Quando estreou, em 1972, Pippin causou uma revolução na Broadway por inovar na estrutura e ainda apostar na metalinguagem. O musical, vencedor de cinco Tony Awards, possui dois níveis de narrativa, sendo que o primeiro conta a fábula do herdeiro do trono do Rei Carlos Magno que está em uma jornada existencial pelo sentido da vida, enquanto o segundo mostra uma trupe teatral interpretando esta história. “Esta peça continua sendo ousada e tem um fundamento, além da diversão. Claro que são tempos um pouco diferentes, mas não tanto, infelizmente”, lamentou Nicette Bruno. Apesar de parecer um tema superficial, o espetáculo fala sobre suicídio, guerras religiosas, ambições, sexo, drogas e muito mais enquanto o protagonista Pippin tenta entender qual o seu lugar no mundo. Todas estas polêmicas dramáticas juntas conseguem aparecer ao mesmo em que o espetáculo esbanja humor ácido e alegria. O site HT, inclusive, conferiu os primeiros minutos desta montagem e já podemos adiantar que o público pode esperar coisas grandiosas deste elenco formado por Nicette Bruno, Totia Meireles, Felipe de Carolis, Jonas Bloch e Adriana Garambone. Esta união de fantasia e tragédia vai estreou na semana passada, no Teatro Clara Nunes, Shopping da Gávea.
Pippin está de volta aos palcos graças à aposta de Charles Möeller e Claudio Botelho, dupla responsável por levantar grandes musicais no Brasil como Cinderela e A Noviça Rebelde. De acordo com o diretor Charles, a vontade de montar este espetáculo já é antiga pelo fato dele tocar em pontos muito atuais. No entanto, demorou quase cinco anos para conseguir levantar verba suficiente. Sendo assim, esta peça é fruto de muita determinação. “Tem espetáculos que saem mais rápidos e outros que demoram mesmo. Exatamente por isso que é necessário ter um grande cartel de títulos para ir captando aos poucos. Não dá para desistir só porque o país entrou em falência e a cidade está em uma guerra civil. Este discurso é acomodado”, explicou. Vendo o cenário atual da nossa sociedade, o diretor até agradece por ter demorado mais que outras produções. “Quando este musical foi montado, os estadunidenses estavam vendo uma guerra televisionada que virou entretenimento. Além disso, a Broadway estava violenta, indo muito para o lado da prostituição e das drogas. Tanto que as pessoas fizeram um cartaz que dizia ‘não venham para Nova York’. Se traçarmos um paralelo com o Brasil de hoje é exatamente isto que está acontecendo. Este, de fato, é o melhor momento para PIPPIN estrear. Há cinco anos, a violência não era tão grande, as redes sociais não eram tão importantes e havia uma esperança de um Brasil melhor com as chegada das Olimpíadas e da Copa”, criticou Charles.
Para iniciar o debate por estas polêmicas, a figura do príncipe herdeiro se torna essencial para o espetáculo. Afinal, ele não se acostuma com as limitações da vida mundana. “Adoro este personagem por questionar e não se acomodar com a vida. Ele quer algo extraordinário e morar em uma casa com uma cerca branquinha não é este ideal para ele. Enquanto isso, estamos em uma sociedade superficial na sua essência. Estamos perdendo contatos básicos como falar e olhar. Esta busca do personagem acaba nos fazendo refletir sobre o que é esta felicidade estabelecida”, explicou Charles. Sendo assim, Pippin questiona todos os costumes da atualidade como, por exemplo, a dependência das redes sociais que seria a metáfora desta superficialidade elencada pelo protagonista. “Será que as pessoas conseguem ser felizes sem o filtro do instagram? É um questionamento muito contundente da minha geração. Antigamente, quem postava foto de prato era cafona. Hoje em dia, a gente fala ‘nossa, a pessoa está em tal restaurante’. Mas e daí? Não sou contra este tipo de coisa, mas a vida não poder ser somente isto”, comentou Felipe de Carolis, que faz o protagonista .
A partir do momento que o protagonista começa a busca por algo mais, a possibilidade de não encontrá-la também se torna uma realidade. Dessa forma, uma das principais motivações desta peça é, de fato, falar sobre o suicídio, afinal, o príncipe herdeiro está tentando encontrar um motivo para viver. Apesar de aparentemente ser uma busca filosófica, ela sai do ideal. O espetáculo questiona um ponto chave: a falta de uma razão faria com que a morte fosse a solução? “A minha vontade de fazer este espetáculo veio do fato de que a Geração Millenium está alcançando o maior índice de suicídio dos últimos tempos. De acordo com uma pesquisa, daqui a oito anos, o suicídio será a maior causa de mortes no mundo. Isto me preocupa muito”, lamentou Felipe.
Outro tema importante elencado pelo espetáculo é a ambição que pode levar, até mesmo, a guerras religiosas. Isto pode ser visto na figura do rei Carlos Magno, um homem extremamente cruel que, em nome do Cristianismo, matou muitas pessoas. Este personagem é o extremo oposto de seu filho, o príncipe herdeiro, por ser mais pé no chão e extremamente cruel. “É aquele tipo de pessoa que acredita que ser vitorioso é vencer batalhas e matar pessoas, apesar de ser um homem cristão. Vemos religiosos que o dinheiro sobrepõe aos seus princípios. Isto é exatamente o que está acontecendo hoje com uma facção islâmica. O sentido da vida, para este rei, é o poder, algo que também é muito comum no nosso país. Não importa se morre gente nos hospitais ou se falta merenda escolar, pois é fundamental aumentar a riqueza individual”, criticou Jonas Bloch.
Apesar de não ser tão polemico, outro personagem importante do musical é a Mestra de Cerimônias. Ela é responsável por conduzir toda a trama, está presente em todas as cenas e, em alguns momentos, ainda se torna a dona da trupe teatral, uma mulher grossa com os artistas e gentil com o público. Nesta montagem, esta protagonista é vivida por Totia Meireles. “A parte mais difícil desta personagem é ter que costurar o espetáculo inteiro. Eu chamo os atores para a cena e comando tudo. Se começo mal, a peça tende a não andar na linha. Preciso estar focada o tempo inteiro”, afirmou a atriz. Para melhorar a sua atuação nos palcos, Totia ainda fez aulas de dança e canto, afinal, ela precisa estar o tempo todo ligada e preparada. “Tive que acordar a bailarina que existe dentro de mim, as coreografias exigem muito, tem muito detalhe. Isto faz com que a gente precise ter um domínio muito grande do corpo”, contou.
O espetáculo fala de sexo, drogas, busca espiritual, guerras religiosas e diversos temas polêmicos, como falado anteriormente. Mas, ao mesmo tempo, Pippin conta com o viés do humor e da dança, que são personificados nas figuras de Nicette Bruno e Totia Meireles. Isto mantém uma leveza especial, mesmo tratando de assuntos conturbados. “É óbvio que não tem como o musical ficar o tempo todo no buraco, porque, afinal, tem danças e músicas”, explicou Felipe. As músicas conseguem levantar a trama para que não se torne uma peça dramática. “É uma maneira de dizer as mesmas coisas de outro jeito”, comentou Jonas Bloch.
Para animar a peça, a música e as coreografias são elementos fundamentais e, para isso, o diretor Charles Möeller conta com um elenco grandioso de 19 atores, algo pouco comum de se ver nos espetáculos que estão feitos no Brasil. “Ter tanta gente em cena é realmente uma coragem. Antigamente era mais possível, mas com o tempo fomos sendo impedidos de montar isto. Estamos esperançosos de que o público prestigie mais as peças e que as companhias possam realizar os seus trabalhos de forma mais ampla, independente de auxílio ou ajuda. Fazer teatro é um ato de resistência no nosso país”, lamentou Nicette. Apesar de não ser tão comum, o diretor está acostumado a fazer trabalhos assim, afinal, A Noviça Rebelde tem cerca de 200 pessoas em volta. “Musical é sempre grandioso. Tem que ter a música, a iluminação, a orquestra, o figurino, entre outros. É preciso de muita grana para levantar isso. Tem que ter patrocinadores, exatamente por isso que São Paulo tem mais teatro. Mesmo que a gente lote a casa, a bilheteria não vai pagar o custo disso. Estamos muito felizes de conseguir estrear este espetáculo no Rio de Janeiro”, comemorou Totia.
PIPPIN
Um espetáculo de CHARLES MÖELLER & CLAUDIO BOTELHO
Direção
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Iluminação
Visagismo
Coordenação Artística
Produção Executiva
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