Minimalista, intenso e cheio de reflexões sobre os devaneios do que é envelhecer. Foi assim que Ney Latorraca escolheu seu primeiro trabalho para estrear como diretor, depois de uma carreira bem-sucedida, de 52 anos, interpretando personagem inesquecíveis na telinha como o icônico Barbosa, da “TV Pirata”. Com Tássia Camargo e Edi Botelho no elenco, a peça “As Cadeiras” apresenta o texto clássico do autor franco-romeno Eugène Ionesco, considerado o pai do Teatro do Absurdo, onde ironiza a existência humana como algo insignificante. Durante uma sessão exclusiva para convidados, nesta semana, no Teatro Cândido Mendes, em Ipanema, o HT conferiu de perto a nova empreitada do ator – agora diretor – por trás das cortinas.
“Quando li esse texto, quis fazer. É um recomeço, dirigir é outra coisa. Parece que estou saindo da escola de teatro novamente. Tenho 72 anos, mas me sinto com cabeça e corpo de 20 anos. Faço minhas caminhadas, me cuido. Estou cheio de disposição”, disse Ney. “Estreia é sempre estreia, né? Como ator, você está protegido pelo personagem, agora, o diretor só fica ali de fora observando. Está sendo uma novidade para mim. Às vezes dá uma vontade de entrar na cena. Uma loucura”, contou ele.
Com duas cadeiras no centro do palco, Ney dirige Tássia e Edi, que vivem um casal de idosos. Eles tentam aliviar os momentos solitários revivendo histórias do passado como forma de eternizar essas memórias. Através de seus delírios, convidam um público imaginário para preencher as cadeiras da plateia e pretendem deixar uma mensagem para o mundo. “Eu já havia trabalhado com Tássia em ‘Rabo de Saia’, ‘Um Sonho a Mais’ e no ‘Cravo e a Rosa’, e com o Edi eu fiz a peça ‘Entre Dentes’. Estamos todos em família”, afirmou ele. O diretor ainda revelou que os personagens vivem juntos, mas se sentem completamente solitários e, por isso, passam a criar situações lúdicas em suas cabeças. “Não falamos da solidão que todos precisam de vez em quando, mas daquela que nos isola. Aquela que traz nossos medos e com a violência só pioram”, disse.
A peça ainda propõe a uma reflexão sobre as efemeridades da vida. Ney confessa que, depois do problema de saúde que teve há quatro anos, valoriza até as atividades consideradas mais triviais. “Quase morri. Percebi como coisas cotidianas podem ser ainda melhores. Me enxugar em uma toalha branca felpuda e cheirosa, comer, dar essa entrevista, tudo é lucro hoje”, comemorou ele, referindo-se às complicações decorrentes de uma cirurgia que fez em 2012, para retirada de um cálculo na vesícula.
Seguindo esta linha, a versão de Ney como diretor mantém o mesmo entusiasmo, irreverência e exigência são algumas de suas marcas registradas. “Sou metódico. Gosto de ator concentrado, texto decorado, não fumar nos ensaios, poucos intervalos. Gosto de firmeza. Sou uma pessoa tensa, mas sem perder a alegria, o humor. O ator tem que valorizar o espaço do palco, que é o lugar para ele se realizar”, disse ele, referido-se da forma que pretende seguir em sua nova função.
Destaque na produção, Tássia Camargo afirmou ter se identificado com o estilo Latorraca de ser. “Somos da mesma escola. Conheci o Ney em 1984, quando fizemos a minissérie ‘Rabo de Saia’. Ele é um irmão, amoroso. Com ele e com Didi, (como chama Edi Botelho) me sinto em casa, conhecemos nosso timing”, adiantou a atriz. “O Ney está aprovadíssimo e ainda acho que será chamado mais vezes para dirigir. Nós fizemos um trabalho de mesa, que há muito anos eu não fazia. Ensaiamos na sala da casa dele durante três meses e quando chegamos aqui já estávamos adaptados ao espaço e com o enredo. A nossa química é muito boa”, comentou ela.
Acostumada a fazer muitas comédias, a atriz confessou ter ficado mais ansiosa com a estreia de “As Cadeiras”. “Todo trabalho para mim é um grande desafio, mas como eu nunca tinha feito Ionesco, e trabalhar com o Ney, eu fiquei com uma adrenalina um pouco mais abalada”, disse ela, que ainda falou sobre como é envelhecer na era da imagem. “Faz parte da vida, né? Eu não tenho o menor problema quanto a isso. Eu não quero fazer plástica e acho que a sabedoria está em primeiro lugar. Por sinal, eu adoro que meus netos me chamem de avó”, revelou Tássia, toda sorridente. Aproveitando o tema, Ney também interrompeu a colega para comentar como tem percebido a passagem dos anos. “O tempo está me fazendo bem. A minha cabeça é de um menino mesmo. A minha criança está de frente” , disse.
Já Edi Botelho ressaltou que está vivendo um reencontro com a obra do autor franco-romeno. “Não é um texto muito fácil, mas o Ney optou pela essência do teatro: duas cadeiras e dois atores. Hoje se monta muitos musicais no Brasil, muito figurino, muita gente… aqui a gente escolheu uma produção enxuta e nesse teatro onde as pessoas ficam próximas. Para o ator, esse olho no olho com a plateia é uma delícia”, disse. “Engraçado que a primeira peça que eu fiz foi ‘A Lição‘, também do Ionesca. E de lá para cá eu nunca mais trabalhei com esse autor. Está sendo um reencontro maravilhoso”, revelou o ator.
A peça, que fica em cartaz até o mês de agosto no Teatro Cândido Mendes, é produzida por Ney, Tássia, Edi Botelho e Denise Escudero, e está sendo feita sem patrocínio. “A vida inteira fiz assim, mas claro que gostaríamos de ter. Espero que toda essa discussão ao redor da cultura transforme as coisas. Os artistas precisam de apoio”, torceu Tássia. No entanto, Ney é mais taxativo. “Hoje se fala muito de leis e ministérios, mas eu costumo dizer que faço um teatro sem leis e sem partidos”, completou.
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