O amor em tempos de pandemia de Coronavírus


Nesse artigo, o primeiro da série ‘Amor’, o jornalista Alexei Waichenberg pontua: “Amar em tempos de pandemia é fortalecer suas amizades, criar novas redes, investir nas artes, ler mais, cantarolar, dizer poemas, falar cara a cara, oferecer flores, distribuir carinhos, usar a tecnologia e a ciência para que intrusos, como esse vírus, não nos possa desprevenir e para que possamos proteger e oferecer algum futuro aos nossos filhos e netos”

Ilustração (feita exclusivamente para essa crônica), assinada pelo artista plástico Leandro Figueiredo, atualmente morando no Porto, em Portugal

*Por Alexei Waichenberg

No exílio das nossas próprias casas, neste desterro de pensamentos desordenados, no banimento a que fomos submetidos, no abandono da própria fé na vida, vim aqui propor uma reflexão de amor, pelo dever de, simplesmente, não irmos a lugar algum e de nos restar mergulhar no único espaço, onde podemos e teremos que visitar com mais frequência, a partir destes dias, que antecedem o renascimento – o universo de nós mesmos.

Antes da festa que é estar conosco mesmo, ou pelo menos deveria ser, quero observar que as pessoas até agora viviam a considerar o amor próprio como a forma de amor mais importante. Mas haveria um amor impróprio?

Para mim, o amor é uma bomba propulsora de bons acontecimentos. E a felicidade, o único estado da psique, que pode ser ameaçado pelas derrotas. Ademais, o que sobrava até um mês atrás, de maneira estranha, era o grande desejo da maioria, que só encontrava o prazer na declaração improdutiva de liberdade.

E o que fazer agora que já não estamos livres, que estamos sendo dizimados aos milhares, sem que outra reação possa ser empunhada, a não ser o isolamento? E agora?

Nos resta entender que um vírus de 400 a 500 nanômetros, e eu nem sei que medida é essa, chegou de maneira repentina no mundo todo. E, em meio a esta pandemia, também aflorou em todos nós um alerta de amor.

Um alerta que deixa claro que o que vínhamos fazendo estava a arruinar o planeta, que a nossa maneira de nos relacionarmos com conflitos gratuitos, ganância, hipocrisia, preconceitos de raça, de credo e de gênero, insultos, discussões políticas, a busca obsessiva pela matéria, já nos havia condenado a todos.

Um alerta compulsório a clamar que paremos de nos matar, de destruir a natureza tão importante à nossa sobrevivência, nossa subsistência, nossa simples e tácita existência.

Alexei indaga: “E o que fazer agora que já não estamos livres, que estamos sendo dizimados aos milhares, sem que outra reação possa ser empunhada, a não ser o isolamento? E agora?” (Foto: Sergio Aires)

Um alerta pelo fim dos conflitos, da violência, da inveja, do egoísmo, da superficialidade, um alerta para que voltemos a enxergar o outro, a compartilhar nossas vitórias, a proteger a quem nos faz felizes, a acolher nossa família.

Amar em tempos de pandemia é amar na guerra e aprender que, para o nosso renascimento, nossa ressurreição, precisamos saber o verdadeiro valor do abraço, do beijo, do sexo, do convívio. É exercitar a empatia, o corpo, caminhar mais lento, estudar a humanidade, cuidar de seus velhos.

Amar em tempos de pandemia é fortalecer suas amizades, criar novas redes, investir nas artes, ler mais, cantarolar, dizer poemas, falar cara a cara, oferecer flores, distribuir carinhos, usar a tecnologia e a ciência para que intrusos, como esse vírus, não nos possa desprevenir e para que possamos proteger e oferecer algum futuro aos nossos filhos e netos.

Valorizemos nossos profissionais de saúde e de pesquisa. Esqueçamos o amor próprio, quando ele vem disfarçado de egocentrismo, sejamos individuais e resolvidos sim, por que não? Mas precisamos levar em consideração de que cada alma, diferente e livre, conta e conta muito.

Ao mergulhar em mim, eu percebo que o meu amor só alcança sua plenitude quando posso manifestá-lo por outro Ser humano, de uma forma que o faça reverberar em mim mesmo, tornando gloriosas as minhas conquistas e as minhas realizações.

Esse amor próprio que se encerra em mim deve querer dizer que estou livre para exercer o meu amor por outra pessoa, para reinventar o amor e suas diversas formas todos os dias, para restaurar o que no outro é capaz de definhar pelo estranho vício que temos de querer o que ainda não temos. Nunca para destruir o que erigimos só pela imaturidade de que podemos, sozinhos, conquistar os nossos desejos.

Não sou do tipo que me satisfaço com a imagem projetada no espelho da academia ou na variedade de corpos e formas diferentes, que posso jogar na minha cama, com cláusula de retirada e toque de recolher ao amanhecer. Para esse orgasmo senhores – sexo virtual.

Não consigo me transportar em livros, achar que estou reproduzido num personagem do cinema ou numa trama cheia de curvas de dramaturgia dos bons roteiristas de novela. Talvez porque eu entenda que cabe a mim mesmo escrever minha história.

“Ao mergulhar em mim, eu percebo que o meu amor só alcança sua plenitude quando posso manifestá-lo por outro Ser humano, de uma forma que o faça reverberar em mim mesmo” (Foto: Sérgio Aires)

Eu quero é o brilho no olho, o sorriso largo e bonito, mesmo que isso me traga os problemas do dia-a-dia, as mesmices da convivência. Eu quero dividir as dificuldades, o perrengue junto, multiplicar as realizações e os êxitos.

Eu quero a segurança de ser amado, ir junto ao japonês. Quero e vou cuidar do meu amor, sem pressa.

Então, terráqueos, depois que isso tudo passar, voltem à prática da cozinha, preparem aquele tempero para quem vocês amam. Abram uma bebida, ofereçam na sua melhor taça. Arrumem suas casas. Durmam de conchinha.  Não troquem o carro e venham me visitar no Porto. Prometo que faço um bacalhau supimpa.

Chega de tanto antidepressivo, chega de nutrirem desilusões e essa saudade de tudo que vocês nem tiveram a coragem de viver. Tomem um uísque comigo.

O bem será restaurado. Voltaremos a poder desfrutar um do outro, porque o mundo está acabando, mas a alegria de viver ao lado de cada um de vocês, essa não vai esmorecer.

Fiquem em casa e nos encontramos semana que vem.

*Jornalista com sintomas de amor crônico