“Nunca fui de muvuca. Tenho hipersensibilidade sensorial, descrição que um autista daria”, diz Alessandra Maestrini


Na TV, ela está na reprise de Toma Lá, Dá Cá, e, no teatro, após quase sete meses, atriz faz apresentação única do espetáculo O Som e a Sílaba, na qual sua personagem tem a Síndrome de Asperger, forma mais branda do autismo. Sobre o isolamento social é enfática: “Quando veio esse negócio do ‘Fique em casa’, eu falei: ‘Nossa, parece que o mundo finalmente entrou em sintonia comigo. Sou conhecida como aquela que foge das festas. E se vou, fico um tempinho e desapareço. Sou conhecida como a Mestre dos Magos. Já estou em quarentena faz tempo”, frisa, acrescentando: “Em festa, quando tem muita gente, som bem alto, muita luz, para mim não é uma alegria. Por isso que eu digo, às vezes, a gente acha que é mais diferente e não é tanto. Sensorialmente e emocionalmente e esses traços, quando mais exacerbados, são sintomas do autismo. Então, às vezes, o autismo é só uma exacerbação de uma reação que muitos têm”

* Por Carlos Lima Costa

A arte sempre serviu para retratar temas que levam à sociedade a pensar e a debater a inclusão social. Assim, tem sido alguns dos papéis mais recentemente interpretados por Alessandra Maestrini: o policial trans, Rocha, na série Eu, a Vó e a Boi, ano passado, e a jovem autista Sarah Leighton, na comédia musical O Som e a Sílaba, cuja turnê foi interrompida, em março, quando foi decretada a quarentena por conta do Covid-19. Em comum, o fato de ambas as produções terem o roteiro e a direção de Miguel Falabella.

“Os trabalhos dele são sempre de inclusão. Miguel é uma pessoa especial para mim. Esses personagens não só foram importantes na minha vida e maravilhosos, mas todos escritos especialmente para mim. Então, me sinto honradíssima, privilegiada. Tenho um prazer imenso em trabalhar com ele. A gente conhece muito bem a linguagem um do outro. O Miguel sabe que ferramentas vou usar quando escreve algo para mim e eu sei o que que ele quer de mim, então, é pinto no lixo. A gente brinca junto. É como um casamento de longa data”, explica. E ressalta que a empregada doméstica Bozena do seriado Toma Lá, Dá Cá, do mesmo autor, que está sendo reprisado na Globo, segue a mesma linha de inserção.

Alessandra não vê a hora de poder retomar a turnê da peça. “A gente continua recebendo convites. Está todo mundo só esperando a segurança suficiente para os teatros poderem reabrir com uma porcentagem menor da casa garantindo assim o distanciamento”, diz. E lembra que, nesta quinta-feira, dia 8, poderá ser autorizada a reabertura das casas de espetáculos. Por coincidência, na mesma data, depois de quase sete meses, irá fazer apresentação única de O Som e a Sílaba dentro do projeto Palco Instituto Unimed-BH em Casa. Ela irá encenar no Teatro Claro Rio, que não terá ninguém na plateia. Haverá transmissão online gratuitamente, às 20h30, pelos canais YouTube do Sesc em Minas Gerais, do Teatro Claro Rio e pelo canal 500 da Claro Rio. “É a primeira vez que estamos fazendo nesse formato. Vamos descobrir na hora como se faz”, ressalta.

Alessandra interpreta uma autista em O Som e a Sílaba (Foto: Cristina Granato)

Alessandra interpreta uma autista em O Som e a Sílaba (Foto: Cristina Granato)

Na peça, que ela vem encenando desde 2017, sua personagem tem a Síndrome de Asperger, forma mais branda do autismo. Com talento para a música, tem aulas com professora de canto vivida por Mirna Rubim, um encontro que transforma a vida de ambas. “Falando genericamente, ao longo do tempo possivelmente a gente conhece muito mais autistas do que nos damos conta, porque existe uma gama enorme dentro do autismo desde o mais grave ao mais leve, cada um é único. Então, os sintomas dificilmente são os mesmos de uma pessoa para outra. Às vezes, alguém fala que não conhece ninguém que é autista. Será? Até a gente mesmo da equipe de criação do espetáculo, todo mundo se identificou muito com as questões. Eu mesma sou hipersensível sensorialmente e emocionalmente e esses traços, quando mais exacerbados, são sintomas do autismo. Então, às vezes, o autismo é só uma exacerbação de uma reação que todo mundo tem”, reflete.

Para construir a personagem, Alessandra pediu para conhecer alguém que fosse Asperger. “Julia Balducci, uma jovem cineasta, generosamente topou conversar comigo. Lemos o texto juntas, perguntei se ela sentia falta de algo, se alguma coisa a incomodava, demos risadas, ela disse que se identificava e que eu não me preocupasse, pois ia ser muito bacana. E assim foi, a comunidade autista nos recebeu de braços abertos, todos falam ‘é a história da minha vida’, porque é uma história de superação, de acreditar nos próprios sonhos e de abraçar as próprias idiossincrasias de que as diferenças de cada um no final das contas é o que nos aproxima e nos enriquece nessa vida. Se tudo der certo, vamos continuar rodando o país com este espetáculo que encanta as pessoas”, explica ela, que mais uma vez em cena une a interpretação com o canto. “Esse é o meu lance”, diz.

Em relação à pandemia e o consequente isolamento social, Alessandra enfrentou de forma serena. “A Rita Lee comentou algo e eu me identifiquei. Já estou em estado de quarentena há muito tempo (risos), então, quando veio esse negócio do ‘Fique em casa’, eu falei: ‘Nossa, parece que o mundo finalmente entrou em sintonia comigo’. Sou intelectual, fico bastante em casa criando, escrevendo, produzindo”, revela.

Alessandra gosta de ficar em casa escrevendo e produzindo (Foto: Cristina Granato)

Alessandra gosta de ficar em casa escrevendo e produzindo (Foto: Cristina Granato)

Alessandra continua explicando que costuma sair relativamente pouco. “Nunca fui muito de balada, sabe, de muvuca. Como falei, tenho hipersensibilidade sensorial, então, quando tem muita gente, som bem alto, muita luz, para mim não é uma alegria. É um inferno. Essa é uma descrição que um autista daria tranquilamente, por isso que eu te digo, às vezes, a gente acha que é mais diferente e não é tanto. Vejo pessoas em filas para entrar em lugares de grande baladas, eu falo: ‘mas nunca’. Eu entro na fila é para sair”, conta, às gargalhadas.

Mas frequenta festas nas casas dos amigos. “Ah, aí sim, mas sou conhecida como aquela que foge um pouco. Eu já fui apelidada de Mestre dos Magos. Vou na festa também para não fazer a chata, mas deu meu tempinho ali, eu desapareço”, recorda, aos risos sobre o fato que já virou uma gozação dos amigos com ela. “Totalmente”, diz.

“Agora, é muito diferente você não querer sair de você não poder sair. Liberdade é poder sem precisar. Então, ao longo de boa parte dessa quarentena eu não senti a maioria dos sintomas relatados por aí, mas teve um momento em que percebi que estava nervosa e ansiosa sem um motivo aparente e aí eu me dei conta que era porque já estava em casa fechada há algum tempo. Saía só para fazer compra mesmo, e enfiada em casa, escrevendo, produzindo e conversando com a família pelo telefone. Nesse sentido foi bom, conversei mais com os meus pais, com meus amigos, meus primos até”, aponta.

Mirna Rubim e Alessandra Maestrini dividem a cena (Foto: Pedro Jardim de Mattos)

Mirna Rubim e Alessandra Maestrini dividem a cena (Foto: Pedro Jardim de Mattos)

Sobre a reprise de Toma Lá, Dá Cá, tem visto pouco. “Com essa história da pandemia, a gente fica com os dias e as horas um pouco perdidas, a gente já não sabe que horas são, que dia é hoje. Parece que todo dia é domingo, às 25 horas da tarde”, brinca. “Mas foi trabalho que deu grande prazer fazer. Dá uma imensa saudade, vou adorar se tiver um filme, um especial. A gente se divertia muito gravando”, completa.

Quando o assunto é a polarização que tomou conta do país, manifestações racistas ou discriminatórias também com relação aos homossexuais, ela aponta que o amor poderia transformar. “Eu acho que a gente tem que tomar o amor como base de tudo quando olha para o próximo. Isso é a base de todas as religiões, de qualquer pessoa que tem a felicidade como meta, pois a sua própria felicidade jamais será plena se quem tiver em volta de você não estiver bem também”, analisa.