Sylvia Bandeira: “Comigo não tem história de ‘estou ficando velha, não vão olhar pra mim’. Sou atraente”

* Por Carlos Lima Costa

A inexorável passagem do tempo, paixões e saudades são temas que permeiam o espetáculo musical Charles Aznavour – Um Romance Inventado, que recentemente trouxe de volta aos palcos a atriz Sylvia Bandeira. Nesta entrevista exclusiva, ela, que além do talento sempre teve a beleza exaltada, se posiciona sobre os assuntos abordados no palco, como a questão do envelhecimento. No Brasil, existe uma cobrança desigual sobre as mulheres, ainda mais as consideradas símbolos de beleza na juventude como foi Sylvia. “Somente em uma sociedade machista como a do Brasil que se diz isso. Por exemplo, o interesse em uma mulher na Europa não passa por aí, mas não passa mesmo. Você vê a esposa do (Emmanuel) Macron (presidente da França), que é muito mais velha do que ele. Então, essa é uma mentalidade totalmente brasileira. Lá a mulher é admirada pela capacidade intelectual de profissão, então, me identifico totalmente com a forma de pensar masculina nesse sentido, porque sei que sou uma mulher que ainda é bastante atraente. Não tenho aquela história de ‘estou ficando velha, não vão olhar pra mim’. Me olham sim, em todas as idades. Sei que eu sou interessante, inteligente e metida”, enfatiza ela, que está em cartaz com o espetáculo, às terças, no Teatro Petra Gold, Rio, e que, nesta quinta-feira, dia 18, às 20h30, apresenta a peça de forma online no projeto Palco Instituto Unimed-BH em Casa, nos canais YouTube do Sesc em Minas, pelo Teatro Claro Rio e Pólobh Produtora e pela canal 500 da Claro TV.

Sylvia prossegue em sua linha de raciocínio sobre a passagem dos anos. “Não posso dizer que a mulher sofre mais. Quando escuto uma mulher dizer isso, eu me revolto com ela e digo: ‘isso é uma burrice, que foi colocada na cabeça da mulher brasileira’. Então, existe uma segurança em mim. Muitas sofrem pela visão machista. É como quando dizem que a mulher não pode ser amiga de outra mulher, porque ela sempre está competindo em relação ao homem. São clichês. É o que eu penso. Eu nunca me submeti. Homem nunca chegou pra mim e disse ‘eu não deixo mulher minha fazer isso ou aquilo’. Isso não passa pela minha vida nem pela forma como fui educada pelo meu pai”, pontua.

“Deus me livre viver até os 100 anos, cheio de achaques, e sem enxergar e sem lembrar das coisas. Eu acho que tem idades melhores para partir”, frisa a atriz (Foto: Luciana Mesquita)

Nesse sentido, explica que o fato de ser atriz também ajuda. “Eu mergulho nas personagens e aí o ator não tem muita idade. Quando penso que vi a Bibi (Ferreira – 1922-2019) pouco antes dela falecer, com aquele mesmo vozeirão e os olhos brilhando, sabe, uma vibração. Então, tenho sim esse privilégio, porque eu amo ser atriz, poder me reinventar de alguma forma e de resgatar naquele momento que eu estou no palco, uma juventude que não está mais presente”, explica. E acrescenta com bom humor. “Eu tenho uma tia que morreu agora antes de completar 104 anos e a irmã dela tinha 100 quando se foi. Aí fica todo mundo mexendo comigo, dizendo que com essa genética eu vou longe. Deus me livre ficar até os 100, cheio de achaques, e sem enxergar e sem lembrar das coisas. Eu acho que tem idades melhores para partir. Mamãe até demorou, mas tem uma história triste, porque ficou anos com Alzheimer, uma doença terrível que é o esquecimento, mas ela morreu com 94, e papai era um diplomata boêmio, irmão dessas minhas duas tias, que foi com 83. Só quero ir muito longe se for lúcida e bem, quem nem uma Bibi ou como a própria Fernanda Montenegro, que além da lucidez e da inteligência continua inteiraça”, observa.

Sylvia é um pouco reticente em relação a cirurgia plástica. “Procedimento eu acho um horror. Não quero ficar com aquela boca esquisita, vendo o pessoal com pena. As pessoas vão ficando com cara de mais velhas, parece uma doença. A mulher vai cada vez mexendo mais e os homens também estão nessa”, diz ela, que fez uma, em 2008, por sugestão de Ivo Pitanguy (1923-2016). “Ele me disse que eu precisava fazer um refrescamento. Achei bonitinho. Foi uma plástica normal, mas algo supersutil. Se ficasse de uma forma que me incomodasse, eu mexeria de novo, mas dessa maneira. Agora, não me vejo mexendo em boca. É a primeira coisa que eu reparo. Mesmo quem faz pequeno que nem a Nicole Kidman. Mas você sente que mexeu de uma forma que vai mudando a pessoa”, analisa ela, no momento, muito empolgada com o espetáculo.

“Teve um momento da pandemia em que fiquei mais compulsiva. Sou muito gulosa, então, dei uma engordada de tanto doce que eu comia”, lembra Sylvia (Foto: Luciana Mesquita)

Apesar do nome de Charles Aznavour (1924-2018) estar no título da peça escrita pelo dramaturgo Saulo Sisnando e de vários de seus clássicos serem cantados no palco por Sylvia e por Mauricio Baduh, seu companheiro de cena, o espetáculo que fica em cartaz até o fim do mês, não retrata a vida do cantor francês. “Tem uma fantasia a partir do fato que eu o conheci há muitos anos e isso deixa uma dúvida na cabeça do público porque fui em uma festa (da socialite Beki Klabin), no Rio, quando eu era superjovem e me puseram sentada à direita dele. Passamos a noite conversando. A partir disso tem uma história do rapaz vivido pelo Baduh, que vai entrevistar a Isabel, minha personagem. Ele quer saber sobre o relacionamento com o Charles Aznavour, porque se diz filho dele. Não tem nada que fala realmente da vida dele a não ser as músicas que tem a ver com a história que está sendo contada”, explica Sylvia. Ela voltou a encontrar casualmente com Aznavour em um avião à caminho da Itália e outra vez, no final da década de 70, em uma boate, em São Paulo, onde o cantor estava com o ator Alain Delon. “O Aznavour, aquele cara muito baixinho, era muito charmoso. Eu imagino que ele deve ter inspirado muitas paixões independente de ter sido casado tanto tempo com a Ulla (Thorsell). Era um cara muito interessante.”

Apesar do repertório de clássicos de Aznavour, Sylvia ressalta que a plateia não é só necessariamente de pessoas idosas. “Está misturado, porque tem uma história muito interessante. E o público ama e volta para ver novamente. A peça resgata cenas de paixão com melodias muito bonitas”, diz. Sylvia, por exemplo, solta a voz em clássicos como La Bohème, Il Faut Savoir e Yesterday When I Was Young (Hier Encore). “Eu sou metida. Não sou cantora, mas sou afinada”, diverte-se ela, que selecionou 100% o repertório de Aznavour, que dizia que le chanteur français chante avec le coeur (o cantor francês canta com o coração).

“Tem gente que me questiona porque não escolhi fazer uma peça com músicas do Frank Sinatra (1915-1998). Independentemente de reconhecer o brilhantismo e a genialidade, não me tocava tanto quanto a música do Aznavour, que tem essa paixão derramada. Como todo mundo já sabe, sou filha de diplomata (Octávio de Souza Bandeira). Com 11, 12 anos eu morava em Paris, meus pais adoravam o Aznavour e assim eu ouvia muito suas músicas”, conta ela, que apesar disso, só foi assisti-lo no palco no Brasil. “Naquela época, o que era mais moderno para o adolescente era a Françoise Hardy, Johnny Hallyday (1943-2017) e a Sylvie Vartan”, recorda.

Sylvia Bandeira e Mauricio Baduh em cena no espetáculo musical Charles Aznavour – Um Romance Inventado (Foto: Luciana Mesquita)

A peça fala de saudades e paixões também. Afetivamente, Sylvia, que nasceu em Genebra, na Suíça, foi casada com o empresário Robert Falkenburg, pai de seus filhos Talitha e Robert, com o ator e apresentador Jô Soares (“Temos pouco contato hoje em dia, mas tenho carinho imenso por ele.”) e desde 1982, é casada com o engenheiro Carlos Eduardo de Souza Dantas Ferreira, pai de sua caçula, Melina. Há 15 anos, vivem em casas diferentes. Ela mora na cidade do Rio e ele vive na Região Serrana do estado, para onde ela vai nos finais de semana. “Ele foi o grande incentivador para que eu fizesse essa peça. Há muito tempo eu queria realizar um trabalho ligado ao Aznavour. Meu marido é a minha âncora. Eu sou aquário, estou sempre voando, fora da realidade, e ele é um virginiano pé no chão. Então, é uma combinação difícil, explosiva, mas quando funciona não tem pra ninguém”, ressalta.

Mas não sabe afirmar se viver em casas separadas é a relação ideal. “Com o passar do tempo é uma experiência, uma visão de mundo meio diferente. Às vezes, o convívio diário faz com que você tenha mais cobranças e mais mimimi. É bom cada um ter o seu tempo, o seu espaço. Temos muita cumplicidade e afinidades”, comenta.

Na pandemia, Sylvia mudou a rotina e ficou direto na Serra com o marido. “No começo fiquei bem assustada, mas tive o privilégio de ficar nesse lugar cercado de verde. Então, mesmo ficando tanto tempo dentro de casa, não senti a prisão tão fortemente como tantas pessoas sentiram. Mas quando comecei a sair da inércia em função da peça eu virei outra pessoa, porque teve um momento em que fiquei mais compulsiva. Sou muito gulosa, então, dei uma engordada de tanto doce que eu comia. E depois com o incentivo da peça mudei totalmente. Sou outra pessoa. Claro que a pandemia me afetou. Não da para dizer que foi um mundo rosinha. O medo estava sempre rondando. E tendo meus filhos, cada um em um canto, foi muito angustiante”, pondera.

“Às vezes, o convívio diário faz com que você tenha mais cobranças e mais mimimi. É bom cada um ter o seu tempo, o seu espaço”, afirma Sylvia, que mantém um casamento em que ela e o marido vivem em casas separadas (Foto: Luciana Mesquita)

E Sylvia – que já era avó de Patrick e Anthony (herdeiros de Robert) – viu a família crescer há cinco meses com o nascimento da netinha Maria Antônia, filha de Melina, que está morando em Seul, na Coréia do Sul, com o marido, um diplomata brasileiro. “Estou doida para conhecê-la”, conta Sylvia. Coincidentemente  um retorno às origens. “Meu pai, meu avô, várias pessoas da família foram diplomatas”, lembra a atriz.

Por vir desse mundo, ao começar a trabalhar como atriz, Sylvia enfrentou certo preconceito por acharem que ela era fresca. “Teve isso no começo. Como se o fato de ser inserida em determinado contexto social me impossibilitasse de ser atriz. Sabe, meu pai não tinha essa característica, era muito irreverente, tinha uma simplicidade que passou pra gente. Em alguns momentos da minha vida, pessoas falaram ‘a Sylvia é fresca’. Eu nunca fui fresca. Eu sou poliglota sim, morei em vários países. Não tenho culpa disso. Tenho uma sofisticação, porque tive uma educação de base muito bacana, mas com uma simplicidade, sem essa frescura, que não leva a nada. Mas isso acabou depois que eu ganhei o meu Kikito de Melhor Atriz Coadjuvante com o filme Bar Esperança”, frisa.