‘Tenho preferido ler do que ficar no Instagram. E é uma prática pretendo levar pós-pandemia’, diz Luis Lobianco


O ator está em cartaz com o espetáculo virtual “Parece loucura mas há método”, com a Armazém Companhia de Teatro, até o final de agosto, com ingressos a preços populares vendidos através da plataforma Sympla. Reúne em um tablado digital nove personagens shakespearianos que se enfrentam numa arena de ideias. Em conversa com o site, Lobianco fala dos desafios dessa nova forma de fazer arte, dos estágios na quarentena, do fortalecimento da sua relação com Lúcio Zandonadi e também de sermos testemunhas destes tempos: “Acho que nós, brasileiros, vamos lembrar deste período com muita vergonha. Do que nos tornamos para o mundo, como passaram a nos enxergar. O desrespeito à ciência e às forças que estão mobilizadas num esforço nunca antes visto para salvar a humanidade”

*Por Brunna Condini

Luis Lobianco tem feito da arte seu refúgio dentro do recolhimento social neste período de pandemia do coronavírus. Em temporada com a experiência teatral online “Parece Loucura mas há Método” – até o final de agosto (e possibilidade de extensão até setembro) – com ingressos a preços populares vendidos através da plataforma Sympla. Ele está em cena virtualmente com a Armazém Companhia de Teatro, do diretor Paulo de Moraes, levando para o público uma resposta criativa aos palcos vazios em uma espécie de “peça de teatro emergencial”.

“Falamos que há método, porque a gente precisou investigar como fazer essa dramaturgia online envolvendo o público, emocionando, e também nos instigando como artistas, criadores. E isso tudo você só consegue com método, horas de ensaio, estudo”, detalha Lobianco sobre o projeto, que reúne em um tablado digital nove personagens shakespearianos que se enfrentam numa arena de ideias, sendo tudo conduzido pelas intervenções de um mestre-de-cerimônias.

“Falamos que há método porque a gente precisou investigar como fazer essa dramaturgia online, envolvendo o público, emocionando” (Foto: Luis Lobianco)

“Foram muitas horas lendo e relendo todo a obra de William Shakespeare, estudando personagens, ensaiando, conversando com os outros atores, com o Paulo de Moraes. Enfim, parece loucura, porque se dissessem há poucos meses atrás: ‘Olha, você vai fazer uma peça sobre Shakespeare com o Armazém Companhia de Teatro, de dentro da sua casa’. Eu falaria: “Isso é loucura, não vai acontecer” (risos). Mas essa loucura tem método e estamos online. Está acontecendo e o público comparecendo”, pontua o ator.

Já na primeira apresentação, com uma única frase, o público é instigado a eliminar um dos jogadores (ou seja, sua história já acaba ali). E são colocadas questões como: que história você quer continuar acompanhando? Que personagens interessam? O jogo se estabelece, e o que define a sequência de duelos é a empatia do espectador com cada história. É teatro que o público decide. Podemos dizer que é uma espécie de BBB (Big Brother Brasil) de personagens clássicos ou Paulo de Moraes discordaria muito?

“Muitas vezes eu faço essa má comparação (risos). E não é uma crítica, tá? Mas falo que é um BBB, um reality de personagens shakespearianos. Porque a dinâmica, o jogo interativo tem esse formato mesmo. Então, na verdade nos aproveitamos de um formato para oferecer um conteúdo que é uma riqueza universal, que é a obra de Shakespeare. São personagens muito completos, com uma humanidade gigantesca, que serviram de base para muitos estudos do ser humano inclusive. Sigmund Freud se debruçou sobre Shakespeare, Leandro Karnal é fã de Shakespeare. Falar deste autor é poder se expressar com todo mundo. Mas obviamente existe o desafio de trazer um texto que existe há 400 anos para 2020 e fazer ele chegar no coração das pessoas. Sem banalizar esse texto e enfatizando a música que ele tem, a beleza da sua construção”, analisa, acrescentando: “Não sei se o Paulo gosta desta comparação com o BBB, mas, com certeza, o jogo interativo é um lugar interessante para esta dramaturgia”.

“São personagens muito completos, com uma humanidade gigantesca, que serviram de base para muitos estudos do ser humano inclusive“ (Foto: Luis Lobianco)

O ator também fala do entendimento do desempenho do ofício neste momento: “O que mais me instiga é essa investigação sobre como se comunicar, fazer teatro sem o toque, sem o abraço, sem a presença. Sem o ritual presencial que o define. Não é fácil, porque têm muitos projetos acontecendo, muitas lives, e mesmo a linguagem da live ficou um pouco previsível. Então, o desafio era envolver o público nesta história e, principalmente, com um autor, que é um dos mais importantes de todos os tempos, mas criou sua obra há 400 anos. Isso é muito desafiador. O público participa, volta, se emociona, torce. E isso tem dado muito gás e energia para a gente continuar”.

“O desafio era envolver o público nesta história, e, principalmente, com um autor, que é um dos mais importantes de todos os tempos, mas criou sua obra há 400 anos” (Foto: Luis Lobianco)

Pandemia em alguns tempos

Lobianco tem ficado em isolamento social com marido, Lúcio Zandonadi, desde o início de março. “Só saímos em caso de extrema necessidade. Até semana passada, quando fomos para uma chácara fora do Rio, no interior. Lá não tínhamos nem vizinhos perto. Foi ótimo. Mas, estou me preparando para voltar às gravações do Vai que Cola em duas semanas”, revela.

Casados há quase 10 anos, ele e Lúcio ficaram ainda mais unidos durante a quarentena. O casamento se fortaleceu? “Sim. Somos uma dupla que funciona muito bem e temos temperamentos parecidos. Nos emocionamos com as mesmas coisas, nos divertimos muito juntos, conversamos, namoramos. Temos nossos momentos, que são simples, mas sempre procuramos almoçar juntos, por exemplo, ver filmes, nada demais, mas são hábitos que se mantiveram neste período. Então, acho que a relação fortalece, se afirma cada vez mais”.

Lobianco tem ficado em isolamento social com marido, Lúcio Zandonadi, desde o início de março (Reprodução)

Passou por que estágios nesta quarentena? “Acho que por muitos, como a maioria das pessoas, acredito. No início deu uma euforia, muito medo diante das incertezas. Depois, uma certa ressaca, cansaço, tristeza, um período enorme de reflexão. E mais adiante, naturalmente, foram vindo os trabalhos, as ações, que faziam sentido agora, a maioria delas concentrada no teatro. E também algumas ações com o olhar voltado para as pessoas que estão em situação de muita vulnerabilidade”, recorda. “Agora me sinto cansado. É muito tempo em casa, tendo que lidar com esse trabalho. É uma produção que exige bastante esforço. Me sinto também, de certa forma, praticando um recolhimento, um silêncio. Acho que tem sido o tom deste momento. Apareço só quando tenho que trabalhar mesmo”.

Lobianco está cada vez mais atento ao mundo, mas nem por isso, menos atento às suas demandas pessoais. “Não descobri nada sobre mim que já não soubesse, mas tive algumas certezas. Nunca fui uma pessoa muito consumista, mas com certeza minha relação com o consumo já mudou muito. Também a relação com as redes sociais. Na verdade, só tenho uma, que é o Instagram. E por lá, sempre falo mais de trabalho. Mesmo sabendo que isso não é muito o que rende likes e monetiza ali. Mas mesmo sobre trabalho, acho que vou ficar mais silencioso também a partir de agora, porque como as redes sociais viraram uma das poucas janelas que temos para o mundo no momento, acabei neste período buscando respostas para muita coisa ali. E acho que a rede social é um lugar que vive e se sustenta de frustração. Claro que tem coisas úteis, legais, mas tem também o interesse de te prender ali em coisas ruidosas, verdades questionáveis, e, em algum momento, eu percebi que estava buscando respostas no lugar errado. Então, a partir disso, passei a olhar mais para dentro, estudar mais. Neste momento tenho preferido ler do que ficar no Instagram. E é uma prática pretendo levar pós-pandemia”.

“A rede social é um lugar que vive e se sustenta de frustração. Claro que tem coisas úteis, legais, mas tem também o interesse de te prender ali em coisas ruidosas, verdades questionáveis” (Foto: Luis Lobianco)

Tudo novo

Do trabalho remoto para a preparação de volta a um estúdio. É neste estágio, lento, mas constante, que Luis Lobianco se encontra agora. Daqui há duas semanas, ele retorna às gravações presenciais do sitcom Vai que Cola, no Multishow, com todos os procedimentos de segurança que o tal “novo normal” estabelece. “O protocolo será muito rígido, estamos ainda entendendo como será, na verdade. Não poderemos ter plateia, que é superimportante, mas não tem jeito. Mas é um privilégio poder trabalhar”, diz o ator que também grava o podcast do humorístico Fora de Hora, que saiu do ar na Globo quando a pandemia começou. “O podcast já gravo remotamente. Recebo o texto alguns dias antes, bato com os roteiristas, e gravamos. Não é a festa dos encontros no estúdio, mas abranda a saudade”.

E completa: “Também tenho o “Buraco Show”, que é a minha companhia que existe há oito anos. Estávamos em um momento muito legal, com show novo, fizemos uma apresentação bombada no Teatro Rival, no Rio, no final de fevereiro. Era um momento com muitos planos para celebrar o aniversário da companhia e veio a pandemia. Então, temos um encontro semanal com nosso público, fazemos um cabaré em casa, que é transmitido pelo perfil do show no Instagram. Toda sexta-feira, às 22h. Fazemos uma megaprodução caseira de maquiagem a figurino. Lúcio tem me ajudado muito, porque além de músico, ele faz arte em crochê, e tem feito uns adereços que estão bombando. Tem até um perfil @crochedolucio criado já”.

Como acha que vamos lembrar deste período no futuro? “Acho que nós, brasileiros, vamos lembrar deste período com muita vergonha. Do que nos tornamos para o mundo, como passaram a nos enxergar. O desrespeito à ciência, às forças que estão mobilizadas num esforço nunca antes visto para salvar a humanidade. E temos que reconhecer, encarar isso em algum momento. Espero que no futuro os responsáveis paguem, sejam punidos, que aja um retorno para todo esse mal e crueldade. Vou lembrar com tristeza, não tem muito o que se aproveitar desta época. Claro que fazer uma peça de teatro é muito legal, ter os canais para conversar, atenua a saudade e tal, mas não quero lembrar disso como algo bom, não. Bom é estar na rua ocupando os espaços. E quando estiver na rua, fazendo minhas coisas, minha arte, meu teatro, quero olhar para frente. Vejo luz nas relações próximas, nos amigos, no afeto, acho que é por aí que vamos reconstruir”.