Em meio aos últimos – e movimentados – dias de ebulição política e muitas discussões públicas, privadas, reais e online, a turma das artes do Rio de Janeiro organizou o evento “Teatro pela democracia”, que rolou nessa segunda-feira, na Fundição Progresso, reunindo profissionais de teatro e de outras linguagens para debater a situação atual do país. Quem chegava no espaço era recebido com o jornal “O Redondo – um jornal sem rabo preso, para dar o papo reto e sem caô”. Uma espécie de sátira ao Jornal O Globo, com notícias fictícias e de tom panfletário, virou sensação entre os mais de 3 mil que seu reuniram na plateia da Fundição.
O encontro organizado por Angela Leite Lopes, Enrique Diaz, Flora Sussekind, Gabriela Carneiro da Cunha, Ivan Sugahara, Lívia Paiva, Patrick Sampaio e Tárik Puggina, que aconteceria no Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto, sofreu alteração, porque, segundo o espaço municipal, os eventos teatrais não envolvem debates de cunho político. “Nós artistas de teatro, vamos defender a democracia”, foi como começou, com aplausos, a conversa.
A pensadora Viviane Mosé se fez presente e criticou o juiz Sérgio Moro: “Moro coloca em questão todas os nossos princípios”. Elisa Lucinda, por sua vez, criticou a atitude do colega de profissão Claudio Botelho, que durante apresentação do musical “Todos os musicais de Chico Buarque em 90 minutos” em Belo Horizonte, fez um improviso no qual se referiu à prisão de “um ex-presidente ladrão” e “uma presidente ladra“. “Botelho, a casa caiu! Lições de camarim. Se intitula rei, sem saber que teatro não se faz sozinho, e que o que importa é o público, que é quem nos vê e que nos paga”, disse Elisa. A atriz finalizou lamentando que alguns de seus fãs não concordem com sua posição política. “Passei boa parte da vida na ditadura, sei que muito pior do que perder um fã, é perder uma vida”, completou a poetisa, sendo aplaudida de pé.
Entre um participante e outro, os organizadores davam recados e agradeciam a presença e a contribuição dada para ajudar nos custos do aluguel dos equipamentos necessários. No link postv.org, o debate era transmitido ao vivo, chegando a quase dois mil espectadores. Gregório Duvivier, sempre bem humorado, começou seu discurso referindo-se à lista de “petralhas cúmplices dos golpistas” publicada pelo colunista Rodrigo Constantino em seu blog. “Tanta gente reunida aqui, melhor que a lista do Constantino”, disse ele. O ator e colunista falou da importância da união, e frisou que o encontro era apartidário: “Não dá pra pôr fim às nossas diferenças mas, unidos, dá para encontrarmos um meio. Não é um ato de defesa ao governo Dilma, mas de defesa a mais de 53 milhões de votos que a elegeram”. Duvivier foi ovacionado após citar as conquistas da presidente Dilma, como cerca de 40 milhões de pessoas tiradas de situação de extrema pobreza. “Temos que defender o indefensável. E se tomaram as ruas, é porque elas estavam vazias. Uma parte quer mudança, a outra, retrocesso”, finalizou.
Gregório Duvivier fala em evento “Teatro pela democracia”
Indianara Siqueira, presidente da “TransRevolução” e criadora do “Prepara Nem”, cursinho preparatório para o Enem para transexuais e travestis, discursou sobre as conquistas das pessoas LGBT, recebendo aplausos acalorados. “Eu poderia perguntar às pessoas presentes o que elas sabem sobre revolução? O que vocês sabem sobre revolução? O que vocês sabem sobre opressão? Nada. Os corpos das travestis, das transexuais, de pessoas transgêneras sofrem opressões todos os dias e inclusive no meio de vocês. Esses corpos fazem a revolução todo dia pelo simples fato de existirem, pelo simples fato de transitarem numa sociedade cis-hetero-normativa. Esses corpos são obrigados a fazerem a revolução dentro da própria revolução de esquerda. (…) Eu não votei na Dilma e nem votei no Lula, nunca. Nunca. Não votei em nenhum dos dois. Mas eu sei que é melhor discutir com a esquerda no poder do que com a direita no poder. Ontem terminamos no Rio de Janeiro a terceira Conferência Estadual de Direitos Humanos LGBT; e vamos agora pra Brasília para a terceira Conferência Nacional de Direitos LGBT”.
O pernambucano Veríssimo Junior, há 14 anos professor da rede municipal e fundador do grupo “Teatro da Laje”, emocionou ao relatar que viu sua aluna Etiene, moradora da Vila Cruzeiro, ser aprovada para o curso Direito, na UERJ. “Agora os jovens não são só números de projetos sociais, são realizadores de cultura, de um novo jeito de pensar e ver o teatro”, e fez um apelo aos organizadores: “Sinto falta de Ricardo Fernandes, do Arteiros, de Cidade de Deus, nesta mesa. Eu sinto falta de Isabel Penoni, da Cia. Marginal, da Maré, neste palco. Sinto falta de Luiz Vaz, da Casa da Rua do Amor, em Santa Cruz. A cena carioca é bem maior do que isso. Não adianta separar a classe média da direita da classe média da esquerda. Sem as favelas aqui neste palco, entre vocês, vai ter golpe sim”. O professor Mauro Sá Rego Costa declarou: “A possibilidade de não haver golpe somos nós juntos”.
Os alunos, funcionários e professores da Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Penna finalizaram o evento ocupando o palco com discursos e performance. “Muito orgulho de uma classe teatral consciente e responsável, e da minha escola que marca presença com tanta força e amor, onde aprendo que ‘ator não é rei’, é um operário a serviço do teatro”, declarou o aluno Jovan Ferrera. O debate ainda contou com participação de Adriana Schneider, Amir Haddad, Ana Kiffer, Antonio Santoro (professor de processo penal e especialista em interceptação telefônica), Banda Hetera, Carlito Azevedo, Carolina Bassin (advogada e gestora cultural), Cecília Boal, Chacal, Isabel Lustosa, Jailson Santos, Julio Adrião, Lia Rodrigues, Lucia Murat, Luiz Fernando Lobo, Marcus Faustini, entre outros.
A atriz Luisa Arraes também participou lendo trecho de um texto: “tenham em mente que não tenham sido apenas bons, mas tenham feito algo pelo mundo”.
Artigos relacionados