Por onde anda Marcos Damigo, galã dos 90’s? Há 10 anos fora da TV, protagonista de ‘Fascinação’ fala da opção de vida


Protagonista de “Fascinação” e que atuou em “Insensato Coração” (2011) e “Joia Rara” (2013), um dos nomes promissores da televisão, Marcos está às vésperas de completar 50 anos e fala sobre a opção de abraçar outras artes. “Acho que a vida é como um flerte. Você fica, quando percebe o interesse da outra pessoa. Eu não acredito muito nesse lance de ficar correndo atrás de quem não te quer. Eu nunca fiz um movimento de estar muito presente na TV , mas me orgulho do que fiz lá. Não que eu esteja fechado a fazer TV, pelo contrário, estou ‘na pista'”. Agora, assina a direção da peça “Babilônia Tropical”, dá protagonismo à Anna Paes, dona de um engenho de açúcar em Pernambuco, no Século XVII, que construiu um império sob mão de obra escrava e a peça lança um olhar crítico sobre isso, permitindo, inclusive uma perspectiva sobre as atuais condições de trabalho

*por Vitor Antunes

Um dos nomes da nova geração de atores que surgiu no final dos anos 1990, Marcos Damigo, assim como Regiane Alves, foram as revelações da novela “Fascinação”, 1998, exibida pelo SBT. Ainda hoje a trama é um símbolo da época áurea do canal de Sílvio Santos na produção de teledramaturgia, que durou até 2001. Tanto Regiane Alves como Walcyr Carrasco, autor da novela, foram para a Globo, a contrário de Marcos, que se manteve, após a trama, em participações pontuais na TV. 25 anos e algumas reprises depois, entrevistamos Damigo, intérprete do protagonista, Carlos Eduardo. Para o ator, o afastamento das telas deve-se à falta de reciprocidade no querer de ambas as partes. “Acho que a vida é como um flerte. É possível ficar quando se percebe o interesse da outra pessoa. Eu não acredito muito na necessidade de ficar correndo atrás de quem não te quer”, compara, sobre a sua relação com a TV. Não que não goste do formato. Mas o fato de não ter havido muitas participações na televisão, ele garante que não o incomoda: “O teatro me dá mais autonomia para pensar os projetos que quero fazer. Eu não estou fechado à televisão ou nego fazê-la, pelo contrário, estou na pista (…). Ao ter optado pelo teatro, ralo mais e ganho menos. (…) Eu me sinto bem tranquilo com o tempo. Vou fazer 50 anos. Estou com as contas pagas e a vida acertadinha”, sinaliza.

Junto ao produtor e responsável pela concepção da peça, Gabriel Bortolini, Marcos Damigo dirige o espetáculo “Babilônia Tropical – A nostalgia do açúcar“, que traz à cena uma história pouco conhecida do Brasil: A biografia de Anna Paes (Carol Duarte) que viveu livremente, quebrou regras e padrões impostos às mulheres de sua época e que, aos 18 anos, ficou viúva, precisando, assim assumir a administração da propriedade voltada para a produção de açúcar. A peça se passa em Pernambuco, no século XVII, época em que o estado era um dos maiores produtores de açúcar do mundo. Naturalmente, a peça fala sobre a exploração da mão de obra dos escravizados e, sob algum aspecto, faz pensar que essa realidade não mudou tanto de lá pra cá.

No dia desta entrevista, os noticiários mostravas seis pessoas encontradas pela polícia enquanto trabalhavam em situações análogas à escravidão. E mais: uma senhora de 90 anos também foi liberta da casa onde viveu sendo explorada por mais de 40 ano, no Rio de Janeiro.  Para Gabriel Bortolini, “esses sistemas escravistas ainda existem e isso continua sendo realidade. Estamos debatendo sobre os direitos do Uber, dos motoristas do app 99, dos motoboys e das estruturas precarizadas, e do quanto esse modus operandi começou com o açúcar e ateéhoje essa estrutura é reforçada em outros corpos negros e periféricos”.

Marcos Damigo e Regiane Alves em cena dos capítulos iniciais de “Fascinação” (foto: Reprodução/SBT)

QUIMERAS MIL

Em 1998, Walcyr Carrasco era contratado pelo SBT e vinha de um grande sucesso, inédito, na Manchete, “Xica da Silva“. Ele era o autor da novela que revelou Taís Araújo na extinta TV. Sílvio Santos não puniu o autor por haver escrito para a concorrente. Em vez disso, exigiu uma história inédita para a sua emissora. Assim, em tempo recorde após o fim de “Xica”, Walcyr escreveu “Fascinação”. Com pompa e circunstância, a novela não apenas contou com a música tema gravada por Nana Caymmi como a própria Nana aparecia cantando na abertura da novela, praxe do SBT naquela época. O casal protagonista era vivido por uma, então, desconhecida, Regiane Alves e um novo talento masculino, o ator Marcos Damigo. Regiane foi para a Globo pouco tempo depois da novela, assim como Walcyr. Damigo, a contrário, fincou pé no teatro e fez obras bem pontuais na TV: “Depois de “Fascinação eu fiz “Hamlet” num teatro popular do SESC, em São Paulo, e o que nos dá condições de fazer espetáculos em temporadas longas. Eu estava muito bem, realizando coisas significativas. Ainda que reconheça que o teatro projeta menos que a TV”, analisa.

Depois da trama noventista, Damigo fez duas novelas: “Insensato Coração” (2011) e “Joia Rara” (2013). “Eu coloco minha energia em coisas mais autorais, em trabalhos como “Babilônia Tropical“, onde assino texto e direção. Mesmo quando trabalho como ator, eu gosto de participar de todo o processo. O teatro me dá mais autonomia para pensar os projetos que quero contar. Não que eu esteja fechado a fazer TV, pelo contrário, estou ‘na pista‘. Sinto que existe mesmo uma expectativa de muita gente que eu esteja na televisão. Eu estou bem. A TV nunca foi uma questão para mim, nem por haver escolhido o teatro, ainda que eu rale mais e ganhe menos”, diz, bem humorado.

Acho que a vida é como um flerte. Você fica, quando percebe o interesse da outra pessoa. Eu não acredito muito nesse lance de ficar correndo atrás de quem não te quer. Eu nunca fiz um movimento de estar muito presente na TV , mas me orgulho do que fiz lá – Marcos Damigo

Marcos Damigo e Samantha Dalsoglio em “Fascinação”, bem sucedida trama do SBT (Foto: Divulgação/SBT)

Sobre um comparativo entre as duas plataformas, Damigo diz “gostar de investigar, de não saber o que fazer. “E foi algo que vivemos na montagem de “Babilônia Tropical“. Não há tempo, na produção de audiovisual para crise criativa, não se há esse espaço. O minuto do estúdio não permite. Gosto de ter tempo, de fazer investigação, curadoria”.

Desde muito cedo na profissão, Marcos diz sentir-se bem com a passagem do tempo. “Vejo a mim com carinho, ainda que perceba um cabelo mais ralo”, diverte-se. E prossegue: “Tenho uma boa relação com o tempo. Não como carne há anos, pratico yoga e essa paz é mais importante que a saúde, que a aparência. É importante ter consciência. Eu não me sinto uma pessoa de 50 anos dentro do que se imagina, mas ao mesmo tempo, me preocupo com o trabalho. Vou trabalhar até quando? Vivo uma vida confortável, mas pago aluguel. Não dá para deixar de trabalhar. E esse, por acaso, é um dos  temas da peça. Até quando teremos que trabalhar estando as coisas cada vez mais caras, com a gente ganhando cada vez menos?”

Perguntar-se sobre onde se vai estar daqui a 20 anos tem um peso diferente quando se está com 20 e quando se está com 50 – Marcos Damigo

COM SOFREGUIDÃO, MIL VENTURAS

Marcos Damigo é o idealizador e diretor da montagem “Babilônia Tropical“, em cartaz no CCBB/RJ. A peça fala sobre a dona de um engenho de açúcar, Anna Paes, que casou-se pela primeira vez muito nova. Não tardaria para que ela o administrasse já que tão logo enviuvaria. Ela foi a responsável por tornar o seu engenho um dos mais rentáveis e notáveis de Pernambuco, durante a fase em que Maurício de Nassau (1604-1679) estava à frente daquele estado. Muito desse pioneirismo se deve, também, à mão de obra escravizada.

Marcos conta-nos que “esse projeto nasceu ligado a um outro meu, o ‘Leopoldina – Independência ou morte‘ que foi um grande sucesso no Rio. Ficamos felizes em ter havido interesse do público na História através da arte. Depois dele, tive acesso à história de Anna Paes e sobre esse Recife do século XVII. É a chance de contar este relato oculto, pouco conhecido e distante daquelas que conhecemos de forma construída para que acreditemos. Mergulhei nessa história com a intenção de montar uma peça de teatro capaz de sintetizar contradições, que eram muitas, e dizem muito de nós, especialmente desse projeto colonialista que, de alguma maneira é estruturante na sociedade contemporânea”.

Gabriel Bortolini, que também participou da concepção do projeto, além de ser seu diretor de produção, reforça, dizendo: “Tivemos a oportunidade de nos aproximar da Embaixada dos Países Baixos (Holanda) e eles nos possibilitaram uma pesquisa e uma verba para fazer uma imersão com o elenco. Trabalhamos de forma colaborativa e já observávamos questões na representações históricas, como retratar estes personagens de muitos anos atrás de forma cabível em 2023, de forma humanizada, que transite em ser antagonista e protagonista”.

Fala-se da Segunda Guerra Mundial como a um grande Holocausto, mas a escravidão negra, que também pode ser uma das maiores barbáries mundiais, nem sempre é reconhecida como deveria – Gabriel Bortolini, produtor e co-idealizador de “Babilônia Tropical”.

Gabriel Bortolini é um dos realizadores de “Babilônia Tropical”, peça que, ainda que tivesse sob a batuta de Marcos Damigo, é uma criação coletiva (Foto: Divulgação)

Marcos visitou o interior de Pernambuco e usou como referência para pautar sua montagem o engenho Poço Comprido, único colonial no nordeste, que embora seja do Século XVIII é o mais próximo daquele que Anna Paes viveu. Sediado na cidade de Vicência ele virou um museu comunitário regional e permite sentir quais eram as condições de vida naquela época. “Estamos vivendo, em muitos sentidos, uma necessidade de reelaborar nossa própria história e a peça se insere nesse território”, diz Damigo.

Gabriel, por sua vez destaca como deu-se a parceria que edificou a peça: “Pensamos sobre como falar dessas potencialidades e retratar uma escravocrata, e assim surgiram as potencialidades desse projeto. Foi bonito por que nesse processo colaborativo, vimos como nós, em grupo, não concordamos com tudo o que estava sendo levado ao palco, mas nos respeitamos nos limites da história que queríamos contar para o público”.

Cria dos bairros de Rocha Miranda e Engenho de Dentro, regiões periféricas da capital fluminense, Gabriel diz que “o preconceito se estabelece de muitas maneiras. Sou preto, periférico, gay. Tento elaborar produção teatral de maneira diferente. Produzir teatro, para mim, precisa ser algo além da burocracia e das planilhas”. Como a meta de ambos é fazer pensar a contemporaneidade ainda que seja uma trama de época, tanto Gabriel como Marcos falam sobre como enxergam o trabalho escravo no contexto moderno: “Recentemente soubemos que 9 pessoas estavam em situação análoga à escravidão, na Bahia. Os sistemas escravagistas existem tanto que ainda está se debatendo sobre os direitos dos motoristas de aplicativo e das estruturas precarizadas de trabalho, que se repetem desde o Século XVII. O quanto isso é abalador para as estruturas sociais contemporâneas? O que a sociedade está fazendo para mudar isso?”. No dia 6/9 foi tornado publico no Rio um caso de uma funcionaria de 90 anos que há 40 vivia condição análoga a escravidão. “Há, ainda hoje”, diz Marcos, “muitos trabalhos nestas condições ainda que haja maior fiscalização. A ideia de ceder sua força de trabalho compulsoriamente ou voluntariamente de forma assalariada é estruturante da sociedade”.

Marcos Damigo dirige peça que conta a desconhecida história de Anna Paes, no Rio (Foto: Renan Martins)

Ainda que se volte o olhar para a condição do trabalhador, só se pode compreender quem o é. A arte que se debruça sobre o palco conta o trabalho que hoje é plural na precariedade. Segundo artigo publicado pela USP, “Nos últimos meses, denúncias de trabalho escravo e trabalho análogo à escravidão ganharam espaço nos veículos de comunicação. O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) [aponta que há] mais de 2,5 mil pessoas em situação análoga à escravidão e que foram resgatadas no ano de 2022”. Enquanto a Academia discute a diferença entre trabalho escravo e trabalho análogo à escravidão, explodem o subemprego, a subalternidade, a subinfelicidade.