O amor e o tempo: na quarentena, uma reflexão profunda sobre essa eterna sinergia


Nesse artigo, o jornalista Alexei Waichenberg pontua: “Muita coisa permanece, vence o tempo. A injustiça, o preconceito e a covardia ainda correm soltos por aí. Mas, no amor, qualquer coisa está mudando. A emancipação irrestrita da mulher vem estourando os balões machistas, que deixaram um rastro desconcertante para a civilização contemporânea”

Ilustração (feita exclusivamente para essa crônica), assinada pelo artista plástico Leandro Figueiredo, atualmente morando no Porto, em Portugal

*Por Alexei Waichenberg

“Batidas na porta da frente. É o tempo! ”

O tempo inexorável que agora decidiu juntar-se a um inimigo contra o qual ainda não encontramos proteção e que, agora, resolveu levar nossos velhos e nossos ídolos de forma tão precoce. Aldir Blanc faz falta, cada vida que se vai nos deixa ainda mais acuados, temerosos e sem esperança. Está certo de que nossa existência é mesmo para andar na corda bamba, mas precisamos ser valentes e confiantes.

O tempo, no entanto, também nos traz sabedoria, transformação e adaptação, sobretudo na forma de amar. E qual seria o papel do amor senão satisfazer os amantes? Se imaginarmos, por exemplo que Simone de Beauvoir, precursora do feminismo moderno, viveu no século passado uma relação aberta com Sartre por quase 50 anos, fica fácil entender porque não nos surpreende que depois de 30 e poucos anos de sua morte o existencialismo comece a nos parecer natural.

Muita coisa permanece, vence o tempo. A injustiça, o preconceito e a covardia ainda correm soltos por aí. Mas, no amor, qualquer coisa está mudando. A emancipação irrestrita da mulher vem estourando os balões machistas, que deixaram um rastro desconcertante para a civilização contemporânea.

O jornalista Alexei Waichenberg pontua: “Continuemos a combater a violência doméstica, o amor abusivo, perseveremos em fazer valer a diversidade e o contorno de cada um” (Foto: Sergio Aires)

Se o poder exaure a conquista e o saber a pesquisa, por onde vaga a exaustão do amor?

Eu, sem compromisso de pastorar a evolução humana, quero dar meu testemunho. A saber, sem salvas:

Gastei todas “as vidas” (nós sempre temos chance de mudar o pensamento) prometendo o que eu não tinha, revertendo o que eu não cri, desfazendo o que eu muitas vezes nem cheguei a fazer. E agora?  Agora acredito no amor moderno. Ufa! Deu tempo. Paguei pela língua. Creio piamente que está na renovação dos votos, dos votos escrutinados, que secretamente nos torna eleitos e elegíveis pelos novos candidatos, a saída para os dias que vão pautar as próximas décadas.

Agora, somos nós mesmos a esticar o arco para atingir, sem flechas, o amor que acalenta e é nele que podemos nos fiar. No amor que surpreende, que nos faz urrar do prazer de saber que somos nós a gozar e nunca a quem aprouver a expectativa de ser amado.

Aos que insistirem associar o amor à imagem de um ser, que tudo suporta por simples instituição, antecipo o gosto amargo e o terror de compreender que seu tempo passou. Continuemos a combater a violência doméstica, o amor abusivo, perseveremos em fazer valer a diversidade e o contorno de cada um.

Porque juntos somos fortes e ninguém vai soltar a mão de ninguém. Sigamos, porém, sem amarras e sem correntes. É o tempo!