Muita gente jura que já viu fantasmas e no caso do personagem Pasquale não passava de pura ilusão. A peça ‘Estes Fantasmas!’ fala sobre a fuga da realidade do protagonista que prefere acreditar em algo sobrenatural do que se deparar com a dura realidade já que o fantasma em questão é o amante de sua mulher. A peça é mais uma montagem da Trupe Fabulosa que prestigia o universo do italiano Eduardo De Filippo, dirigido pelo diretor Sergio Módena. Em 2013, o grupo produziu o texto ‘A Arte da Comédia’, do mesmo autor, que foi recebida com muito carinho pela crítica. Dessa vez, o protagonista será vivido na pele de Thelmo Fernandes que também participou da outra montagem, chegando a ser indicado ao Prêmio Shell por isso. “Teatro é um mistério, é uma arte maravilhosa e assustadora, porque, às vezes, você acha que as pessoas vão amar, mas acaba não dando certo. Mas o tema da peça tem muito a ver com o Brasil no sentido de que são pessoas que não conseguem encarar a realidade e vivem em uma incrível solidão. O meu personagem vê no sobrenatural uma forma de escapar disso e hoje os nossos ‘fantasmas’ são as redes sociais onde as pessoas se refugiam em um mundo que não existe”, acredita Thelmo. Além dele, o elenco conta com Stella Freitas, Ana Velloso, Gustavo Wabner, Alexandre Lino, Celso André e Rodrigo Salvadoreti.
O espetáculo traz questionamentos muito interessantes para a nossa sociedade atual. A trama se desenvolve dentro de três pilares que compõem a reflexão que o dramaturgo buscava passar. A primeira é a dificuldade de comunicação entre as pessoas que, mesmo em um mundo cada vez mais globalizado, parecem estar mais isoladas. “O meu personagem tem uma enorme dificuldade de comunicação com a mulher. O relacionamento dos dois está em crise e ela não entende como o homem não reage à presença do amante na casa. Tudo isso porque ambos não têm uma conversa sadia ao ponto que ele não comenta que está vendo fantasmas”, explica Thelmo como este elemento está sendo discutido na trama. Outro pilar importante é a falta de solidariedade entre as pessoas daquela época o que também pode ser visto na rotina da nossa sociedade. “Existia uma ideia de cada um por si na época em que o autor escreveu este texto. Os personagens na peça encontram uma saída para as situações aonde podem chegando a roubar, se necessário”, conta o ator. Além disso, mostra a fragilidade do homem que está disposto acreditar naquilo que deseja. “Pasquale não consegue encarar a realidade. Para conseguir enfrentar o momento que está passando, acaba se refugiando no sobrenatural. Ele acha que o fantasma o está ajudando”, explica.
A dificuldade de lidar com o mundo do personagem vivido por Thelmo está diretamente ligada com a época em que Filippo escreveu esta trama. O texto está datado do ano de 1946, logo depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Por isso, o autor elenca suas impressões sobre o pensamento daquela sociedade que viveu um período tão sombrio da história. “As pessoas estavam tendo dificuldade de se entender como cidadão e indivíduo. O autor consegue trazer isto de uma forma bem lúdica trazendo a ideia de uma comédia melodramática”, elenca Thelmo.
Através do personagem Pasquale podemos ver que a fantasia acabou sendo uma maneira que as pessoas da época tiveram para se afastar daquilo que as fazia mal. No entanto, esse distanciamento também permite ao cidadão conseguir enxergar melhor as questões que o envolvem. “A arte é um viés para o público poder se afastar das mazelas e, ao mesmo tempo, ficar atento a elas. O teatro tem o poder de ser entretenimento e uma arma de reflexão. Dessa forma, é um distanciamento sadio trazendo um outro olhar daquela situação”, sugere. Apesar de se tratar de um momento político do passado, este poder, segundo o ator, é usado pela arte até hoje. O teatro não significa um momento puro de lazer. A ideia é poder escancarar para o público a verdade da situação atual. “Acho que precisamos encarar de frente os problemas, por isso a arte tem que trazer o que a gente necessita naquele momento. O entretenimento puro é válido em momentos de crise da mesma forma que espetáculos que façam o público questionar. É bom ter uma diversidade. Algo que te faça rir, chorar, pensar e sonhar. Tudo isso é importante neste momento em que o nossos país possui uma tendência de tentar cortar as asas da cultura”, defende o ator.
Apesar das dificuldades que o país está passando, não foi uma tarefa difícil conseguir patrocínio para esta peça que contou com a assistência da Lei Rouanet e da empresa Auto Viação 1001. Infelizmente Thelmo garante que não é todo mundo que está tendo esta sorte. “Conseguir patrocinador tem sido uma luta para a classe teatral. Tenho um monólogo, derivado de um projeto pessoal, que estou procurando investidores há quase um ano. Mas tudo bem, um dia de cada vez”, lamenta o ator.
Ambas as montagens de Filippo foram idealizadas, inicialmente, pelo diretor Sergio Módena. Thelmo acredita que esta paixão pelo texto do italiano se deve pela aproximação das temáticas levantadas pelo escritor aos debates que o diretor pretende trazer para o teatro nacional. Em ‘A arte da comédia’, por exemplo, o espetáculo mostrava o quanto a arte podia ser prazerosa e uma grande arma de transformação, ao mesmo tempo. Apesar das diferenças de enredo entre as peças, o ator vê algumas semelhanças entre as duas apresentações. “Existem personagens que duvidam da realidade em ambas as peças como, por exemplo, o marido que acha que o amante é o fantasma em ‘Estes Fantasmas’ e o rapaz que acha que as pessoas que o criticam são atores em ‘A arte da comédia’. É muito legal atuar com esta brincadeira. Além disso, chegamos a usar, até mesmo, elementos do antigo cenário”, comenta o ator.
No momento de criar seu protagonista, Thelmo não se espelhou em nenhum outro personagem. A peça era a favorita do escritor e foi uma das mais famosas. Mesmo com todo o sucesso de ‘Estes Fantasmas!’, o ator preferiu fechar os olhos para produções passadas e se basear exclusivamente no texto. “O Sergio passou para o elenco um documentário sobre o Filippo chamado ‘Questi Fantasmi Vita Della Commedia‘ e tentei evitar ver as cenas que apareciam o meu personagem porque não ia conseguir criar se visse a qualidade das outras atuações. Ele é muito bom. Acabei focando muito no texto que traz uma história muito bem contada. Você sempre quer saber o que vai acontecer na próxima cena. Já ter feito ‘A arte da comédia’ fez com que já estivesse imerso neste universo, o que facilitou meu trabalho”, relembra o ator.
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