalho. Mas nesta pandemia me recusei a parar. Estamos em um momento obscuro e a arte é revigorante. Fiz o Clube da Cena Lives, em que com 43 atores apresentava uma cena de ficção por dia no instagram. Foram quase dois meses envolvida com esse projeto”. E acrescenta: “Estamos muito imersos nisso tudo que vivemos hoje. É tão visceral fazer um processo que fala sobre o próprio processo do fazer artístico, que não sabemos se nós que estamos investigando a arte ou a arte que investiga a gente neste momento. Estamos desbravando uma floresta, é tudo novo, tem a parte tecnológica e por isso podemos falar com muito mais pessoas, com todo mundo que entrou nesta bolha virtual conosco. Mas posso dizer que o frio na barriga é o mesmo, a mesma adrenalina para que dê tudo certo e que Dionísio nos ajude (risos)”.

“Posso dizer que o frio na barriga é o mesmo, a mesma adrenalina para que dê tudo certo e que Dionísio nos ajude (risos)”. (Reprodução)

Sobre as curiosidades dos bastidores de ‘Bastidores’, a peça, ela revela. “Ah, tem muita coisa. É diferente a dinâmica. Com diretora, em um ensaio em que estamos próximos fisicamente, dou toques no pé do ouvido do ator, é uma comunicação só eu e ele, para desarmar, do tipo: ‘aqui está over, aqui faz um pouco assim’. E nesta configuração, com todos os ensaios online, não dá pra fazer desta forma, provocar assim de imediato, mas buscamos outros caminhos”, conta. “Também teve um episódio que dei bronca no ator que estava atrasado para o ensaio, mas na verdade ele já estava online, com a câmera desligada. Enfim, vamos sentir falta de fazer a oração do teatro antes de entrar em cena, segurando as mãos uns dos outros. Ou ainda da conversa da coxia sobre o andamento do espetáculo. É um mergulho cego, mas vamos dar um jeito de seguramos uns aos outros, mesmo à distância. Na peça, tem um momento que um personagem diz para o outro: ‘O teatro nunca vai acabar porque é o momento que nos olhamos nos olhos’. Esse é o papel da arte: dar um espelho para a humanidade, um reflexo para o outro, para o bem e o mal. Vai te mostrar quem você é. O papel do artista não é resolver, é mostrar. E cada um vai saber o que fazer. Damos o espelho para a sociedade, somos antenas, estamos no olho do furacão. Na verdade, a humanidade em 2020 vai entrar para os livros de história e estamos todos neste ‘olho’. Mas os artistas são arautos dos tempos”.

“A humanidade em 2020 vai entrar para os livros de história e estamos todos neste ‘olho’. Mas os artistas são arautos dos tempos” (Reprodução)