*Por Brunna Condini
Com 60 anos de carreira e há duas décadas sem fazer teatro, Tony Ramos mantém a o olhar curioso do início da carreira. Tanto que, ao lado de Denise Fraga no espetáculo ‘O que só sabemos juntos’ , sente-se brincando em cena, com uma liberdade da qual nunca abriu mão como intérprete. “Me sinto no início da carreira…essa peça nasceu de um convite que fiz ao diretor Luiz Villaça, marido da Denise, depois que vi o monólogo ‘Eu de Você‘, sobre cartas que eles receberam – o solo da atriz é inspirado em 25 histórias reais combinadas com trechos de clássicos da literatura brasileira – que é bonito demais. Isso foi antes da pandemia, em São Paulo. Depois eles vieram para o Rio de Janeiro com a montagem, e em um jantar, propus que Villaça pensasse em algo para fazermos”, lembra.
Com 76 anos, Tony, considerado um dos maiores atores do país, fala abertamente sobre o momento difícil que passou este ano. O ator se sentiu mal e acabou indo para o hospital, onde foi submetido a uma cirurgia para drenar um hematoma subdural – um sangramento intracraniano. Como foi o susto? “Não fujo a essa pergunta até para fazer um esclarecimento público. Fui surpreendido por um hematoma na cabeça. Eu não me lembro do momento da internação. Minha companheira, Lidiane, me encontrou desmaiado, entre a cama e o chão. E fez uma ligação para a minha clínica geral por Facetime. O carro da produção do filme (ele filmava ‘A Lista‘ na época) estava me esperando lá embaixo”. E compartilha ainda: “A médica viu a minha imagem e pediu para não mexerem em mim. Lidiane desceu e pediu ajuda ao motorista que ia me pegar. Chegou a ambulância. E aí eu não lembro de uma vírgula”.
Em que momento você compreendeu o que se passava? “Voltei a ter consciência na UTI. Denise e Luiz foram me visitar. Aí fui informado do que aconteceu e sofri a segunda cirurgia. O Dr. Paulo Niemeyer Filho me salvou. Quando ele chegou, já me mandou para o centro cirúrgico. A única coisa que sentia há três dias era uma dor de cabeça frontal. E achava que era algo de coluna que irradia. Tomei um analgésico e fiquei melhor. Mas logo depois voltava. Ali, eu deveria ter consultado a minha clínica. Eu estava filmando com a Lilia Cabral. Sou um profissional atento aos meus horários. Assim que respeitei o tempo de observação, não titubeei e voltei logo a trabalhar com Denise, em julho. No período que estava me restabelecendo, eles tiveram a grande ideia de voltar com o ‘Eu de Você’ no teatro, até porque tinha muita gente envolvida na produção. Eles não sabiam se eu poderia voltar”.
Quando o Dr. Paulo me visitou na recuperação, eu comecei a falar do espetáculo e, quando me dei conta, estava repetindo a peça, textos do Fernando Pessoa. Era um autoteste para ver se eu estava bem mesmo – Tony Ramos
Refletindo sobre os nossos tempos
Um encontro de dois atores com a plateia. Suas memórias. Suas próprias histórias e outras tantas que ouviram por aí. E o que só saberão, juntos? Esses dois atores e esse público? “Gosto de contar as pessoas quando tem muita gente porque eu gosto sempre de imaginar que, sei lá, quando se trata de gente, cem não é cem, são cem unidades, cem uns, cem cada um, cem pessoas com vidas, histórias e experiências muito diferentes umas das outras”, diz Denise em uma cena inicial da peça, que é um convite a se colocar no lugar do outro, em meio às suas dores, angústias, alegrias, transformações e conquistas.
Queria algo que propusesse reflexão ao público – Tony Ramos
Tony lembra da ocasião em que fez o convite a Villaça. “Minha mulher, a Lidiane, no jantar em que nos encontramos para falar do projeto, disse: “Fala logo!”. Sou muito tímido. Mas neste jantar, disse a eles que, se no futuro, tivessem algo assim, nesses moldes, eu gostaria de entrar para a turma. Isso foi em iinício de 2022. E a coisa foi acontecendo. Luiz disse: “É mesmo?”. E não deu outra, ele logo depois começou a me telefonar, e marcamos uma reunião on-line. Um dia ele deu uma ideia e já veio com o título. O nome me conquistou na hora”, conta.
Denise completa falando sobre o acesso do público ao teatro hoje e observando sua vivência no espetáculo. “Hoje em dia é mais difícil termos espaço nas mídias para o teatro, mas, ao mesmo tempo, em toda sessão descubro que há pessoas que estão indo ver uma peça pela primeira vez. Como converso com a plateia, eu sempre pergunto quem nunca foi ao teatro antes. E as mãos timidamente começam a se levantar. Peço para elas me esperarem no final para me contarem o que acharam da experiência. Venha conhecer essa maravilha!”, convoca.
O teatro é um lugar muito precioso, propõe um mergulho, em que você fica pelo menos 1h15 sem olhar no celular. Causa desespero, rapidamente é sanado pelo encantamento com a história. A reflexão é instantânea. Vemos muita gente gargalhando e enxugando lágrimas. É uma montanha russa. Mas não fiquem com medo. Propomos interação, mas a gente não faz nada constrangedor. A gente é que chega na plateia – Denise Fraga
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