“Temos a arte para não morrer da verdade”. A frase de Frederich Nietzche foi dita pela atriz Camila Lucciola para definir a função da peça “Por Isso Fui Embora”, que está em cartaz no Teatro Clara Nunes, no Shopping da Gávea, de quinta-feira a domingo. Com Joaquim Lopes, Priscila Fantin e Flávio Rocha no elenco, além de Camila, o espetáculo tem o objetivo de mostrar, através de personagens comuns da sociedade, que nada é tão raso como pode parecer. Segundo Joaquim Lopes, o texto de Juliana Frank, que foi escrito em 2012, é um choque no pensamento mais conservador. “Eu acho que o grande tesão dessa peça é a quebra de paradigma que nós propomos. As pessoas que assistem à peça podem ter uma leitura superficial dos personagens, mas, no decorrer do espetáculo, elas vão se identificando com situações que, normalmente, não admitiriam. E isso é muito interessante”, disse o ator que contou que se apaixonou pelo texto desde a primeira leitura.
Assim como Joaquim, Priscila Fantin destacou a força e a intensidade do texto de Juliana Frank. De acordo com a atriz que já tem mais de 15 anos de carreira, a obra é totalmente diferente do que os atores normalmente recebem. “Este é um enredo que tem muita filosofia e transita nas entranhas do psicológico dos personagens. Não é tão objetivo, corriqueiro e nem linear. Eu adoro personagens que sejam verticais e peças que questionem os conceitos já formados”, argumentou Priscila que foi além. “O que eu acho mais legal do enredo desta peça é porque logo de cara nós conseguimos identificar o casal direitinho que vive junto e a mulher que é mais liberal. Na verdade, se olharmos de fora, eu acho que as duas mulheres da peça são dois universos dentro de uma mesma pessoa”, analisou.
Para traduzir todo o conceito ideológico da peça, o diretor Regis Farias estabeleceu três personagens característicos para contar a história de um homem casado que se cansa da monotonia do dia-a-dia e vai procurar na rua a diversão e a liberdade proporcionadas por uma amante espontânea e autêntica. Este marido é Martin, personagem de Joaquim Lopes. “Ele é um fotógrafo que vive um casamento que caiu no cotidiano e na mesmice. Em certo momento, ele decide olhar para a vida fora do apartamento dele e acaba conhecendo a Círes. Ela é uma mulher, aparentemente, super diferente da esposa, que é muito certinha e dentro do padrão da sociedade. E, quando ele conhece a Círes, ele enxerga nela uma libertação e uma possibilidade de ser livre. Mas aí, entra a questão do que é ser livre”, explicou Joaquim sobre seu personagem.
Já a esposa certinha, apontada por Joaquim Lopes, é Pérola, interpretada por Priscila Fantin. Sob as rodas de um patins durante todo o espetáculo, a atriz tem a missão de viver aquela típica mulher tradicional que gosta de viver uma vida tranquila com o marido. “A Pérola, provavelmente, é de uma família super clássica e que tem aqueles sonhos de uma mulher perfeita nos moldes da sociedade padrão. Então, ela queria casar, montar a casa, ter filhos… No momento em que ela realiza esses sonhos, ela se acomoda. Como se a partir desse momento a vida já fosse suficiente daquela forma. Ou seja, a Pérola é aquela típica mulher acomodada que não quer sair da sua zona de conforto”, definiu.
Compondo este triângulo amoroso, Camila Lucciola é Círes, uma mulher livre, sem pudores e que aproveita a vida da maneira que lhe convém. Escritora, a personagem de Camila é a tradução do sentimento de liberdade. No entanto, a mulher se vê confusa no momento em que se apaixona por Martin, o que, para ela, não é certo se prender a um único homem. “Apesar de a peça ter um estereótipo dos personagens que podem ser rotulados da mulher livre, da casada e do cara que tem uma amante, ela fala sobre algo muito maior. Eu vejo esse enredo como uma provocação aos quereres que temos que lidar o dia inteiro em todos os momentos da vida. E, para mim, a Círes já entendeu que ela tem essas múltiplas vontades e sabe lidar melhor com essa situação. Sobretudo, eu acho que a peça é um reajuste de como cada um de nós podemos lidar com as vontades e as pluralidades de sentimentos inseridos nesses padrões sociais”, avaliou Camila, que teve sua opinião completada por Joaquim Lopes. Em entrevista, o ator disse que acredita que a peça gere uma identificação maior do público por causa da surpresa provocada. “Nós não estamos falando só do cara casado, da mulher certinha e da amante. É muito mais que isso. Eu acho que essas rotulações estão tão presentes no nosso cotidiano que as pessoas ficam tentando se encaixar nesses padrões”, concluiu.
Toda essa questão do relacionamento e da função do amor na sociedade contemporânea é pautada por uma afirmação que, para Camila Lucciola, não é possível fazer. “Não tem como a gente dizer com precisão que vai amar para sempre uma mesma pessoa e que será fiel eternamente. Do mesmo jeito que eu não consigo prever que vou ficar com essa mesma pessoa até a morte, como temos que jurar diante de um padre em uma igreja no casamento. Mas, se você não fizer isso, acaba morrendo de culpa. E esse sentimento é muito forte e vem da religião. Nós somos criados para sentir culpa, até pelos nossos próprios sentimentos mais verdadeiros. O que a gente sente nunca pode estar errado, é individual e legitimo”, argumentou.
Não por acaso, a peça é um choque no tradicionalismo imutável da sociedade justo em um momento de transformações constantes. E, como destacou Joaquim Lopes, a função da arte é justamente provocar a reflexão das pessoas de uma forma rica e plural. “Eu acho que nós estamos aqui para questionar, transformar, proporcionar discussões e reflexões. E mais que isso: acho que essa peça tem uma missão muito importante de falar para as pessoas que está tudo bem se elas quiserem ter um pouquinho de Círes, de Pérola ou de Martin. Fora que existe uma questão de igualdade de gênero na história também. Nós somos iguais e temos os mesmos desejos. Se somos homens ou mulheres é por uma simples definição de palavra.”, disse o ator.
Com a função de interpretar os diferentes companheiros de Círes na peça, Flávio Rocha completou o pensamento de Joaquim afirmando que o texto de Juliana Frank tem a missão de “quebrar tabus”. “A peça é um choque nos costumes patriarcalistas da nossa sociedade. Eu acho que este espetáculo mostra que tudo o que queremos pode ser questionado e que pode dar certo em um lugar e não dar no outro. Esse equilíbrio constante que buscamos pode não ser, necessariamente, possível”, apontou.
Local : Teatro Clara Nunes, Shopping da Gávea
Sessões: de quinta a sábado às 21h e domingo às 20h
Duração: 1h15m
Classificação Etária: 14 anos
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