Soraya Ravenle reestreia monólogo no Rio e comenta experiência de estar sozinha no palco: “É como uma linha que não pode ser interrompida”


No Carnaval, a atriz estrelou o musical “Sassaricando”, que trazia no enredo marchinhas que marcaram as décadas de folia. Sobre os novos questionamentos que baniram parte dessas músicas, Soraya Ravenle destacou a importância de pensarmos o contexto nas quais foram criadas e os atuais.

Um espetáculo prático, intenso e que caiba no bolso. Foi essa a combinação que motivou Soraya Ravenle a produzir o monólogo “Instabilidade Perpétua”. Depois do sucesso da primeira temporada, a atriz reestreou a peça no Midrash Centro Cultural, no Leblon. No enredo, Soraya passeia por questões filosóficas da existência humana em sociedade. Em entrevista ao HT, a atriz explicou o que a despertou a voltar em cartaz com o monólogo. “Há cinco anos, mais ou menos, acalento o desejo de fazer um solo pelo exercício de fazer algo que nunca havia experimentado. Fora isso e principalmente, queria algo que eu pudesse levar para qualquer lugar; seja uma sala de aula, uma praça ou a casa de alguém. Enfim, eu queria estar no essencial do teatro, o ator e seu corpo, e também um texto que fosse relevante nos dias de hoje”, contou.

E Soraya Ravenle achou todos esses fatores na narrativa de Juliano Garcia Pessanha. Autor do original que gerou o monologo estrelado pela atriz, ele traz para o teatro questões da essência do homem em uma relação próxima com as artes. Segundo Soraya, a obra do autor é fruto de uma combinação entre poesia e filosofia. “Juliano tem uma escrita híbrida, composta por historietas, aforismo e elementos autobiográficos. Não temos uma história de começo, meio e fim, e, sim, as reflexões sobre a arte, o artista e suas questões atuais. O monólogo fala também da chegada da criança nesse mundo hiper nomeado e técnico e da nossa dificuldade de entrega e afeto nas relações em geral. Ou seja, são assuntos básicos e estruturais da vida de todos nós”, detalhou.

Soraya Ravenle em “Instabilidade Perpétua”, que reestreia hoje no Midrash Centro Cultural (Foto: Daniel Correia)

Para dirigir todas essas temáticas e abordagens do monólogo, Soraya Ravenle tem um verdadeiro time no comando. Sim, leitores. Ao contrário do que estamos acostumados a ver, a atriz não possui apenas uma diretora e, sim, quatro. Para a atriz, que está sozinha no palco, os múltiplos olhares tornam a peça mais rica e plural. “Elas nunca estiveram juntas por problema de agendas, ou melhor: a falta de agenda fez com que nós formássemos esse quarteto. Como elas são muito amigas, e se admiram entre si, uma foi aproveitando a interferência da outra numa soma que se dava através de mim. Ao mesmo tempo, isso exigiu que eu tivesse autonomia forte para digerir essas influências e por fim, fazer minhas próprias escolhas”, contou Soraya que confessou que as diferentes opiniões deixaram alguns ensaios mais confusos. “Mas isso foi muito bom. Ficar confusa por dias até encontrar algo que fizesse sentido e juntasse os pontos foi muito interessante. Afinal, por que temos que entrar numa sala de ensaio sabendo o que fazer, para onde ir e estar cheia de certezas? Isso é pobre, é um lugar pequeno para o artista estar, além de ser muito estável”, acrescentou.

Se já não bastasse a experiência individual no palco e o equilíbrio para compreender as opiniões de quatro diretoras diferentes, Soraya Ravenle ainda assumiu a produção de “Instabilidade Perpétua”. Nesta função, que definiu como muito cansativa, a atriz destacou a parceria de Mariana Bittencourt, Saulo Rocha e a Alquimia Produções. Sobre a experiência como produtora, ainda mais em tempos de crise cultural e econômica em nosso país, Soraya Ravenle não escondeu os dramas que envolveram a luta para reestrear o espetáculo. “Eu me vi inserida nas questões atuais: como realizar sem um edital ou patrocínio? Que tipo de parcerias são possíveis nesse caso? E artisticamente? Por exemplo: temos no conceito da ambientação, utilizar sempre a própria arquitetura do local, assim como seus objetos, além de trazer a rua, o espaço externo para dentro. Abrimos as janelas permitindo que as luzes da rua se misturem com as do teatro em cena. Agora minha luta será para dar continuidade”, argumentou a atriz que também evidenciou os desafios de estar sozinha no palco. “Você fica muito nu perante o público, pois ele te acompanha sem ter outro ator para seguir. É como uma linha que não pode ser interrompida”, comparou.

Além de atuar, a atriz contou que também assumiu a produção do espetáculo (Foto: Daniel Correia)

No entanto, apesar da dedicação imensa ao monólogo “Instabilidade Perpétua”, este não é o único trabalho recente da carreira de Soraya Ravenle. No Carnaval, a atriz estrelou o espetáculo “Sassaricando”, na quadra da Portela. No enredo, o elenco trazia aquelas clássicas machinhas de Carnaval que marcaram décadas e vivem até hoje na cultura brasileira. Ou melhor, será que ainda vivem e são celebradas? Hoje, com os novos movimentos aflorados em nossa sociedade e as novas reflexões sobre assuntos que até então não eram nem questionados, músicas como “Cabeleira do Zezé” e “Mulata da Cor”, por exemplo, são criticadas e muitas vezes até banidas de bailes e blocos. No Carnaval deste ano, acompanhamos uma onda de questionamentos do “politicamente correto” que levantou a discussão sobre até que ponto versos racistas e homofóbicos seriam garantia de diversão e festa.

Sobre esta questão, que esteve presente no espetáculo “Sassaricando”, Soraya Ravenle destacou a importância de analisarmos o contexto nos quais as marchinhas foram criadas. Segundo ela, hoje, estamos vivendo um processo de renovação em que os pensamentos modernos poderão substituir abordagens retrógradas. “É preciso perceber a época em que elas foram compostas. Ao mesmo tempo, acho ótimo tomar consciência da quantidade de preconceitos que elas carregam, e como esses pensamentos excludentes ainda existem. Se dar conta disso e poder falar abertamente é maravilhoso. Aos poucos, outras marchinhas serão criadas e cantadas, renovando o repertório carnavalesco”, apontou Soraya que se disse a favor dessas novas reflexões. “Todo o tipo de iniciativa que aprofunde o diálogo e os questionamentos sobre como transformar essa estrutura podre que nos governa é bem-vinda e necessária”, declarou em referência aos movimentos contra a política contemporânea.

Ciente dos novos movimentos ideológicos, a atriz destacou a importância de construirmos pensamentos livres de preconceitos nos tempos modernos (Foto: Daniel Correia)

Ainda nesse assunto, Soraya Ravenle comemorou que os novos tempos estejam evidenciando questões como machismo, racismo e homofobia. Para ela, é preciso aproveitar o momento de reflexão para propor novos comportamentos para a sociedade. No entanto, a atriz destacou que é preciso ter calma na hora expor as novas opiniões. Afinal, nada é transformado da noite para o dia. “Eu acho que é hora de nos posicionarmos contra o radicalismo de direita com firmeza e ao mesmo tempo com calma. É o momento de falarmos abertamente sobre o racismo enraizado na nossa cultura escravocrata, pois temos uma dívida imensa com a comunidade negra, falar abertamente sobre a homofobia também. Enfim, a sensação é de que estamos vendo toda a sujeira jogada para debaixo do tapete durante séculos. E, para mim, isso é maravilhoso”, comemorou.

Para o decorrer de 2017, Soraya Ravenle contou que segue o ano com outros dois projetos, além do monólogo “Instabilidade Perpétua”. Dedicada a mergulhar cada vez mais em sua carreira como cantora, a atriz irá lançar seu disco “Quatro Ventos” e seguir a turnê do show “A Era dos Festivais”. No espetáculo, Soraya divide os microfones com Edu Krieger e Marcelo Caldi em um repertório que relembra canções da época da ditadura no Brasil.

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Soraya Ravenle em “Instilabilidade Perpétua” (Foto: Daniel Correia)

Serviço: Instabilidade Perpétua

Temporada: de 9 de março a 27 de abril
Local: Midrash Centro Cultural – Rua General Venâncio Flôres, 184 – Leblon / RJ
Horários: sempre às quintas, às 20h
Ingressos: R$40,00 e R$20,00 (meia)
Classificação indicativa: 14 anos