*por Vítor Antunes
No tempo em que a cantora Elis Regina (1945-1982) surgiu na cena musical, não havia reality show. Havia, no máximo, o Festival da Canção. Hoje, os festivais para premiar os novos talentos deram vez aos realities – que em seu turno já não tem mais tanto apelo popular. Lílian Menezes vive Elis Regina no espetáculo “Elis – A Musical”, que traz, tanto ela como Laila Garin como protagonistas. Lílian também já esteve no The Voice, que há até pouco tempo era exibido pela Globo. Sua participação na atração musical, inclusive, serviu como aprendizado, mas não foi algo definitivo na vida da artista. “Eu já tinha feito muitos trabalhos na televisão. Não tinha aquela fantasia de aparecer na TV e tornar-me famosa por isso. O The Voice foi uma oportunidade de ter um carimbinho no portfólio e não vi nele uma forma de alavancar a minha carreira como cantora, mas como uma vitrine, uma oportunidade”. Lílian não participou do processo seletivo, entrou por convite e foi aprovada nos testes subsequentes.
Segundo Lílian, participar do “The Voice” foi uma dupla experiência.:”A primeira delas é estar diante das pessoas que também estavam ali em busca de um lugar ao sol. Então foi muito bacana, também me reconectar com o meu próprio sonho ao ver as pessoas que desejaram muito estar naquele lugar. E foi bom para eu perceber que eu não sou uma pessoa para esse tipo de competição. O programa tem muita gente boa, talentosa e eu achava até injusta a competição em si, em razão de serem cantores de estilos diferentes. Por fim, o gosto de quem assiste influencia muito”.
Sair do programa foi algo libertador para mim. Fiquei muito muito feliz, falei ‘que bom agora posso seguir adiante com a minha vida”. O pós The Voice confesso que, justamente por eu não ser uma pessoa muito ativa nas redes sociais, foi só mais um dia como outro qualquer. Honestamente, às vezes eu até esqueço. Não foi uma passagem marcante da minha vida – Lílian Menezes
Para Lílian Menezes o atual cenário artístico, especialmente entre os jovens, é diverso. Há os que, efetivamente, querem ser artistas e aqueles que, a contrário, estão pensando mais na repercussão: “Há uma galera que se forma em escola de teatro e que, por conta da grade curricular, tem um pouco mais de instrução nesse sentido da historiografia teatral. Portanto, se aprofunda mais em textos, conhece autores, a história do teatro, têm mais repertório. Por outro lado, há os que estão a fim do oba-oba e que acham que ser artista é fazer um videozinho para a internet e que isso, de alguma maneira, vai trazer algum retorno. Eu acho que a gente caminha entre esses dois momentos”.
UM OLHAR BRASILEIRO DE LGBTUDO
Ao viver Elis no musical que homenageia a cantora, Lílian está inserida em um novo contexto na cena teatral. Fase em que o próprio Brasil está se pondo a ter uma linguagem neste segmento. “Elis é um espetáculo que é um marco na história, especialmente por ser 100% nacional, construído muito em cima das ferramentas dos atores e que propõe um novo olhar para o teatro musical brasileiro”. Mas ela pondera: “Há de se levar em conta que o teatro musical ainda é muito inspirado nas escolas da Broadway e, nessa coisa de ser um bom cantor, ser um bom dançarino, acaba havendo um desprivilégio à atuação que resulta em personagens sem tanto aprofundamento. Hoje temos escolas de formação de Teatro Musical aqui no Brasil, onde há um foco no canto maior que na interpretação, na atuação, fazendo com que haja um pouquinho de defasagem nesse quesito da arte cênica, no estudo dramático mesmo”.
Vim de uma geração que valorizava a companhia de teatro, o grupo, que carregava cenário, fazia luz, som e isso hoje parece difícil de acontecer. Sinto um pouco essa defasagem quando vejo que há pessoas mais jovens que, após os ensaio, ficam do lado de fora e batendo papo – Lílian Menezes
A atriz compartilha suas reflexões sobre a liberdade de expressão na comunidade LGBT e a importância do apoio familiar. Segundo ela, este é o momento em que as pessoas podem se manifestar abertamente sobre sua sexualidade: “Eu fico muito feliz. Acho importante poder ser livre para falar sobre homossexualidade”. Lílian destaca o orgulho que sente ao ver seu filho com o namorado, afirmando que seu genro é “um cara incrível”. Para ela, a criação de um ambiente seguro para ser autêntico é crucial: “A gente poder estar num ambiente seguro para ser quem a gente é, sem se preocupar com como vai ser visto ou se isso, de alguma maneira, vai afetar ou não na sua profissão, no seu trabalho”. Ela acresceenta que sua felicidade é ainda maior ao ver amigos da comunidade LGBT se manifestando: “Sou muito feliz de fazer parte dessa bolha, da Comunidade LGBT como aliada”.
Em outra oportunidade, Lílian fala sobre a influência de Elis Regina em sua vida e carreira. Ela identificou “O Bêbado e a Equilibrista” como a música que mais a define: “Por conta dos contextos sociais e que foi o hino da Anistia”. A atriz relaciona a canção aos desafios sociais contemporâneos, mencionando a violência e a opressão que ainda persistem: “Muita violência policial, muita tortura – que ainda acontece nas periferias com o povo preto que sofre muito”. Lílian também expressa sua conexão emocional com “Aos Nossos Filhos“, dizendo que “é uma pérola também. Uma música que toca no meu útero”. Ao refletir sobre o legado de Elis, comentou sobre o papel político da artista: “Era uma pessoa muito engajada, que militava pelos artistas e como cidadã.” Para Lílian, a coragem da cantora falecida em 1982 em se posicionar é um exemplo a ser seguido: “Creio que a gente tem que se manter firme com as nossas convicções, e nisso me alinho à Elis. Assim como ela, não tenho medo de me posicionar”.
Assim como Elis Regina, cuja voz ecoou por gerações em meio aos desafios e transformações de sua época, Lílian Menezes trilha seu próprio caminho, sem medo de se reinventar e de se reconectar com suas raízes e convicções. Num tempo em que o palco se desdobra entre o teatro tradicional e as vitrines virtuais, Lílian nos lembra que ser artista é mais do que seguir tendências ou alcançar a fama instantânea – é manter viva a essência, a verdade, e a arte como um reflexo do mundo e das lutas que nele persistem. É como o bêbado e a equilibrista: andar na corda bamba entre o sonho e a realidade, sabendo que o verdadeiro equilíbrio está em se manter fiel a si mesmo, mesmo quando a balança do sucesso pende para outros lados. Que essa coragem continue a inspirar novos artistas e a reverberar nas cenas do nosso Brasil, tal como a voz de Elis, eterna em nossa memória.
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