‘Precisamos reviver histórias de ícones da música para que gerações deem valor à memória’, diz Adriana Quadros


Atriz e cantora, que homenageou o centenário de nascimento de Linda Batista com show ontem, no Rio, apresentou 24 canções do vasto repertório da diva que reinou absoluta nas décadas de 1940 e 1950. “Linda arrebatava com sua forma visceral de cantar, com seu jeito cheio de atitude. Para sermos as mulheres de hoje, foi preciso existir mulheres assim como precursoras”, pontifica

*Por Jeff Lessa

No auge da glória, Linda Batista (1919-1988) costumava aportar na Rádio Nacional coberta de joias caríssimas e vestida com casacos de peles e os modelitos mais chiques e elegantes. Seus carros eram os mais reluzentes e luxuosos que o dinheiro podia comprar. Vê-la desembarcar do automóvel era um evento, parecido com presenciar a chegada de uma estrela de Hollywood a uma première em algum majestoso cinema de Los Angeles. E a Nacional foi a principal emissora carioca entre as décadas de 1930 e 1950. Irmã da também cantora Dircinha Batista (1922-1999), Linda foi a primeira Rainha do Rádio, eleita em 1937 quando tinha apenas 18 anos. No ano de seu centenário de nascimento, a atriz Adriana Quadros homenageou a diva com o show “Linda! – Uma Homenagem a Linda Batista”, ontem, no Teatro Prudential, no Rio.

“Quando eu entro em cena e canto ‘Vingança’, Linda me toma” (Foto: Frederico Mendes)

O universo da cantora não é nem um pouco estranho à atriz: “Em 2006, estreei ‘Rádio Nacional, As Ondas que Conquistaram o Brasil’. Eu interpretava quatro cantoras: Emilinha Borba, Adelaide Chiozzo, Heleninha Costa e Linda Batista. Todas tiveram uma importância enorme na história da Rádio Nacional, mas Linda me tocou muito, graças a seu temperamento libertário e cheio de atitude. Ela me arrebata”. O musical, que tinha roteiro do jornalista especializado em música João Máximo e supervisão de Bibi Ferreira, relatava os costumes da época a partir da história de uma família do subúrbio carioca.

O temperamento que tanto encantou Adriana se traduz numa mulher de humor corrosivo, temperamento explosivo, independente e bastante moderna para seu tempo. A voz, belíssima, lhe garantiu o sustento em alto luxo em um famoso apartamento em Copacabana, então o que havia de mais chique no país. A voz afinada e usada para cantar um repertório de extremo bom gosto escolhido a dedo, junto com a beleza, foi responsável por mantê-la como Rainha do Rádio por 11 anos seguidos. “Ela era uma personagem fascinante e muito complexa que pensava sempre na carreira. Acabou quando as grandes vozes deram lugar ao canto mais suave da bossa nova”, observa Adriana.

Adriana Quadros homenageia Linda Batista no centenário de nascimento da cantora (Foto de Frederico Mendes)

Tanto Linda como Dircinha foram consideradas top artists ao longo das décadas de 1940 e 1950. Amigas do presidente Getúlio Vargas, eram chamadas por ele de Patrimônio Nacional. (Há quem garanta que Linda e o Getúlio foram amantes.) Com a mudança de governo, tornaram-se íntimas também de João Goulart e Juscelino Kubitschek.

Adriana conta que não poderia ter escolhido outra cantora para interpretar. A identificação com Linda é imensa – e intensa: “Quando eu entro em cena e canto ‘Vingança’, ela me toma. Sua força vira a minha força; a coragem dela é a minha. Foi uma química que deu certo. Não fui eu que escolhi Linda, acho que foi ela quem me escolheu”.

Infelizmente, a decadência das irmãs foi dramática. Dircinha entrou em depressão e trancou-se em casa. Linda, que já tinha uma longa história de envolvimento com jogo e álcool, passou a beber cada vez mais, “esquecendo-se” de fazer as refeições. O dinheiro acumulado acabou, gasto com a sobrevivência das duas irmãs. Nos anos 80, as Batista foram encontradas no apartamento de Copacabana sem comida e sem luz. O amigo e cantor Sérgio Ricardo assumiu a “guarda” das duas e cuidou delas até o fim. Linda chegou a gravar e fez um show no Circo Voador em 1984. Morreu quatro anos depois.

“Precisamos reviver as histórias desses grandes ícones para que as próximas gerações deem o devido valor à memória nacional”, ressalta Adriana. “Linda arrebatava com sua forma visceral de cantar, com seu jeito cheio de atitude. Para sermos as mulheres de hoje, foi preciso existir mulheres assim como precursoras”, pontifica Adriana.

No palco a atriz e cantora apresentou 24 canções do vasto repertório de Linda – entre elas, clássicos como “Ô Abre Alas” (Chiquinha Gonzaga), “Madalena” (Ari Macedo e Airton Amorim) e “Quem Sabe da Minha Vida Sou Eu” (Alfeu Brito e Russo do Pandeiro). Da famosa parceria com Lupicínio Rodrigues, que rendeu sucessos memoráveis, ela interpreta as viscerais “Volta”, “Vingança” e “Foi Assim”.

Sobre “Vingança” (“Mas enquanto houver força em meu peito / Eu não quero mais nada / Só vingança, vingança, vingança aos santos clamar / Você há de rolar como as pedras / Que rolam na estrada / Sem ter nunca um cantinho de seu / Pra poder descansar”), o autor costumava dizer que era “uma daquelas minhas dores de cotovelo eternas”.

Adriana Quadros é formada em artes cênicas pela Casa de Artes Laranjeiras (CAL). Ela já participou de 29 filmes, entre eles, “Minha Mãe é Uma Peça” e “Chatô – O Rei do Brasil”. Na TV, esteve no elenco de novelas como “Amor à Vida” e “Senhora do Destino” e das séries “Meu Passado me Condena” e “As Canalhas”. Em 2015, a atriz ganhou o prêmio Bibi Ferreira de melhor atriz coadjuvante por sua interpretação da Madre Superiora no musical “Mudança de Hábito”.