*Por Vítor Antunes
“A notável capacidade do ser humano em se reinventar“. Sob este mote foi montado o espetáculo teatral “Judy: O Arco-Íris é aqui“. A atriz Luciana Braga juntou-se a Flavio Marinho, ambos arregaçaram as mangas, calçaram os “sapatinhos vermelhos”, e debruçaram-se na biografia de Judy Garland (1922-1969), protagonista de “O Mágico de Oz” e atriz multifacetada, que completaria 100 anos no mês de junho. O espetáculo contou com a aprovação da cantora e atriz Liza Minnelli, filha de Judy Garland. Além de “Judy”, Luciana comemora seus 60 anos em grande estilo: a atriz retorna ao streaming na segunda temporada da série “De Volta aos 15”. Protagonizada por Maísa Silva e Camila Queiroz, a série deve retomar as gravações agora em agosto.
Como se não bastasse o sucesso nacional, a peça contou com a bênção e a aprovação de Liza, que gostou em ver a mãe retratada em sua forma mais amigável – Luciana Braga, atriz
Luciana comenta que todo o processo de montagem da peça foi feito durante a pandemia, até que houve a realização de uma leitura do roteiro prévio em 2021 e tanto ela como Marinho perceberam que o projeto tinha possibilidades de uma montagem bem-sucedida, em razão de os espectadores haverem se sensibilizado com a proposta. Ambos constataram que Judy faria 100 anos em 2022 avançaram com o projeto, que hoje está em cartaz: “A peça tem tido uma repercussão muito positiva, as pessoas saem muito tocadas. E se deve ao texto sensível e inteligente do Flávio Marinho, que tirou da Judy Garland essa atmosfera icônica, da diva intocada e a humanizou, trazendo-a para ali pertinho da gente, entendendo os altos e baixos da sua vida. Judy costuma ser retratada muito em seu recorte final da vida dela, que, de fato foi muito trágico” – Garland teve uma morte precoce em face de haver tido uma overdose acidental de barbitúricos. Em decorrência das pressões que sofria dos estúdios e por problemas conjugais, a atriz desenvolveu crises de pânico, depressão e ansiedade. Além da dependência em medicamentos, viciou-se em bebidas e em cigarros.
Luciana nos diz que a filha da atriz, Liza Minelli, deu algumas entrevistas dizendo que se entristece com as representações que apresentam sua mãe como uma pessoa dependente de drogas, quando, na verdade, Garland era uma mulher solar, alegre. Alegria que, segundo Braga, a direção de Flávio Marinho consegue trazer à personagem. Como se não bastasse o sucesso nacional, a peça contou com a bênção e a aprovação de Liza, que gostou em ver a mãe retratada em sua forma mais amigável: “O espetáculo tem uma mensagem de fibra muito forte. Flávio tem uma capacidade de fazer humor, colocar afeto e emoção em seus trabalhos que é uma coisa muito linda. Nós temos uma parceria antiga que é muito linda”, elogia.
Quanto à montagem teatral sobre Judy Garland, como se não bastassem os sucessos profissionais e o êxito no imorredouro sucesso do filme de 1939, um dos primeiros longas coloridos do cinema americano, Garland ainda é mãe de Liza Minelli. O turbilhão de referências, naturalmente, preocupou Luciana Braga: “Quando eu e Flávio Marinho começamos a pensar em fazer a “Judy”, eu fui muito reticente. Trata-se de uma personagem que representa uma personalidade icônica, eu fiquei muito temerosa em retratar o seu talento extraordinário tanto na música como atuando como atriz, mas o Flávio acabou me convencendo a fazer, trazendo elementos de minha vida à biografia da homenageada”. Em razão deste trabalho, Braga foi indicada ao Prêmio Cesgranrio de Melhor Atriz, o que a surpreendeu: “Eu nunca imaginei isso. Cheguei insegura de estar fazendo este musical, não apenas em razão do gênero mas por estar encabeçando um musical solo, onde o trabalho é gigante, especialmente devido ao fato e tratar-se de uma produção feita na coragem, sem patrocínio nenhum”.
Em 2022, a protagonista da montagem teatral completa 60 anos. Para ela a personagem é um presente no momento em que se torna sexagenária: “Eu me dei esse presente, esse desafio. Estou muito plena, muito feliz. É o meu presente mas eu quero que seja o meu futuro. Quero levar essa peça para longe, viajar pelo Brasil. Estou me sentindo muito livre capaz, cheia de energia”.
A atriz relata que no início de sua carreira um diretor de TV pediu que ela mentisse a idade, dizendo ser mais nova, pois que aparentava ter muito menos que a sua real e ela se negou a fazê-lo “Eu gosto de ter a idade que eu tenho. E, com franqueza, quando eu tinha 20, 30 anos eu tinha um problema com a minha idade às avessas. Todo mundo achava que eu parecia uma adolescente, mas hoje em dia, com essa juventude toda pulsando em mim (e aparentando ser mais jovem) eu me sinto muito feliz comigo. Se quiserem achar que eu estou uma velhinha, que achem. Se foi problema no passado aqui não vai ser não”.
É claro que é mais gostoso aparentar ter menos idade agora do que quando eu tinha 20 anos, e não sejamos hipócritas, a gente vive numa sociedade que é preconceituosa. Talvez eu seja muito mais feliz hoje do que em muitas outras épocas da minha vida”. – Luciana Braga
Quanto a “De Volta aos 15“, da Netflix, o ponto curioso se dá pelo fato de a atriz ser a única a estar presente nas duas temporadas, já que o elenco foi todo substituído. Na segunda fase do projeto, a personagem Anita, a protagonista, terá 30 anos, razão que justifica a mudança de atores. Porém, a mãe de moça, vivida por Luciana, se mantém: “Para mim vai ser um exercício interessante esse de fazer uma mãe de 40 e poucos anos com uma filha adolescente, e depois, com 60, tendo uma filha adulta. E já passei por essas duas fases. Sei como é ser mãe de uma adolescente e de uma mulher, por que eu já vivi essas duas fases. É uma delícia estar no meio dessa galera eu aprendo muito com esses jovens. É uma coisa que me ajuda a ficar jovem também”.
FILHA DE ROBERTO CARLOS? FILHA DA SONIA BRAGA?
Nos primeiros anos de sua carreira, ainda pouco conhecida, Luciana Braga, era associada à Sonia Braga. Diante de várias atribuições familiares possíveis – já foi dito que eram mãe e filha, além de sobrinhas – Luciana divertiu-se revelando qual o grau de parentesco entre ela e o de Sonia Braga: Nenhum. “Eu não sou parente da Sonia, mas na novela Tieta, o autor, Aguinaldo Silva, como forma de homenageá-la fez a releitura da clássica cena da pipa, colocando a minha personagem, Imaculada, no alto de um telhado para pegar o brinquedo. A Imaculada relembrava muito a Gabriela – personagem da Sonia na novela homônima de 1975 – por que ambas eram muito brejeiras, tinham aquele cabelão, aquela morenice, mas era apenas isso”.
Luciana prossegue dizendo que a lenda do tal parentesco com Sonia Braga gerou cenas hilárias. Primeiro por que sua mãe, Dona Ada, era muito coruja. A ponto de andar com a fotografia da filha na carteira e mostrá-la a todas as pessoas. A outra, por que a matriarca discutiu com uma caixa de supermercado que dizia que a filha dela, Ada, era, na verdade, filha de Sonia Braga. Como se não bastassem as coincidências, a filha do cantor Roberto Carlos também chama Luciana Braga. Havia, também, quem dissesse que a moça era filha do cantor. Não obstante, o pai dela também chama Roberto. E não era o cantor famoso.
TIETA: O SUCESSO ABSOLUTO DE UMA DOCE REBELDE
Exibida entre 1989 e 1990, Tieta foi novela definitiva na carreira de todo o seu elenco. A obra de Aguinaldo Silva, Ana Maria Moretzsohn e Ricardo Linhares foi sucesso absoluto quando de sua exibição, e não ficou restrita a esta fase. Teve índices muito satisfatórios quando de sua reexibição em 1994, no Vale a Pena Ver de Novo, o que lhe valeu o relançamento de sua trilha sonora, além de uma audiência histórica tanto em sua exibição no canal Viva como na plataforma de streaming Globoplay, quando ficou por semanas figurando entre os produtos mais assistidos. O incontestável sucesso da novela alçou Luciana Braga ao status de estrela, a ponto de haver sido premiada como Atriz Revelação do ano, por conta de Maria Imaculada, menina pobre e virgem que nega submeter sua pureza ao corruptor de menores Artur da Tapitanga (Ary Fontoura). O escandaloso sucesso, de alguma maneira até mesmo desmedido, chegou à atriz de uma forma um tanto perturbadora:
Naquela época não podia sair na rua era uma coisa meio perturbadora, à medida em que eu não dimensionava a grandiosidade do sucesso. Cheguei a temer que aquilo fosse limitar a minha relação com o mundo. O sucesso é maravilhoso, mas assoberbante – Luciana Braga
Por outro lado, o que era comum às meninas atrizes daquela época, ocorria a hiperssexualização de seus corpos, de modo que manchetes que traduziam a moça como uma “ninfeta” não eram incomuns. A leitura desse termo, um tanto problematizada nos dias contemporâneos, parecia trazer um particular desconforto à atriz “Eu sempre aparentei ter menos idade. Quando fiz a Imaculada eu tinha 26 anos e era vista como uma adolescente de 15 ou 16 por que esta era a idade da personagem. O que me incomodava era o fato de confundirem a personagem comigo, já que eu queria ser vista como uma mulher da minha idade e não como uma menina. Um gap de 10 anos me separava da Imaculada”.
Braga salienta o prazer que foi gravar a novela protagonizada por Betty Faria e dividir a cena com craques. Dentre os quais destaca a generosidade de Ary Fontoura, com quem compartilhava a maior parte das cenas. Ela diz: “Eu estava chegando na teledramaturgia e a gente sabe que há sempre muita competitividade, especialmente naquela época, e ele abria a cena para mim, para que eu pudesse me expressar”. Luciana atribui um aumento do número de seus seguidores à adição de Tieta no Globoplay. E chama sua atenção o fato de muitas pessoas ainda parabenizarem-na por um trabalho que foi concluído há 32 anos.
A seu ver, a contundência maior de Imaculada é justamente a sua força: “Ela é uma garota muito forte, que sobrevive através da própria força. Embora sonhe com um príncipe encantado, é uma adolescente que consegue se salvar sozinha. Eu deitei e rolei nesta personagem, que é uma das coisas que mais gostei de fazer em televisão”.
AS RECORRENTES ADAPTAÇÕES LITERÁRIAS E UM FRACASSO HOMÉRICO
“Olho por Olho” foi uma novela exibida na TV Manchete em 1988. A equipe era quase a mesma da aclamadíssima “Corpo Santo”, do ano anterior, o autor José Louzeiro (1932-2017), recebeu o prêmio APCA por Melhor Novela de 1987, o gênero novela-reportagem era tido como revolucionário e moderníssimo. Porém, todas as expectativas foram por água abaixo. “Olho” passou por toda a sorte de azares e deu muito errado. Desde todo tipo de censura – interna e externa – além dos boicotes diversos, um fato parece ter sido preponderante para seu insucesso: a vanguarda em trazer uma mulher trans como protagonista, a atriz Claudia Celeste (1952-2018). Dentre tantos, a novela poderia contar num Top 3 às avessas dos grandes fracassos da Manchete, junto com “Brida” (1998) e “Amazônia” (1991).
Sob a ótica da intérprete de Lana, a novela foi importantíssima em sua carreira em razão de ser “o meu grande fracasso. A beleza do fracasso está na experimentação. A novela chegava a dar traço no Ibope, então a nossa audiência era, tipo, ninguém. Como ‘não éramos vistos’, eu experimentava expressões, jeitos de fazer a personagem, eu me dava uma liberdade enorme por estar descomprometida de resultado que acabei usando isso como para crescer, para estudar. Eu fazia loucuras com as câmeras, ia e assistia ao capítulo, vendo o que servia ou não. Em vez de eu entrar na espiral de desespero ou tristeza eu aproveitei para me trabalhar. Eu achava uma novela muito interessante, embora à frente do seu tempo. Havia um problema ali dentro da casa, um problema político, sobre como leva-la até o fim, em razão de ela não ter chegado bem nas pessoas”.
Eu já passei por outras novelas que não agradaram, mas nenhuma chegou a ser um fracasso tão retumbante como essa – Luciana Braga, sobre “Olho por Olho”.
Ainda na TV Manchete coube a ela viver duas personagens literárias simbólicas: A “Helena”, de Machado de Assis (1839-1908), personagem título da novela homônima, escrita por Mário Prata, e “Cinderela”, de Charles Perrault (1628-1703), que também tornou-se um ícone da literatura infanto-juvenil. Nesta última, não tratou-se de uma novela, mas de um filme para televisão, exibido pela extinta TV, que depois seria comercializado em fitas VHS. Um conteúdo raríssimo, que, sobretudo, marca a estreia de Luciana na televisão, ainda antes do que se considera a sua primeira passagem no veículo, na novela Sinhá Moça: “Trata-se da minha primeira experiência de câmera, meu primeiro projeto para televisão, um musical, a primeira vez que eu cantei na TV. Tive o privilégio de trabalhar com o Grande Otelo (1915-1993) e com a Maria Clara Machado (1921-2001) como atriz”. As poucas cópias em VHS deste projeto custam uma fortuna na Internet e Luciana tem apenas uma cópia, feita de uma gravação direta da TV quando da sua exibição original, em 1986, na televisão.
“Helena”, sua primeira protagonista, veio de uma aposta de José Wilker (1944-2014), que, segundo ela, deu-lhe o mais bonito conselho da carreira. Diante das incertezas de fazer uma personagem desse quilate, o ator disse:
Enquanto você duvidar sobre ser capaz de fazer um papel, isso vai fazer de você uma ótima atriz. No dia que você tiver certeza sobre um papel, pode ser que você não seja mais tão boa atriz – José Wilker (1944-2014)
Segundo Luciana, as palavras de Wilker foram sábias por que ele soube “valorizar a minha insegurança e fez uma jóia que levo comigo. De tanto eu confiar nele acabei confiando em mim também”. Coincidentemente, os maiores sucessos da carreira da atriz são adaptações literárias: – Sinhá Moça, Cinderela, Helena, Poder Paralelo e Tieta – Isso sem contar as adaptações bíblicas da Record. Quase todas em emissoras diferentes. Em “Éramos Seis”, exibida pelo SBT em 1994 e pela Globo em 2019, e igualmente uma adaptação, Braga viveu uma experiência singular: Viveu Isabel, na primeira versão, e Zulmira, sua rival, na segunda. Ela diz ter sido “Um presentão que a Globo me deu me permitindo ser, praticamente, rival de mim mesma”. Na versão da Globo, a personagem equivalente a de Luciana em 1994 foi vivida pela atriz Giulia Buscacio. Segundo a atriz, flagrar-se frente ao papel vivido por ela própria na juventude a fez ter consciência do tempo:
Há beleza no tempo. Temos que parar de pensar no tempo como inimigo. Há uma beleza gigante nisso tudo – Luciana Braga
FAMÍLIA E HISTÓRIAS
Luciana Braga tem duas filhas, Laura e Isabel. Esta última decidiu seguir a mesma carreira da mãe e hoje é aluna da CAL, e conta com o total apoio da mãe, que começou na carreira ainda muito jovem: “Eu acho que ela tem que experimentar, deve fazer mesmo as próprias vontades. Ela sempre apresentou um prazer de estar junto comigo, ia ver meus espetáculos várias vezes, gostava de ficar na coxia, de ir aos ensaios… Quando eu perguntava se ela queria seguir na carreira ela dizia que não. A Isabel, quando descobriu que essa era a praia dela, passou a percorrer seu próprio caminho. Sou muito orgulhosa das minha filhas. Falo muito delas na peça, inclusive. Acho-as pessoas bacanérrimas”, exalta.
“Se um dia você imaginou a cara da sua Helena, Machado, você imaginou a Luciana Braga”. Disse o escritor Mario Prata, numa crônica que escrevera à Revista Manchete quando adaptava o famoso romance de Machado de Assis. Maria Imaculada, o maior sucesso da atriz na TV, era uma autora de fábulas fantasiosas, de príncipes e princesas. Sua intérprete diz que se ela, Luciana, fosse o tema de um de seus livros, Imaculada a retrataria com “um olhar afetivo para a minha trajetória, para a minha caminhada. Acho que eu e Imaculada estamos nesta estrada de mãos dadas”. Além do arco-íris, na estrada, na história. Real, pois que a vida é indelével, mas projetada. Com a cara de Helena – talvez imaginada por Machado – com a voz de Cinderela, e tal como elas, dona da própria história. E como toda protagonista que tem consciência da própria importância na narrativa, heroína.
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