*Por Jeff Lessa
Pouco menos de dois meses depois de mostrar seu talento como cantora no Rio, em ‘Caravana Tontería’, Letícia Sabatella volta à cidade com mais um espetáculo em que solta a voz. Na próxima sexta-feira (dia 5), ela estreia a peça ‘Piaf e Brecht, a Vida em Vermelho‘, de Aimar Labaki, no Teatro Prudential, com direção de Bruno Perillo. Inspirada pela ambiance dos esfumaçados cabarés dos anos 20 do século passado, a peça acompanha um encontro fictício entre a cantora francesa Édith Piaf (1915-1963) e o dramaturgo e compositor alemão Bertolt Brecht (1898-1956) – papel de Fernando Alves Pinto, seu ex-marido. “Eles foram contemporâneos, viveram entre duas guerras mundiais. Poderiam ter se encontrado, mas isso não aconteceu”, conta Letícia. “Na peça, nós brincamos com a polaridade entre os dois. Piaf poderia ter sido uma personagem de Brecht. Os dois têm em comum o fato de terem dado voz aos oprimidos”.
No palco, os personagens da vida real são Bertoldo e Edite, que não se “bicam”. Ele é pragmático, mulherengo e comunista inveterado. Ela é romântica e acredita na força do amor. Eles travam uma espécie de duelo musical, cada um querendo provar que é melhor que o outro: “Os dois se detonam o tempo todo. Piaf acusa Brecht de cético, ele devolve dizendo que ela é melodramática. É diversão popular, entretenimento puro”.
Letícia lembra outra diferença radical entre as duas personalidades. Seguindo uma prática comum entre alguns artistas na França ocupada pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial, Piaf apresentou-se em campos de prisioneiros de guerra franceses com cachê pago pelos alemães – atitude que Brecht jamais aprovaria. “Ele foi expulso da Alemanha pelo regime nazista. Por outro lado, a Piaf ajudou a libertar muitos franceses”, observa Letícia. “Com sua força e resistência, ela ajudou muita gente a resistir”.
E esses dois ícones do século XX, de personalidades e modos de agir tão díspares, teriam condições de ser amigos na vida real? “Ah, não posso dizer. Mas como artistas acredito que sim, seriam amigos”. A atriz não se cansa de demonstrar sua admiração pela grande dama da chanson française, que tinha nas vestes negras uma de suas marcas registradas. Para ela, encarar a voz rascante de Piaf e suas canções difíceis é um sinal de amadurecimento como atriz e como cantora. “Édith Piaf tinha um modo próprio de cantar, com toda lapidação, ela preserva a voz vívida. Me sinto muito comovida em cena de estar recebendo essa entidade, essa força que é Piaf. O lugar da voz também, porque é um lugar de muita força, de muita emoção”.
A força da mulher real, seus inúmeros sofrimentos e sua resiliência tocam fundo no coração de Letícia. “Quando o cara que estendeu a mão para ela foi assassinado, ou seja, a única pessoa que ajudou aquela mulher, ela foi considerada suspeita. A carreira estava começando e ia bem, mas foi destruída. Ela voltou para a prostituição, foi cantar em bares, passou a beber. Foi muito difícil”, conta a atriz. “Mas resistiu com sua enorme força interior. Pediu ajuda para recomeçar. Enfrentou todas as dificuldades e deu não apenas voz ao bas-fonds, ao submundo, ela conferiu dignidade a pessoas marginalizadas pela sociedade. A letra de ‘Milord’ diz muito sobre o que ela enfrentava. É totalmente autobiográfica”.
(Em “Milord”, de 1959, uma prostituta chama um homem nobre e belo para sentar-se à sua mesa em um bordel: “Venha, Milord / Sentar-se à minha mesa (…) Eu o conheço, Milord / O senhor nunca me viu / Eu sou apenas uma mulher do porto / Uma sombra da rua”)
E pensar que essa verdadeira fortaleza tinha apenas 1m42 de altura… Aliás, vem daí o apelido Piaf, recebido quando tinha 20 anos. “Piaf” é a maneira coloquial francesa de chamar um tipo de pardal.
Letícia ressalta que as questões sociais de que tratam as canções de Piaf e as obras de Brecht são atemporais. Talvez por isso, boa parte do público seja formado por pessoas jovens (A peça vem de uma bem-sucedida temporada paulistana, onde já testou o público e suas reações.) A atualidade do espetáculo também poderia explicar a atração exercida sobre os jovens: o embate entre Piaf e Brecht não é só uma disputa para saber quem é melhor artista. É, também, uma competição para impor uma ideologia para a vida – tipo de atitude que o Brasil de hoje conhece muito bem.
Letícia Sabatella e Fernando Alves Pinto interpretam 18 canções dos repertórios de Édith Piaf e Bertolt Brecht. A atriz conta que a maioria é cantada em português. Confira a lista:
Padam, Padam
Alabama Song
Canção do Rio Moldau
Je m’en fous pas mal
Bilbao Song
La Java Bleue
La Foule
La Goulante du Pauvre Jean
Paris
Balada da dependência sexual
Jenny e os piratas
My Ship
Mack the Knife
Hino ao Amor
La Vie en Rose
Millord
Non, Je ne Regrette Rien
À Quoi Ça Sert L’amour
Alabama Song (bis)
SERVIÇO
Teatro Prudential: Rua do Russel 804, Glória – 2558-3862
Sextas e sábados, às 20h. Domingos, às 19h
Sexta: R$ 70 e R$ 35 (meia)
Sábado e domingo – Setor 1: R$ 80 e R$ 40 (meia) / Setor 2: R$ 75 e R$ 37,50 (meia)
5 de julho a 4 de agosto
12 anos
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