Renato Carrera revisita a obra de Plínio Marcos em “Abajur Lilás”, em cartaz até novembro

Estreou dia 18, no Teatro Sesc do centro, a peça “Abajur Lilás”, que faz parte do projeto “Os proibidos”, coordenado por Aderbal Freire Filho. Assim como o nome já diz, a ideia é trazer aos palcos obras censuradas pelo regime militar. Com direção de Renato Carrera, “Abajur Lilás” conta com os atores Higor Campagnaro, Eber Inácio, Andreza Bittencourt e Laura Nielsen, que, juntos, dão vida aos polêmicos personagens do texto de Plínio Marcos. O autor, que completaria 80 anos em 2015, tem um acervo composto por mais de 30 peças escritas durante a ditadura militar. “Abajur Lilás” foi escrita em 1969, mas, com a censura, só pode ser representada seis anos depois. Ainda assim, o tema não poderia ser mais atual. É o que garante o diretor Renato Carrera. “As metáforas que trazemos ao palco poderiam se encaixar no dia de hoje. Fizemos as leituras há 2 anos, com as manifestações bombando pela cidade e gás lacrimogênio entrando no teatro. Tem gente que pede a volta da ditadura, onde estamos? É tudo muito atual, nós somos as prostitutas”, declarou.

A montagem do diretor Renato Carrera é sombria e retrata a vida de prostitutas exploradas em um bordel (Foto: Dalton Valerio)

As prostitutas a que ele se refere são personagens explícitas na peça. A história metaforiza os órgãos opressores na figura de Giro, um cafetão homossexual que explora três mulheres em seu bordel. “O personagem é o poder e abusa dele. Todos na peça são marginalizados, anti-heróis. Retratamos a solidão e a angústia que o poder traz. A fala que mais se repete é ‘que merda’, porque eles estão na merda sempre”, contou Renato. A estreia teve momentos polêmicos, com pessoas que saíram no meio reclamando e xingando os atores e a peça. “Ontem teve gente falando que era uma pouca vergonha, porque tem cenas de nu. Nós estamos entendendo as reações agora que estamos no palco. Ainda existe o preconceito, o que mostra quão atuais são as questões que Plínio levantou”, disse. Perguntado se ele se incomoda com esse tipo de reação, Renato declarou que gosta de tocar as pessoas. “Quando trazemos questões e o público sai provocado, chocado, mexido, reclamando, gritando, isso é bom. Eu acho que quem sai irritado é porque algo chegou ali. Achei que as reações seriam menores, porque já tem tanta coisa na televisão”, disse.

Não é só o público que reage com estranheza. Renato revelou que levar uma peça densa aos palcos é um grande desafio. “Quando fizemos o projeto, houve muita resistência. Ficamos dois anos sem patrocínio. O Sesc ainda traça essa linha de pensamento que sai fora das peças comerciais, ainda bem. Acho que o teatro tem que falar sobre drama, abuso de poder, temas que são pouco retratados”, disse.

Os atores em cena em “Abajur Lilás” (Foto: Dalton Valerio)

O diretor contou que gosta do texto de Plínio pelo ritmo e, principalmente, pela forma como o autor apresenta as situações. “A carpintaria da peça é incrível. Tem um modo específico, ritmado, tudo é conectado, não conseguimos cortar nada, é impossível. Os personagens são bem construídos, com falas quase que musicadas. A trama, a simbologia e a forma como ele coloca é instigante. O Plínio fala de personagens humanos. Ele escreveu peças que falam sobre ladrões e outros tipos”, explicou, ele, que é fundador de uma companhia de teatro e foi durante algumas leituras que teve a ideia de montar essa peça. “Na ‘Vil Companhia’ pude ver desconhecimento do público em geral sobre os clássicos brasileiros e resolvi me aprofundar, já tinha muita simpatia pela obra do Plínio e o universo marginalizado tão pouco montado nos teatros. Fizemos leituras lotadas com debates interessantes antes da estreia”.

A peça faz parte do projeto “Os proibidos”, que traz textos que não passaram pela censura da ditadura militar (Foto: Dalton Valerio)

De fato essa revisita à obra de Plínio Marcos, falecido em 1999, é muito importante na história do teatro. Com linguagem crua, o escritor botou uma luz em temas relevantes em uma época que pouco se podia falar. Na década de 1980, mesmo com a censura que visava principalmente os artistas, Plínio produziu intensamente e sempre retratou temas populares. Ele, que também era jornalista, escreveu em publicações como “Folha de São Paulo”, “Veja”, “O Pasquim”, “Diário da Noite”, “Última Hora” e outros. Após o fim da ditadura, continuou a criar histórias e tornou-se palestrante. Suas obras foram traduzidas em diversas línguas como inglês, francês, alemão e espanhol, além de estudadas em teses de sociolinguística, semiologia, psicologia, filosofia por todo o mundo. Plínio Marcos recebeu diversos prêmios como ator, diretor, escritor e dramaturgo em todos os veículos: teatro, cinema, televisão e literatura. Na leitura de Renato Carrera, “Abajur Lilás” é sombria “É uma história muito realista e nós tiramos um pouco essa carga para trazer objetos simbólicos ao palco. Colocamos mais metáforas, o cenário tem uma carga sombria e a nossa linguagem vai nesse lugar”, explicou.

A peça é polêmica e cheia de cenas fortes (Foto: Dalton Valerio)

A montagem fica até o dia 20 no centro da cidade e, em seguida, segue para o Sesc Tijuca para curta temporada de 25 de setembro até 1º de novembro. O diretor ainda enxerga dificuldades em viver de arte no Brasil, principalmente em tempos de crise, mas é confiante. “Somos resistentes, o teatro nunca vai morrer. Mas está cada vez mais difícil. Gostaria e tenho esperanças que melhore. Faço tudo por isso, inclusive elevando o nível do que levo ao palco”, garantiu.