*Por Brunna Condini
Vera Holtz mantém sua criança viva. Aos 69 anos, a atriz conta que ser curiosa é parte de uma natureza que a alimenta. Nesta entrevista, ela fala sobre a volta aos palcos, as escolhas em tempos tão extremados e reflete a respeito do amadurecimento. “Ninguém tira de mim a liberdade, o conhecimento que adquiri ao longo dos anos, a compaixão que sinto e a generosidade. E também a minha fome (risos). Adoro doce. São os erês que me habitam. Não perco essa capacidade de me surpreender com a vida, esse olhar da Verinha que veio de Tatuí permanece”, diz, referindo-se à sua cidade natal, no interior paulista. Em cena com o monólogo ‘Ficções’, escrito e dirigido por Rodrigo Portella – inspirado no livro ‘Sapiens – uma breve história da humanidade’, do professor e filósofo Yuval Noah Harari – a encenação fala sobre a capacidade do ser humano de criar coletivamente, acreditar nas coisas que não existem e se associar através de crenças. “A ficção é nossa realidade, e se tudo é ficção, podemos mudar, fazer novos acordos”, diz Vera, sobre o espetáculo em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, até 30 de outubro.
Como artista já sou posicionada, minhas fotos já são reflexivas – Vera Holtz, atriz
Presente em 55 peças, 28 filmes e 40 produções na TV ao longo de 47 anos de carreira, a artista avalia: “Fiz o que eu queria em todas as fases da minha vida. Não sei o que são arrependimentos, não sinto isso. Acho que o melhor de envelhecer é que os sentimentos ficam mais presentes e os sentidos muito mais aguçados. Acaba a ansiedade, fica muita motivação e pouca expectativa. Só tenho o desejo que o destino me surpreenda até o último ato”.
Vera experimentou um lado mais pop na pandemia com suas postagens no Instagram de fotos performáticas, em tom de manifesto, que lhe renderam a alcunha de ‘Vera Viral’. “Parei um pouco com elas agora, porque estou com a minha criação direcionada mais para o teatro no momento. A Vera Viral é independente, aparece e desaparece a hora que deseja. Vive dentro do smartphone e acabou. Tem uma identidade ‘tatu’, se fecha quando querem tirá-la do ambiente virtual (risos). Andaram mexendo muito com ela e ficou bem fechadona, mas daqui a pouco aparece novamente”, diverte-se.
Não existem as barreiras, as pessoas as inventam para não conversarem, se ouvirem – Vera Holtz, atriz
Para a artista, a internet possibilitou conhecer o outro. Mas não priorizamos mostrar nas redes só o lado bom? “Não tem problema a internet ser inventada, porque tudo é ficção. Eu sou ficção, você é. Se tudo é criação, qual é o problema de criar na internet uma identidade que você acredita, e é responsável por ela? Para que ficar julgando as pessoas? Estou ali na internet recebendo informações, lendo o mundo de alguma forma, através desse comportamento. Sem julgamentos, tendo ‘olhos de bebê’, entende? É nesse sentido que falo”.
Formada em Artes Plásticas, a atriz observa que até então não tinha encontrado um lugar nas artes visuais para a criação, e talvez de forma intuitiva, tenha encontrado nas fotografias um lugar de posicionamento diante do mundo. Talvez por isso, opte por não opinar verbalmente sobre o cenário político extremado do momento. “Como artista já sou posicionada, o mundo é um reflexo de cada um, minhas fotos já são reflexivas. O que proponho é que a gente pense. Acredito que cada um se expressa da melhor maneira que conseguir e suportar”.
O que acha que vai acontecer nesse segundo turno da eleição presidencial? “Não sei. Vamos ter que caminhar em nosso destino, essa eleição é para conhecimento individual. Cada um que conheça-te a ti mesmo neste momento. Quem é quem? Hoje você consegue ler as pessoas, elas não se escondem mais. É difícil para mim seguir nessa narrativa, do ‘nós contra eles’ e ‘eles contra nós’, então quero ler o mundo, entender quem são essas pessoas, entender mais de política no sentido prático da palavra, é um momento de muita consciência. Mas dar minha opinião sobre o que vai acontecer? Seria melhor tirar uma foto (risos)”.
Por outras narrativas
Vera destaca o poder do diálogo mesmo diante de tanta polarização e das barreiras levantadas na comunicação coletiva. “É importante buscar caminhos, acho que está faltando que as pessoas queiram realmente dialogar. Acredito que sempre é possível. Como falamos na peça, tudo é ficção, e se é assim, você pode recriar sua realidade, crenças, outras narrativas, senão continuaremos nesse papo do ‘nós e eles’, nesta tendência que o homo sapiens tem de proteger o seu ‘quintal’, de dividir só com sua tribo, tendo o outro como um desconhecido. Isso é um comportamento primitivo do homem: protege os que julga iguais e o outro é o inimigo. Não existem as barreiras, as pessoas as inventam para não conversarem, se ouvirem. Mas esse é um caminho individual. Tenho muito respeito pelas escolhas individuais”.
Cada um se expressa da melhor maneira que conseguir e suportar – Vera Holtz, atriz
Liberdade e curiosidade
Discreta quanto à sua vida pessoal, Vera fala sobre a opção de não ter filhos e viver para o seu ofício. “A arte e a vida sempre foram uma coisa só para mim”, diz. “Nunca quis ser mãe. Lembro de ser bem pequena, sentada na soleira da porta, dizendo para minha mãe que não esperasse de mim a maternidade. Ela veio de uma família com 14 irmãos e nunca me cobrou isso. Aliás, nunca recebi cobrança dela ou do meu pai para ter filhos, casar. Meus pais criaram os filhos para serem independentes. Acho que a escolha de ter ou não filhos não deve ser um problema para ninguém. Tenho muito respeito pela maternidade, mas não tive vontade dela na minha vida. É preciso talento e vocação”.
E evoca a Vera-menina mais uma vez, para falar da sua natureza: “Acredito que essa sede de experimentar, de olhar o mundo de outra forma, tem a ver com essa busca de outros territórios. Saí de uma cidade menor e fui ampliando a minha leitura do mundo. Estou sempre olhando o que pode estar ‘além de’, ‘atrás de’. Lembro eu criança em Tatuí e ficava olhando quando tinha fog, pensando que tinha muito mais por trás. E aprendi a me deixar um pouco à deriva, flexível aos pequenos acidentes, mas frequentando bastante a minha intuição”.
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