*por Vítor Antunes
A primeira imagem que muito do público tem de Miá Mello é da época em que ela começou no programa “Legendários”, apresentado por Marcos Mion, na Record dos Anos 2000. Hoje, ela é um nome consolidado no humor, um talento da nova geração de atrizes comediantes. Reflete tanto o avanço quanto os desafios contínuos para as mulheres no gênero, sufocado pelos homens. “Acho que tem havido grandes avanços, mas ainda tem um resquício de tudo que a gente viveu e ainda persiste”, ou seja, ela reconhece o progresso conquistado pelas mulheres, que agora têm maior visibilidade e ocupam papéis de destaque, fazendo “coisas incríveis, hilárias”. No entanto, ela também ressalta que o espaço para a mulher no humor ainda não é natural ou garantido, sendo necessário, segundo ela, “lutar para estar”, o que indica que a inclusão feminina no mercado humorístico não ocorre de maneira fluida, sem resistência ou estereotipação. Para a atriz, “quando se tem que lutar é porque a coisa não está acontecendo de forma natural”. Miá enfatiza a importância de se alcançar uma realidade onde a presença feminina seja reconhecida sem precisar de constantes esforços para legitimar seu espaço. Isso demonstra que, apesar de avanços, o humor continua sendo um ambiente onde a luta por igualdade e respeito é uma constante.
Miá reforça que “ainda é necessário percorrer caminhos e lutar por igualdade e respeito no mercado de trabalho”, apontando que, embora o cenário tenha melhorado, a estrutura ainda exige enfrentamento e transformação, tanto em termos de oportunidades quanto no modo como as mulheres são percebidas e aceitas na comédia. O humor, historicamente dominado por homens, ainda carrega esses resquícios que limitam o potencial das mulheres a estereótipos ou papéis superficiais.
A atriz também está em uma fase de expansão artística, explorando novos gêneros além do humor. Em seus novos trabalhos, ela transita pelo drama, como no filme “De Pai Pra Filho“, onde contracena com Marco Ricca e Juan Paiva, e no streaming, com “O Som e a Sílaba”, da Disney. “A minha vontade é que possa explorar todos os gêneros. Eu nunca fui uma pessoa que gostei só de ficar em um, e amo humor. Inclusive acho que ele é uma das ferramentas mais democráticas para se passar a arte adiante, passar mensagens de uma forma super palatável, divertida, interessante, e acho que fazer humor é uma coisa muito complexa”.
Além dessas incursões, Miá continua atuando no humor, agora também como apresentadora no canal Discovery Home & Health, no qual faz reações ao spin-off de “90 dias para casar”, reality show sobre casais que tentam resolver a burocracia para casar nos Estados Unidos. Sobre esse projeto, ela comenta: “Desde o ano passado a Discovery me chamou para fazer o react desse reality. Geralmente o ‘90 Dias na Cama’ é comandado por ex-participantes, e no Brasil, eles convidaram a mim e ao Leandro Ramos, uma parceria maravilhosa demais”.
No drama “De Pai Pra Filho“, Miá foi chamada para interpretar a personagem Dina após o autor, Paulo Halm vê-la no teatro. Já em “O Som e a Sílaba“, ela encarna uma personagem bastante diferente de seus trabalhos anteriores. “É uma mulher dura, que não tem uma boa relação com a cunhada autista, vivida por Alessandra Maestrini, e quem ela não quer que fique em sua casa. Tanto que é extremamente grosseira com ela. Elas brigam muito e o tempo inteiro, criando embates e praticamente chegam a sair na mão.”
Segundo artigo de Ben Hur Figueiredo Botelho e Marli M. Moraes da Costa, pubicado pela Revista de Direitos Sociais e Políticas Públicas do Centro Universitário UNIFAFIBE, de Bebedouro (SP), publicado em 2023, “o nascimento de uma criança com algum tipo de deficiência intelectual confronta todas as expetativas dos pais, (…) que devem passar por um processo de reorganização e superação até instituir um ambiente propício para a inclusão dessa criança. Esse processo de adaptação pode durar meses ou anos, além de mudar o estilo de vida da família, seus valores e papéis. Neste contexto, a forma como cada família supera uma crise depende de seus recursos biopsíquicos”, ou seja, em boa parte das casas com pessoas atípicas, há uma situação complexa de acolhimento em razão, justamente, da condição delas.
VIVA MARÍLIA
Miá, na verdade é Marília. Seu nome de batismo é uma espécie de “nome privisório”: “Nasci de sete meses, fiquei internada quase um mês e depois foi super difícil os primeiros dias de vida. Quando eu voltei, meu pai queria um nome, minha mãe queria outro. Resumindo: colocaram Marília só para que, caso eu morresse, tivesse um nome. Enfim, sobrevivi deu tudo certo. Quando eu cheguei em casa, minha irmã falou ‘A Miá chegou’. E então eu virei Miá. Eu eu acho Marília um nome tão bonito que eu pensei que deveria tê-lo usado como nome artístico”.
No inicio dos Anos 1970, quando a Globo ainda era uma emissora em busca da liderança, produzia programas especiais tendo como líder a atriz Marília Pêra (1943-2015). O nome de um dos programas era justamente este: Viva Marília. Por ser uma atriz múltipla e de várias plataformas, Miá Melo – tão Marília quanto a Pêra – torna-se alguém especial. Ficou famosa sem ao menos ter feito uma novela sequer, inclusive. Sobre sua ausência nos folhetins, ela diz não ter nenhuma resposta concreta para dar sobre isso, mas que era da sua vontade fazer uma. “Acho muito legal e que eu faria bem. Inclusive, quanto mais easy-going você, é melhor você se dá numa obra tão longa. A convivência de um ano e meio num mesmo projeto com as mesmas pessoas e numa obra aberta que todo mundo opina, não deve ser fácil. É um formato de trabalho que deve ter suas dores e delícias como todo outro”.
A Globo ainda tem um papel muito forte de formação de público no Brasil. Sou do tipo que acha o streaming, as plataformas, super importantes, inclusive para a possibilidade de outros trabalhos. Acredito demais na força da Globo, na potência que a TV aberta tem e na projeção que a novela dá – Miá Mello
Atriz de parcerias consolidadadas, Miá tem três amigos que estão ao seu lado a todo momento profisional: Marcos Mion, Fábio Porchat e Pablo Sanábio. “Tenho uma relação de trabalho muito intensa com o Fábio. A gente fez três trabalhos seguidos juntos que foi a série, a peça e o filme do “Meu Passado Me Condena” e nos damos muito bem. Aprendo muito com ele. Já com o Mion a gente se deu bem desde o primeiro contato, além de termos tido vivências próximas. Nos divertimos muito sempre e sou muito grata à oportunidade que ele me deu em ter feito o “Legendários”. Sanábio é outro, que amo por que ele teve a ideia do “Mãe Fora da Caixa“. Por causa dele comprei o livro e a começamos juntos a colocar o projeto em pé. É é um cara que me joga muito para cima, tem boas ideias, que eu admiro demais”.
VERSÁTIL
Miá está em cartaz até o dia 17/11, no Teatro Multiplan, em São Paulo, debatendo a maternidade com humor mas também com um providencial recorte sobre a perspectiva da mulher e da maternidade com “Mãe fora da caixa”, um monólogo bem sucedido realizado por ela. A peça vinha numa trajetória ascendente, foi interrompida pela pandemia e agora retorma de novo uma trajetória positiva. “A minha última foto antes de deixar tudo na pandemia éramos eu e a autora do livro que baseou o espetáculo, a Thaís Villarinho segurando um cartaz onde se podia ler ‘sessão esgotada’. Na nossa reestreia, em agosto, também contatos com casa cheia”. Em breve o “Mãe fora da caixa“, vai ser transformado em filme de longa-metragem e no qual Miá estará, também, colaborando no roteiro.
Uma das diretrizes da peça é justamente retratar o peso desigual do papel da mulher na relação parental e da maternidade real, para além da idealização. “Já se fala sobre maternidade real e sobre a responsabilidade do homem. Há muito já dito, muito já falado, mas não é uma coisa conquistada. Parece que [os homens] estão no campo do ‘ah, tá. entendi’, o que já é um passo, mas falta muito para que mentalidade mude. Creio que é necessário um exercício de mudança para a sobrecarga materna acabar ou diminuir. E sempre ao fim da peça, bato um papo com a plateia e com isso ganho ouro. Há histórias hilárias, emocionantes, mas há também aquelas mulheres que elogiam seus maridos quando eles cumprem o elementar da paternalidade, como trocar as fraldas da criança – o que esperam ser o mínimo que nós, mulheres, façamos. Inclusive, é importante lembrar que muitas crianças no Brasil não tem registro do pai na certidão de nascimento”. Segundo dados levantados pelo portal R7 com o Portal da Transparência do Registro Civil, o Brasil registrou mais de 172 mil certidões de nascimento sem o nome do pai em 2023. A série histórica aponta para um aumento de 24,5% da ausência paterna nos últimos sete anos.
Eu ainda acho que sou uma pessoa que fica com a sobrecarga. Ao mesmo tempo em que concedo esta entrevista, penso se o uniforme da criança está lavado, se a mochila está preparada, fico repassando as coisas na minha cabeça e isso é muito cansativo. Muitas coisas do plano feminino caem no estereótipo da histeria, do “ela está nervosa”, enquanto um turbilhão de outras coisas acontece. Há de se ter uma empatia muito grande para entender o tudo que a gente tá passando – Miá Mello
Miá Mello relembra com carinho e orgulho seu papel como Teena no programa Legendários, da Record, que foi um marco em sua carreira. Sobre essa experiência, ela comenta: “Tenho a Teena num lugar de muita estima. Tenho muito orgulho desse trabalho. A Teena tinha uma personalidade própria. Eu vivia a Teena como se ela fosse aquela entrevistadora maluca, valorizava sua sagacidade”.
Essa personagem foi um dos primeiros grandes sucessos de Miá na televisão, e ela destaca como conseguiu aproveitá-lo ao máximo, mesmo sendo seu primeiro trabalho nesse meio: “Que bom que eu soube aproveitar mesmo sendo meu primeiro trabalho na televisão porque é uma coisa que não acho que nunca mais vai viver na minha vida.”. Miá também reconhece a contribuição de Marcos Mion, o apresentador do Legendários, que trouxe uma parte do espírito inovador da MTV para dentro da Record. Isso foi essencial para o tom irreverente do programa e a construção do sucesso da personagem.
Ela ainda recorda o sucesso inesperado do bordão do “ombrinho whatever“, que ganhou notoriedade fora da televisão: “Era uma bobagem que surgiu e que o Neymar acabou replicando após fazer um gol, sendo que a Teena era fascinada pelo jogador Kaká. E ele também acabou fazendo.” Esse gesto simples se tornou viral, algo significativo para a época, já que em 2010 as redes sociais não tinham a força de hoje. Miá comenta sobre a alegria de ver a popularidade da personagem e o temor pela exaustão: “Fiquei muito feliz com o resultado, ainda que tenha percebido que a TV fez o máximo para sugar até o fim do bordão. Decidimos, então, propor outros conteúdos para que o ‘ombrinho’ não fosse desgastado, e deu certo.” Ela finaliza reconhecendo as dificuldades em ter essa autonomia na televisão: “Mas é muito difícil ter essa autonomia na TV.”
Miá Mello, com seu humor afiado e profundo, transita por cenários e sentimentos que tocam no cerne da vida cotidiana, revelando a complexidade da mulher, da mãe e da artista. Num mundo onde o riso é uma arma poderosa, a comédia também é um ato de resistência. Miá não apenas provoca risadas, mas lança luz sobre questões urgentes. Ela é, como poucas, a voz da comédia que se entrelaça com a poesia das emoções, tornando-se uma referência não só na arte, mas no constante movimento por um mundo mais justo.
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