“O coronavírus acabou com nosso trabalho, mas não com a inquietação. Somos antenas do mundo”, diz Cristina Fagundes


Criadora do coletivo Clube da Cena, que reúne 43 artistas, entre atores, autores e diretores, Cristina Fagundes mostra que a arte resiste como pode à pandemia e vai levar o teatro para dentro da casa do público. O projeto Clube da Cena Lives começa nesta segunda (18) e vai até 26 de junho, com uma cena por dia, que terá três versões dirigidas pelo público, via comentários do Instagram. “Queremos essa troca, estamos todos muito solitários”, diz a atriz

*Por Simone Gondim

Em tempos de isolamento social, com teatros fechados e a maioria dos projetos culturais em pausa, resistência é a palavra de ordem no meio artístico. Enquanto a febre das lives se espalha pelas redes e ganha até transmissão por canais de TV, a atriz Cristina Fagundes, criadora do coletivo Clube da Cena, reuniu sua turma e botou a mão na massa para matar a vontade de palco. O projeto Clube da Cena Lives, que começa nesta segunda-feira (dia 18) e se estende até 26 de junho, vai apresentar uma cena de ficção por dia no Instagram @clubedacena, dando ao público a chance de participar do processo criativo – quem estiver assistindo poderá dirigir três variações da cena original.

“O coronavírus acabou com nosso trabalho, mas não com a nossa inquietação. Somos antenas do mundo, estamos sempre digerindo o que está acontecendo”, diz Cristina. “Em momentos de crise, ficamos mais ativos do que nunca, mas tem esse paradoxo de não poder estar fisicamente no teatro”, observa.

A ideia do teatro interativo surgiu a partir de conversas no Clube da Cena, que sempre trabalhou em esquema de revezamento de equipes. O coletivo existe há 12 anos e é formado por 43 artistas, entre atores, diretores e autores. “Somos capazes de estrear, se quisermos, uma peça por semana, composta por cinco cenas”, explica Cristina. “A gente costuma entrar em cartaz uma vez ao ano ou a cada dois anos, passando dois meses estreando uma peça por semana. Somos um coletivo muito efervescente de criação”, acrescenta. Com a pandemia, os integrantes decidiram fazer ficção via live. “Acionei o coletivo e conversamos, discutindo de que forma poderíamos estar presentes nesse momento. Tinha vontade de usar as lives e chegamos a esse formato, cenas inéditas com duração de dois minutos e a possibilidade de interação com o público. Queremos essa troca, estamos todos muito solitários”, conta a atriz.

Em tempos de pandemia, o coletivo conversa por videochamada (Foto: Arquivo pessoal)

Cristina adianta como serão as lives, que terão um tema diferente por semana e serão apresentadas de segunda a sexta, às 22h. Três já foram definidos e a ordem de apresentação é: “isolamento”, “comidae “descoberta”. Em cena, sempre dois atores, interagindo por videochamada. “Não estamos importando conteúdo já pronto ou postando repertório de peças. Criamos uma dramaturgia específica para essa ferramenta do Instagram. Por isso, a estrutura de looping, de cenas curtas, valorizando a interatividade”, descreve a atriz.

Primeiro, a dupla interpreta a cena como foi criada pelo coletivo. Depois, os atores perguntam ao público o que querem de emoção; em seguida, o público escolhe alguma mudança física e/ou espacial; por último, os comentários são abertos para que os espectadores dirijam a cena ao vivo. Apesar da interatividade, Cristina revela que há regras. “São crônicas do cotidiano, retratando esse momento atribulado que estamos vivendo. Os autores entregam um texto de até 1.700 caracteres com espaços, sem fugir da realidade. O cenário será onde estivermos, mas são permitidas pequenas adaptações, como transformar um escritório em um quarto. E o texto não pode ser mudado, para não perder a referência”, afirma.

“Fiz da minha casa um lugar de amor e proteção”, diz Cristina (Foto: Renato Mangolin)

Ao fim de cada apresentação, caberá ao público escolher os melhores momentos. Todo domingo, o canal do YouTube do Clube da Cena terá um vídeo com as cenas originais da semana e as eleitas pelos espectadores. “Muitos atores do coletivo vêm de uma escola de improviso. Vai ser um exercício de concentração para eles e algo muito divertido para o público, que pode dirigir a dupla, ao vivo, na segurança de casa. Não teremos como seguir todos os comandos dados, mas tentaremos fazer o máximo possível”, avisa Cristina.

Por conta da pandemia e das medidas de isolamento social, todos os ensaios para o Clube da Cena Live estão sendo feitos por chamada de vídeo. “Somos 43 artistas que não nos encontramos de jeito algum. Não nos vimos nem vamos nos ver nesse processo, ensaiamos por meio de plataformas que nos permitem estar em contato visual, trocando muitas mensagens e criando essa união. A sensação que eu tenho é de que estou ensaiando fisicamente com eles. É muito curioso. Estamos juntos, ainda que separados fisicamente. Essa sensação de conexão faz muito bem à alma”, confessa Cristina.

Cristina em família, durante a quarentena (Foto: Reprodução Instagram)

A rotina doméstica de Cristina também precisou mudar por causa da pandemia. O melhor amigo da atriz, atualmente, é o cronômetro. “Equilibrar tudo é uma gincana. Eu e meu marido nos revezamos, temos duas filhas pequenas. Fico uma hora e meia com elas, aí acaba o horário, praticamente com despertador, ele assume o posto e eu corro para o escritório para trabalhar. A gente vai alternando, o dia inteiro. Acordo muito cedo, por volta das 7h30, e vou dormir meia-noite. Então, ando cansada”, desabafa. “Tenho feito videoligações para a minha mãe. Nem sempre a gente conversa, ela me vê preparando o café, eu vejo o que ela está fazendo. Ela me disse que tem a sensação de que estou na casa dela”, diverte-se.

Para manter a mente sã, Cristina recorre a exercícios e meditação. “Um entretenimento que me faz bem é botar zumba e forró na TV. Danço com minhas filhas na sala. O local é pequeno, mesmo assim a gente joga uma bola leve que eu tenho. Criei um jogo em que a gente tem que dançar e jogar bola ao mesmo tempo”, revela. “Procuro me exercitar, dentro do possível. Dou uma fugidinha e medito dez, 12 minutos. Também procuro ler livros que falem sobre superação e resiliência, mostrando como as pessoas superaram tragédias”, completa.

“Acho que criamos uma Arca de Noé aqui em casa, um lugar de amor e proteção. A arte é fundamental nesses momentos de angústia social, porque nos evadimos ao mesmo tempo em que estamos aqui, refletindo. Nos divertimos. A arte tem nos salvado. O fator que tem me ajudado mais é a criação. Todos deveríamos, de alguma forma, estar conectados com a arte nesse momento”, acredita.