“Quero falar sobre isolamento, intransigência e preconceito”, diz Du Moscovis que assina produção de peça


O ator, que tem sido incensado por seu papel perturbador em ‘Bom dia, Verônica’, série da Netflix, fala do reencontro com Ana Lucia Torre em ‘Norma’, que tem única apresentação online, dia 3, após 18 anos da primeira montagem: “Este foi o primeiro espetáculo que produzi e só apareceu um patrocinador quando já estávamos na fase final dos ensaios. Acreditava demais na peça. Me sentia totalmente envolvido e tocado pelo que a peça propunha, e ainda propõe, como reflexão e discussão. Além, claro, de poder contracenar com Ana Lúcia Torre, uma das maiores atrizes brasileiras e aprender com ela. Acho que não passamos indiferentes às várias experiências ao longo das nossas carreiras. Poder estudar, viver e experimentar outras personalidades é um privilégio de autoconhecimento”

*Por Brunna Condini

Após um adiamento para que Ana Lucia Torre cuidasse de uma lesão sofrida em outubro, ela e Eduardo Moscovis vão apresentar, no próximo 3 de dezembro, às 20h30, fechando a 2ª temporada do Palco Instituto Unimed-BH em Casa – de forma gratuita e online – o espetáculo ‘Norma’, de Dora Castellar e Tonio Carvalho. Após 14 anos da última exibição, os atores estarão no palco do Teatro Claro Rio e a peça será transmitida ao vivo pelos canais do Youtube do Sesc em Minas, do teatro e pelo canal 500 da Claro TV. Uma experiência comum em tempos de pandemia, mas ainda inédita para ambos. O ator bateu um papo com o site sobre o revival deste espetáculo no cenário atual. E falou também sobre sua recente, impactante e elogiada performance como o policial abusivo e serial killer Brandão, na série ‘Bom dia, Verônica’, da Netflix.

Ana Lucia Torre e Eduardo Moscovis revivem papéis no espetáculo ‘Norma’, 14 anos após a primeira exibição (Divulgação)

A primeira montagem de ‘Norma’ aconteceu há 18 anos, mas a história pode ser contada hoje e gerar grande identificação com o público. Ana Lucia vive a mulher do título, solitária, vivendo no apartamento que acabou de alugar, quando conhece Renato, o antigo inquilino. O encontro dos dois provoca o desenrolar da trama, que traz muitos questionamentos. Norma vive dentro dos códigos de ‘normalidade’ sociais e vai se redescobrindo, renascendo, ao lidar com o personagem de Moscovis. “Falamos de perdas, abandono, sonho, tolerância e reconciliação”, explica o ator. “Nossa Norma é uma mulher que impôs regras para o amor. Ela é a voz dos que acham que a busca da felicidade deve obedecer a padrões de comportamento que não permitem mudanças e dos que acreditam que o prêmio para a obediência é a certeza de que efetivamente seremos felizes. E Renato aparece na vida dela como um renascimento”.

Ana Lúcia e o ator quando viveram pela primeira vez os personagens, há 18 anos (Divulgação)

Durante a apresentação o público vai poder fazer doações, por meio de QR Code, para o Mesa Brasil Sesc, um programa de combate à fome e ao desperdício de alimentos. E o valor arrecadado será convertido em cestas básicas a serem distribuídas entre os profissionais do teatro afiliados ao Sated Minas Gerais, que estão impedidos de exercer as suas atividades em função dos protocolos de prevenção da Covid-19. Moscovis comenta que é emocionante reviver o espetáculo tanto tempo depois, experimentando uma nova forma de fazer. “Fiz três peças e duas novelas com a Ana e agora voltamos com esse trabalho dessa maneira incrível, que tem sido o teatro on-line. O teatro resiste e nós estamos aqui nessa luta e firmes, nada vai nos derrubar”, garante.

“Acho que não passamos indiferentes às várias experiências ao longo das nossas carreiras. Poder estudar, viver e experimentar outras personalidades é um privilégio de autoconhecimento” (Divulgação)

Um texto atual, que fala das relações e de algumas questões humanas, como o preconceito frente à uma sociedade diversa. O que esse trabalho significou no seu amadurecimento como ator? “Este foi o primeiro espetáculo que produzi. E produzi inicialmente com meu dinheiro. Só apareceu um patrocinador quando já estávamos na fase final dos ensaios. Acreditava demais na peça. Me sentia totalmente envolvido e tocado pelo que a peça propunha, e ainda propõe, como reflexão e discussão. Além, claro, de poder contracenar com Ana Lúcia Torre, uma das maiores atrizes brasileiras e aprender com ela”, analisa. “Acho que não passamos indiferentes às várias experiências ao longo das nossas carreiras. Poder estudar, viver e experimentar outras personalidades é um privilégio de autoconhecimento”.

“É chavão dizer isso, mas infelizmente ‘Norma’ é muito atual e pertinente. Mais até do que quando foi montada há 18 anos atrás” (Divulgação)

Vocês não mudaram nada no espetáculo para essa apresentação online. Mas o que muda, fazendo algo com a mensagem desta peça, neste mundo que se abriu para nós com a pandemia? “Falamos sobre isolamento, intransigência, preconceito, discriminação, perdas. É chavão dizer isso, mas infelizmente ‘Norma’ é muito atual e pertinente. Mais até do que quando foi montada há 18 anos atrás”.Dormindo com o inimigo

Eduardo Moscovis é um ator múltiplo em sua trajetória. Estreou na TV em 1992 no papel de um cigano (Tibor) na novela ‘Pedra sobre Pedra’. E de lá para cá, viveu papéis realmente diversos, deixando para trás o status de galã que poderia ser o único a lhe acompanhar no veículo. Ele foi um piloto apaixonado em ‘Por Amor’ (1997), ao lado de Carolina Ferraz, com quem repetiu a parceria em ‘Pecado Capital” (1998), dando vida a um tipo bem diferente, um homem ambicioso (o protagonista Carlão), que na primeira versão foi vivido por Francisco Cuoco. E o que dizer do inesquecível Julião Petruchio? Que misturava inocência, aspereza e humor na dupla com Adriana Esteves em ‘O Cravo e a Rosa’ (2000). Muitos trabalhos na TV, teatro e cinema depois – que espelharam o amadurecimento do ator – Moscovis chega em 2020 e a um papel irreversível no seu ‘cardápio’ como intérprete.

Em ‘Bom dia, Verônica’, thriller brasileiro bem-sucedido da Netflix, protagonizado por Taina Müller , ele é ‘veículo’ para que o policial Claudio Brandão chegue ao público. A atuação do ator na primeira temporada da série (que ao que parece já teve a segunda encomendada), vem arrancando elogios e causando – literalmente – espanto. Desta vez, a parceira constante em cena é Camila Morgado, que faz uma esposa agredida pelo marido.

Camila Morgado e Eduardo Moscovis em ‘Bom dia, Verônica’, thriller brasileiro bem-sucedido da Netflix (Divulgação)

Para além da patologia (o personagem é um serial killer), o ator encarna um homem violento e abusador, com requintes de extrema realidade. Infelizmente, um tipo com características comuns ainda no Brasil, se pensarmos que uma mulher é morta a cada nove horas. Sua performance como Brandão é impactante. Foi perturbador? “Obrigado. Sim, foi muito perturbador. Tive muita dificuldade em me aproximar para estudá-lo. Conviver com ele alguns meses enquanto estava na preparação e no período de filmagem especificamente foi muito desgastante”, conta. “Ele é um extremo de violência. Começa como um cara violento em casa e essa violência vai crescendo, próximo da vida real. É uma série que toca em temas sociais e que existem no dia a dia”.

Muita gente te procura nas redes e nas ruas para falar deste trabalho? “Sim. Chegam muitos relatos impactantes. Muitas confidências . Relatos duros, sofridos , de pessoas que se reconheciam na personagem da Janete ( Camila Morgado ) e na relação abusiva que vivíamos”, diz. “Um cara como o Brandão se torna muito mais cruel quando você percebe que ele existe bem ao seu lado. Eu me sinto responsável por fazer com que o tema seja levantado, questionado e refletido, enquanto ator e cidadão. Posso dizer, para as mulheres que possam não enxergar saída nas relações deste tipo que vivem, que sempre existe saída!”.