Em um enredo lúdico, crítico e introspectivo, a atriz Rita Elmôr homenageia a escritora Clarice Lispector na peça Clarice Lispector e Eu, o Mundo Não é Chato. O espetáculo foi um sucesso de bilheteria em 2016, quando entrou pela primeira vez em cartaz. A temporada que durou dez meses com 170 apresentações recebeu cerca de 15 mil espectadores. “A força da dela contribuiu para o sucesso deste trabalho, além disto o boca a boca foi primordial”, afirmou Rita. O enredo emocionou e despertou a curiosidade do público ao unir histórias pessoais de Rita com textos da homenageada, criando uma atmosfera mixada onde não se sabe mais de quem é a autoria da história que está sendo contada em determinado momento. “O truque é realmente as pessoas pensarem que aqueles textos são meus. Engano o público dando pílulas de histórias minhas, então quando a audiência se aproxima de mim, não percebe que está recebendo vários textos dela. Isto é de propósito”, explicou a artista. No entanto, no final a plateia sai da sala consciente de quais textos recebeu de Clarice. O monólogo reestreou no dia 16 de fevereiro no Teatro Maison de France, no Rio de Janeiro.
A verdade é que esta mixagem de ideias é apenas uma metáfora do que aconteceu na vida real com ambas as artistas. O rosto de Rita acabou sendo confundido com a imagem de Clarice, devido a uma peça que ela havia estrelado em 1998. “As minhas fotos começaram a aparecer em várias citações dela e isto foi aumentado, com o acesso a internet, de uma forma que muita gente começou a achar que eu era ela. Ficou praticamente impossível de explicar para as pessoas que aquela não era a escritora, a imagem ficou muito forte. Isto não se limitou as redes sociais, nos jornais e revistas também apareciam”, relembrou. Sendo assim, foi como se ela colocasse em palavras o que rolou nas mídias. A montagem em questão era Que Mistérios Tem Clarice, onde a atriz interpretava a escritora. No enredo, a autora tentava contar uma história concreta, com começo, meio e fim, mas sempre se perdia. Era um espetáculo que falava sobre literatura, os filhos e amar os outros. “A novidade desta peça é que não faço a Clarice, mostro a escritora a partir das minhas impressões. De alguma maneira, dou vida à sensibilidade dela. Sobre o tema, falo novamente sobre os filhos e sobre o amor, mas deixo de lado a escrita”, explicou.
O fenômeno por trás das fotos pode ser explicado de muitas maneiras, no entanto Rita destaca um que considera ser o principal. “Na primeira peça, tentei me aproximar dela. Mesmo sendo o meu primeiro trabalho profissional, foi muito sério o meu processo de caracterização e preparação para remontar aquela personalidade em cena. Acho que esta dedicação acabou transparecendo nas fotos, que acabam sendo um resultado de uma profunda pesquisa de atuação. Não me acho parecida com a Clarice, mas tem um olhar e uma expressão, interna e externa, que lembram ela”, sugeriu. Este sucesso de sua atuação apenas mostra como o teatro pode ter uma influência muito forte na forma como encaramos as coisas e a vida. É apenas um exemplo de como esta expressão artística tem poder sobre as pessoas.
Além das fotos, outro ponto de partida, que impulsionou a autora a escrever este espetáculo, foi mostrar como a arte pode transformar uma pessoa. Como informações que recebemos de alguém que admiramos artisticamente podem influenciar na vida de alguém. “Isto foi o que aconteceu comigo com a Clarice. Ela sempre estará no meu diálogo, não importa o que eu fale”, afirmou. Esta abrangência que a literatura de Clarice possui sobre a vida da dramaturga é exatamente a característica que a artista pretende despertar em quem for assistir ao espetáculo. A ideia é que, de certa forma, a plateia consiga se conectar com aquela obra, impulsionando o universo de leitores no Brasil. “Tenho um público muito variado, com pessoas que leem Clarice, outras que a conheceram pelas redes sociais e as que só ouviram falar. E acho que consigo revelar através da narrativa que qualquer pessoa pode ler esta literatura, mostro que o trabalho dela não está acima de nós, mas ao nosso favor. Muita gente acha que, por ser um livro culto, não vai entender, mas não é bem assim. Isto foi um objetivo que tive ao começar a escrever e acho que consegui”, comemorou.
Outra novidade que faz parte deste roteiro é uma face da literatura de Clarice que para muitos pode ser uma novidade. Apesar da escritora ter nascido no início do século passado, existe uma atualidade muito pessoal que marca seus textos. Durante uma pesquisa, Rita encontrou muitos livros da literata referentes à desigualdade social. “Queria encontrar na arte um conforto para o que está acontecendo no nosso país e acabei esbarrando nela de novo. Sendo assim, peguei vários textos sobre este tema, que é um lado de sua escrita que as pessoas pouco exploram, divulgam ou falam. Existe um caráter reflexivo e, ao mesmo tempo, amoroso nas histórias, nos levando para dentro daquela narrativa, de forma que nós possamos pensar muito sobre o tema. Ela fala muito sobre isso e acho que estamos vivendo em um momento muito propício para falar sobre este assunto”, lamentou.
Para unir todas estas informações, tanto de Clarice quanto da própria Rita, a autora da peça utilizou a comédia para construir o enredo, o que para muitos pode parecer algo curioso. Ao se tratar da literatura desta escritora, a tragédia seria um caminho mais fácil e previsível a ser escolhido devido aos fortes questionamentos marcados pela introspecção presentes em sua obra. Além disso, a atriz queria destacar a parte engraçada da escrita de Clarice, algo que muita gente pode não perceber que de fato existe. “O humor sarcástico dela está presente em camadas mais profundas, o que torna mais difícil de ser percebido, mas todo o texto dela tem uma pitada disto. Ele vem a partir de um distanciamento que ela tem do comportamento humano. Ao mesmo tempo, a Clarice é quase uma filosofa, tem um rigor com a palavra e um olhar muito crítico, mas isto não apagou a comédia dela. Acho que o público sai esperto da peça para o humor dela.
Serviço:
REESTREIA: dia 16 de fevereiro (6ªf), às 19h30
LOCAL: Teatro Maison de France
. Av. Presidente Antônio Carlos, 58 – Centro / RJ Tel: (21) 2544-2533
HORÁRIOS: sexta a domingo, às 19h30 / INGRESSOS: R$60,00 e R$30,00 (meia) / Funcionamento bilheteria: 3ª a domingo, a partir das 14h / vendas pelo site www.tudus.com.br/ CAPACIDADE: 353 espectadores / CLASSIFICAÇÃO: 14 anos / DURAÇÃO: 60 min / GÊNERO: comédia dramática / TEMPORADA: até 11 de março
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