A arte a serviço da arte. Esta é a ideia da peça “Fauna”, em cartaz no Centro Cultural da Justiça Federal, apenas até este domingo, 16. No espetáculo dirigido por Erika Mader e Marcelo Grabowsky, a metalinguagem é a estratégia usada pela autora argentina Romina Paula para contar sobre a vida de uma cineasta e uma atriz que decidem pesquisar sobre o mito de Fauna, uma amazona super culta. Na obra, outras temáticas começam a fazer parte deste contexto, como a condição do feminino e do ser mulher, questões de gênero e sexualidade, a partir dos desdobramentos da trama. Para contar esta história, o elenco tem Erom Cordeiro, Eduardo Moscovis, Kelzy Ecard e a própria Erika Mader.
Sob o comando da autora, Erika Mader conheceu a peça “Fauna” em uma montagem da companhia de Romina Paula, em Buenos Aires, há pouco mais de quatro anos. Segundo a diretora e atriz da versão brasileira, o espetáculo foi recomendação de um amigo que acreditava que Erika se identificaria com a obra. “Eu estava morando na Argentina nesta época e, quando assisti, fiquei apaixonada. Na hora, eu decidi que queria fazer uma montagem e apresentar no Brasil. Aí então, eu comecei a fazer a produção da peça para viabilizar este projeto. Captei recurso, corri atrás de patrocínio, teatro, direitos autorias etc. Quando estava com tudo certo, chamei o Marcelo (Grabowsky) porque também queria estar em cena naquele texto”, lembrou Erika que, depois que nomeou Marcelo à direção, passou a se dedicar somente à atuação. “Depois que ele assumiu, eu fiquei só como a atriz. Eu entro como diretora nas reuniões dando alguns pitacos de qual caminho devemos seguir”, explicou.
Com um texto ambicioso e sutil, “Fauna” cativou Erika desde o primeiro momento. Para a atriz, esta identificação tão instantânea e intensa, que a fez se dedicar ao projeto no Brasil, foi por ter visto o seu ofício ganhando forma e voz em cima de um palco. “Eu adoro o processo de produção de algum trabalho, o fazer artístico e tudo isso. E a peça é exatamente isso. No enredo, as personagens trabalham em cima de uma pesquisa para a realização do filme sobre este mito. Então, há um debate muito intenso sobre como será a abordagem, as pesquisas etc. Fora que, a partir disso, surge também a discussão do feminino. Ou seja, é uma obra que rompe com as expectativas e que, em momento algum quer apresentar respostas. A gente só quer abrir questões e trazer proposições para as pessoas”, contou a atriz que destacou que a peça não define qualquer tese sobre a temática.
Em relação a esses desdobramentos que ganham ainda mais força no panorama contemporâneo, Erika Mader comentou a dificuldade pessoal de falar sobre as multi-habilidades da mulher na sociedade. “Existe um dilema sobre a nossa posição hoje em dia em que temos que desempenhar várias personagens. Na vida real, precisamos ser mães, mulheres, esposas, profissionais, filhas… E eu passo por isso também. Na peça, eu falo de uma mulher que vive essa divisão de funções internas, só que eu também estou vivendo aquilo. Quando eu digo esse texto na boca da minha personagem, estou falando também da Erika. Por isso, eu me escuto muito para aprender sempre mais porque é um texto que vem lá do meu âmago”, contou Erika Mader que se tornou mãe durante a montagem da peça e que, assim como a personagem, precisou se desdobrar em múltiplas funções.
Além desta questão, “Fauna” também trata da liberdade de escolha de cada gênero e das oportunidades diferentes entre homens e mulheres. Na peça, Fauna, personagem estudada, precisa se disfarçar de homem para fazer o que amava: poesia. “A gente não fica em cima de um viés político e não queremos dizer se é certo ou errado. Mas a peça traz a luz uma situação em que uma pessoa precisa se vestir de outro gênero para fazer o que ama sem sofrer preconceito. E aí, criamos um dilema se isso seria covardia ou coragem”, destacou Erika que acrescentou que, durante a peça, diversas situações brincam de achar o feminino e o masculino de cada personagem.
Sendo um texto preocupado em abrir espaço para o debate sobre o feminino e o masculino, “Fauna” é também um espetáculo super inclusivo. Na peça de Erika Mader e elenco, intérpretes de libras garantem cultura aos deficientes auditivos e ingressos populares trazem projetos sociais para o teatro. “Esta já era uma questão negociada desde o começo e que ganhou ainda mais força por causa desta crise cultural que estamos passando. Então, quanto mais gente conseguirmos trazer para uma sala de teatro, melhor será. É triste constatar que as políticas públicas fazem tanta falta e que muitas peças deixam de ser produzidas por falta de incentivo. Por isso, enquanto estivermos em cartaz, vamos honrar para que sejamos expressão artística para cada vez mais pessoas”, destacou Erika, que lamentou a dificuldade de se manter vivo na cena cultural brasileira. “É um processo desgastante. Nesses quatro anos que eu estou dedicada a este projeto, recebi muitos nãos. Não é clichê, mas produzir teatro e até cinema é um ato de resistência muito sério. Nós vamos encerrar nesta semana a nossa temporada e não sabemos como será o futuro. A gente tem a ideia de circular com a peça e temos toda a estrutura já pronta, não podemos deixar que essa chama, que foi um sucesso tão grande, se apague por falta de incentivo”, ressaltou Erika Mader que, apesar da vontade, ainda não possui nada certo para os próximos meses.
Serviço: “Fauna”
Horário: quarta a domingo às 19h
Local: Centro Cultural da Justiça Federal
Endereço: Av. Rio Branco, 241 – Centro
Telefone: (21) 3261-2550
Lotação: 141 lugares
Duração do espetáculo: 80 minutos
Preço: R$40,00
Classificação indicativa: 14 anos
Artigos relacionados