*Por Brunna Condini
Neste sábado (1), o público pôde assistir Ana Beatriz Nogueira dando sequência às celebrações dos seus 35 anos de carreira com a estreia da nova versão do espetáculo “Tudo que eu queria te dizer”, com transmissão digital, e vendas através da plataforma Sympla. A atriz também se apresenta nos dias 8, 15 e 22 e agosto. Ana conversou com o site um pouco antes de um dos ensaios.
Ela vem se movimentando durante esta pandemia na vivência e adaptação do seu ofício e também com o trabalho em prol da classe artística, que ficou vulnerável financeiramente durante o necessário período de isolamento. “O teatro foi uma das primeiras atividades a parar, e a perspectiva para ele está estranha. Vai voltar uma hora com uma porcentagem menor de público nas salas, mas quem vai querer se arriscar? Se bem, que tem gente se arriscando, e por pouco. Mas e o outro? Tem muitos fatores nesta história, tudo muito incerto ainda. Então, estamos fazendo uso da internet e dessas plataformas que existem, para fazer o mais pertinho do teatro. E estou descobrindo que ele também pode ser feito por aparelhos”.
A atriz é responsável pela idealização e curadoria do projeto Teatro Já, ao lado do também ator e gestor do Teatro Petra Gold, André Junqueira. Os dois ficaram apreensivos com o cenário atual e partiram para a ação, fazendo teatro no palco e transmitido online, a preços populares, dando apoio financeiro a profissionais da área. “Pois é, estou tendo essa experiência de fazer teatro desta forma com o Teatro Já. Mas no sábado, vou fazer algo mais uma vez inédito para mim, transmiti de um palco que montei na minha casa, com o melhor material de transmissão que conseguimos produzir. Outros colegas que já fizeram me inspiraram. Estou fazendo o mais perto que consigo de teatro. Tem uma frase ótima do Paulo Betti, que também participa do Teatro Já, que traduz bem essa vivência: “Estamos literalmente respirando por aparelhos. Através da internet, do zoom”. Estou aprendendo muito, diariamente a lidar com essa tecnologia. Teve e ser rápido, porque eu era muito analógica”.
Ana tem aprendido e se permitido descobertas de mais uma forma de exercer seu ofício. E no sábado o público pôde se deliciar com esse novo modo de fazer “Tudo que eu queria te dizer” (a peça estreou no Rio, em 2010, e rodou o Brasil até 2016), com direção de Victor Garcia Peralta, que reúne algumas das cartas ficcionais que compõem o livro homônimo da escritora gaúcha Martha Medeiros, publicado em 2008.
Você já havia começado as comemorações pelas mais de três décadas de carreira no final do ano passado, como tem sido continuar neste cenário? “Acho que na verdade, tivemos alguma premonição qualquer, não sei. Como tinha previsão de gravar a nova novela das 21h esse ano, de fato gravei janeiro e fevereiro, e o planejamento eram de muitas gravações durante 2020. Achei que não conseguiria fazer de tetro. Então, terminei o ano passado com duas peças em cartaz, “Um Dia a Menos“, adaptada do conto homônimo de Clarice Lispector, com direção de Leonardo Netto. E também, “Relâmpago Cifrado”, escrito por Gustavo Pinheiro”, recorda a atriz, que está no elenco de Um Lugar ao Sol, de Lícia Manzo, que substituirá Amor de Mãe, com previsão para 2021.
“Agora, com essa pandemia, a quarentena, antecipar fez mais sentido ainda. Sei que a palavra “comemoração” é estranha no momento. Tem tanta coisa triste acontecendo, que se tivesse outra palavra colocaria. No Brasil está tudo trágico. Vou para o teatro, entro pelos fundos, faço a peça e volto. E, na rua, no trajeto, que é curto, vejo tantas pessoas sem máscara, próximas demais, levando a vida como se não tivesse pandemia. É demais, ficamos sem saber o que fazer. Fazemos todos os movimentos, o que é recomendável e possível, mas dá uma incerteza imensa sobre tudo”.
Tecnologia para incluir
Ana Beatriz acredita que essa linguagem em streaming nas transmissões das peças deve sobreviver pós pandemia. “O Aderbal (Freire Filho) propôs essa reflexão que as apresentações podem ter vindo para ficar. Quem sabe não está nascendo uma nanoart? Acho que vamos herdar isso, no sentido de incluir, de ser democrático. Já estava difícil rodar o Brasil com as peças. Então, ainda que você possa voltar a encher as salas um dia, podemos manter essas transmissões para chegar em mais pessoas”, analisa. “Tem uma imagem que o Paulo Betti me enviou, de umas senhorinhas, no Tocantins, assistindo à peça dele e aplaudindo no celular. Essa possibilidade me comoveu demais”.
Apesar de todo o movimento e inquietude no presente, ela revela que não foi assim desde o princípio da quarentena. “Assistia muito as notícias, o tempo todo, então era um misto de perplexidade e apatia. Mas quando você começa a se mover, sair do próprio umbigo para ajudar pessoas que estão precisando muito mais, a realidade muda. Não sabemos nada desse vírus, estamos todos tentando entender, inclusive o que está acontecendo com nossas vidas. Foi uma parada obrigatória. Temos que olhar para fora, para dentro, para o lado”, analisa.
Acredita que pós pandemia a humanidade tome um rumo melhor? “Infelizmente, não sou das mais otimistas. Muitas pessoas vão fazer versões melhores suas, é uma grande oportunidade. Mas a humanidade demora a aprender. Tem gente negando ainda o que está acontecendo. Você vê que a natureza está feliz: o mar, os animais. A questão são as criaturas. Não consigo ficar tão otimista. Em um pequeno trajeto até o teatro, por exemplo, a gente vê cenas desanimadoras. Fico pensando: puxa vida, não vamos aprender?”, questiona. “Meu otimismo é no sentido da esperança de podermos voltar a trabalhar, tomando os cuidados, de maneira segura, que apareça a vacina para proteger as pessoas. Até porque é um movimento do mundo todo procurando essa cura. Isso é poderoso, uma intenção global. Isso é positivo para que a gente saia dessa situação”.
Três décadas e meia feliz na vocação
Ana Beatriz contabiliza mais de 18 peças, 14 filmes, e 20 trabalhos na TV entre novelas e séries, além de prêmios. No elenco da nova novela de Lícia Manzo, ela revela que vai fazer uma vilã muito peculiar. “Faço a mãe do Cauã Reymond. A personagem tem um caráter peculiar, todo dela. Não é uma vilã clássica, faz as ações sob as perspectivas dela, que são valores estranhos. É uma personagem saborosa, interessante”, detalha.
“Estou louca para voltar a gravar, gravei pouco. Trabalho em uma empresa responsável e muito parceira. E estão voltando com Amor de Mãe, que tem que ter um desfecho. Acho que nossa volta para as gravações depende disso. Acredito que vamos voltando à medida que forem sentindo que é possível trabalhar com uma margem de segurança aceitável. Acho que essa retomada das gravações vai ter muita emoção. Eu já estou me emocionando por tudo”.
Do que se orgulha na sua carreira? “Olha, quero deixar claro que falo isso sem preconceitos, por favor, mas nunca fiz uma carreira pensando em ser celebridade. Sou vocacionada. Vou melhorando com o tempo. A questão de talento é a opinião do outro sobre você. A vocação é o que faz com que você persista, vá em frente, não desanime, não se acomode. Nunca parei de trabalhar, em fases boas ou momentos difíceis. A arte salva, cura, educa, é meu oficio, minha profissão. Me diverte trabalhar. Amo o que eu faço”, diz. “Tenho muito orgulho da minha trajetória vocacionada. Não tenho nada contra, mas não tenho vocação para a parte celebridade. Tenho vontade de ser atriz. Ponto. Acho que não desistimos de arriscar, vamos melhorando com o tempo. E tenho uma inquietação artística. Férias para mim são 15 dias e está ótimo (risos)”.
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