Rodrigo Lelis, intérprete de Caetano Veloso no filme ‘Meu Nome É Gal’, vive no palco professor acusado de pedofilia


Ator, que chamou atenção pela semelhança com a figura do cantor nos anos 60, revela detalhes do encontro com o irmão de Maria Bethânia, após término das filmagens do longa, contando a vida de Gal Costa, e aborda estreia nacional do espetáculo “O Princípio de Arquimedes”, com tema complexo que vai levar público a debater linchamentos morais

* Por Carlos Lima Costa

Quando surgiram imagens de Rodrigo Lelis caracterizado como Caetano Veloso para o filme “Meu Nome É Gal”, as pessoas ficaram chocadas com a semelhança. Enquanto aguarda a estreia da cinebiografia da vida de Gal Costa, interpretada por Sophie Charlotte, o ator se prepara para encarar outro desafio. No palco, ele vai interpretar um professor de natação acusado de pedofilia, no espetáculo “O Princípio de Arquimedes”, premiado texto do dramaturgo catalão Josep Maria Miró, com direção de Djalma Thürler, cuja estreia nacional será em Salvador, no mês de outubro, e, depois, vai rodar o Brasil. “Espero que as pessoas saiam do teatro com a cabeça cheia de questionamentos. Se isso não acontecer, o espetáculo não cumpriu a sua função”, frisa Rodrigo.

Rodrigo Lelis caracterizado como Caetano Veloso, papel que interpreta no filme ‘Meu Nome É Gal’ (Foto: Itala Martina)

Na peça, o personagem é acusado de ter beijado na boca uma das crianças. “Esse aluno tem medo da água e, para acalmar o menino, o professor lhe dá um abraço. A peça gera situações que vão deixar o público totalmente confuso. Eu mesmo, por exemplo, fazendo Rubens, acredito até o final que ele não beijou o menino. Mas outros detalhes vão trazer ainda mais camadas, porque ele é completamente machista. Tem cenas que criam uma dualidade em relação ao que o personagem é realmente, se fez ou não o que está sendo acusado”, conta.

Rodrigo com o visual do professor de natação acusado de pedofilia, que ele interpreta na peça ‘O Princípio de Arquimedes’ (Foto: Caio Lírio)

Além de estar com cabelos curtos, Rodrigo começou a praticar atividade física e ganhou quatro quilos de massa muscular. “Estou buscando uma outra figura, afinal é um personagem complexo”, observa sobre o espetáculo que inspirou o filme “Aos Teus Olhos”, protagonizado por Daniel de Oliveira, no papel do professor que Rodrigo vive na peça. As situações no palco vão fazer o público refletir sobre empatia, linchamentos morais, pré-julgamentos. “Até que ponto um beijo no rosto é tido como um ato de pedofilia? A peça discute o tema”, diz.

O espetáculo vai fazer com que o público leve o tema da pedofilia para debater em casa. Até que ponto a pedofilia está presente? –  Rodrigo Lelis

Rodrigo Lelis, que interpretou Caetano Veloso no filme Meu Nome É Gal, estreia peça vivendo professor acusado de pedofilia (Foto: Caio Lírio)

Rodrigo nunca esteve próximo de uma situação de pedofilia. “Ainda bem que não. Tenho um sobrinho de três anos e fico imaginando se isso acontecesse com ele. É um assunto complexo. Fiz pesquisa sobre psicólogos que trabalham e estudam esse tipo de tema, vi dados, matérias que relatam que a sociedade não torna alguém pedófilo. Ele meio que cresce com essa vontade. Isso é associado, inclusive, a uma orientação sexual. Tem uma entrevista, por exemplo, na qual o cara sente-se horrível por ver uma criança e imaginá-la nua. É complicado. Alguém que começa a ter essas imaginações, um dia pode cometer algo”, avalia.

Em 2023, Rodrigo terá dupla estreia nos cinemas: os filmes ‘Meu Nome é Gal’ e ‘A Matriarca’ (Foto: Caio Lírio)

E prossegue relatando o que estudou: “Qualquer situação é horrível, sabe, existe pedofilia dentro de site pornô, o que é bizarro também. Comercializar e ver pornografia infantil é crime, então, tem que punir essas pessoas. Existe um estudo que aponta que 30% dos casos de pessoas que agridem crianças, são pedófilos”, reforça.

SUTILEZAS NA COMPOSIÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE CAETANO VELOSO

Desafiador também foi interpretar Caetano Veloso. Em sua criação, o ator buscou sutilezas como a forma de sentar, o jeito de falar, o olho arregalado quando está nervoso e nos bastidores ouviu de quem acompanhava as filmagens, entre fevereiro e março, palavras como “surreal, está igual”. Somente depois de concluir o longa-metragem, ele esteve com Caetano, que. no dia 7 de agosto, completou 80 anos.

“Assim que terminaram as filmagens, eu cortei o cabelo, então, ele não me viu pessoalmente com aquele visual. Queria que ele conhecesse a mim, que o interpretei. Foi um encontro mágico. Ele achou incrível estar na frente de uma pessoa que fez ele mesmo e aí a gente trocou muita ideia sobre os mais diversos temas, incluindo até o narcisismo. Ele achou maravilhoso aquele meu visual que viu por fotos e falou: ‘Nossa, que bonito’. Ele olhava como se tivesse falando dele mesmo. Achei incrível”, conta.

Rodrigo encontra Caetano Veloso, na casa do cantor, após interpretá-lo no filme ‘Meu Nome É Gal’ (Foto: Arquivo Pessoal)

No processo de construção de um personagem, Rodrigo busca nele algum tipo de corpo ou de estado físico, psicológico completamente diferente. Cada movimento é pensado. “Quando você interpreta um personagem vivo é mais interessante, porque você já tem um trejeito, um caminho. Nesse processo, busquei formas dele sentar, como conversa, o olho arregalado quando está nervoso, a forma de falar mais devagar em alguns momentos. Quis fazer o meu Caetano, então, tinha que trazer ele pra mim, da minha forma, do meu jeito, com gestuais, com o visual, com a baianidade. Quando a gente imita, acaba ficando falso, estranho. Por isso, tentei trazer pra mim o meu Caetano, e realmente acreditava, por exemplo, que determinada música que eu estava cantando nas filmagens era realmente minha”, acredita.

DUPLA ESTREIA NO CINEMA EM 2023

Com quase 10 anos de carreira, Rodrigo fez seu primeiro trabalho no audiovisual, em 2021, quando atuou no filme baiano “A Matriarca”, dirigido por Lula Oliveira, que assim como “Meu Nome É Gal”, também vai estrear nos cinemas em 2023. “Conta a história de uma matriarca que vai completar 80 anos e todos os irmãos que não se veem há tempos se encontram para essa data. Mas, quando chegam na cerimônia, descobrem que ela morreu no dia. Aí todos os segredos que ela guardou durante uma vida acabam sendo descobertos e acontece uma trama através disso”, explica ele, que interpreta um neto da personagem título.

No momento, além da expectativa para a estreia teatral, também aguarda a chegada aos cinemas de “Meu Nome É Gal”, dirigido por Dandara Ferreira (uma das responsáveis pela visita dele a casa de Caetano) e Lô Politti. “Como artista, preciso conquistar o meu espaço, não posso perder oportunidades. Mas a minha missão como ator é trazer mais movimento para essa cidade. Pra mim, é específico depois deste filme que eu fiz estar aqui agora fazendo uma peça de teatro com uma companhia (ATeliê VoadOR) que sobrevive em Salvador de forma linda. Se meus orixás permitirem, quando o filme tiver uma repercussão, quero poder fazer aquilo no qual sempre acreditei. Estar nesse lugar fazendo acontecer aqui, dando em troca tudo que ele me dá”, sonha.

A cinebiografia de Gal Costa, mostra o início de carreira, a partir dos 20 anos, o encontro no palco com Caetano e Gilberto Gil, interpretado por Dan Ferreira, com um recorte da época citando o momento da ditadura militar e o exílio dos dois cantores. Para viver Caetano no longa, Rodrigo aprendeu a tocar violão em três meses. E é só elogios para Sophie, que interpreta Gal. “É uma pessoa maravilhosa, generosíssima em cena, ouve muito o outro. Ficamos todos juntos em uma casa durante a preparação e isso gerou uma proximidade. Parecia que nos conhecíamos há anos, que éramos realmente tropicalistas”, conta.

Caetano achou maravilhoso aquele meu visual do filme que ele viu por fotos e falou: ‘Nossa, que bonito’. Ele olhava como se tivesse falando dele mesmo. Achei incrível – Rodrigo Lelis

Foi Dandara, que também é atriz e interpreta Maria Bethânia no longa, quem viu em Rodrigo potencial para dar vida a um dos ícones do tropicalismo. Ela estava na Bahia fazendo pesquisas, acompanhada de Sophie. “Nisso, Márcio Meirelles (diretor do Teatro Vila Velha e do Bando do Teatro Olodum), que não é mais meu diretor, mas que eu o considero como sendo pra sempre, pois foi a pessoa que me ensinou sobre teatro, a convidou para participar de uma peça que eu fazia. Ela me conheceu interpretando um personagem chamado Hermes, Deus grego, completamente diferente. Eu tinha cabelo louro, e naquela roupagem do Marcio, ele era um funkeiro. Mesmo assim, ela viu em mim Caetano. Depois que fiquei sabendo do processo, comecei a partir meu cabelo ao meio, parei de usar condicionador, passava somente shampoo, o que dava a ele uma modelagem específica e as pessoas começaram a me associar a Caetano. O engraçado é que até aquele momento nenhum amigo meu me associava a ele. O mais incrível é que pessoas que nem sabiam do filme me paravam na rua para tirar foto. Andava pelo bairro de Santo Antônio, aqui em Salvador, e as pessoas ficavam loucas”, recorda.

Para interpretar Caetano Veloso, Rodrigo aprendeu a tocar violão em três meses. O resultado vai poder ser visto no filme Meu Nome É Gal (Foto: Itala Martina)

O ator de 28 anos aponta que Caetano virou uma trilha de sua vida, “a partir do momento que comecei a entrar no teatro e descobri um disco chamado Transa, que mudou minha vida. Tem muita coisa que reverbera em mim. Esse álbum é transcendental, pois traz muitos elementos da Bahia. Toda vez que saio da Bahia, sinto falta dela. Ele também sentiu, por isso que me reverbera tanto. Tenho muito orgulho de ser baiano, do interior como ele. Os anos passam e esse disco continua sendo atual”, comenta Rodrigo, que considera ter entrado realmente no teatro, em 2014, quando conheceu o Teatro Vila Velha. “Ele surgiu na ditadura militar, em 31 de julho de 1964 (curiosamente inaugurado naquele ano com show de Caetano, Gal, Gil e Bethânia). Desde então, é um teatro ativista, sempre com peças que buscam questionar o público de forma interessante. Ali, eu aprendi muito. É um lugar que até hoje eu considero uma casa, apesar de não estar mais presente lá como antes”, conta Rodrigo, que mora há 10 anos, em Salvador.

O rapaz nasceu na cidade de Brumado e foi para Salvador com a intenção de fazer teatro. “Comecei um curso, só que ficou um pouco caro para o meu pai. Então, entrei na Universidade de Engenharia Civil, mas comecei a me ver completamente triste, sentindo falta de algo em mim. Depois, percebi que necessitava de arte, isso era mais forte do que eu. Pai e mãe ficam preocupados se vamos estar bem financeiramente quando eles morrerem. Demorei um pouco a entender isso, porque não conseguia dialogar direito com ele e a decifrar as coisas. Minha mãe, por exemplo, queria que eu fosse médico. Trocamos muitas ideias, porque tínhamos muitos conflitos em relação a isso. Ela tinha uma resistência enorme à minha vida artística, porque não dava dinheiro. A vida de ator passa por provações, porque é uma profissão difícil. Hoje, o diálogo é outro, porque ela entende que estou no caminho certo”, assegura.