Nota do Amor: É samba no fundo de quintal, seresta na frente do portão e concerto todo dia


Nesse artigo, Alexei Waichenberg alerta: “Desconfie do vazio. Basta apenas uma nota pra entender que viver é partitura. É assim que a banda toca, é assim que o disco gira”

Ilustração (feita exclusivamente para essa crônica), assinada pelo artista plástico Leandro Figueiredo, atualmente morando no Porto, em Portugal

*Por Alexei Waichenberg

O amor é mesmo como uma música. Há que se ter harmonia, compassos bem definidos e precisão nas notas. O velho poeta dizia que navegar não é preciso, mas o amor deve ser.

Ninguém se perde no amor. Podemos até nos perder de amor, mas logo vamos encontrar uma justificativa para termos içado as velas rumo ao desconhecido. Você vai notar o quanto valeu cada manobra, quando o objetivo é encarar aqueles olhos cheios de esperança, a boca trêmula de pavor e o sorriso que escapa da graça que é estar enamorado de alguém.

Como se sem sua autorização palavras escapem, suspiros se encaixem e a ansiedade tome conta do seu corpo ávido para o allegro. As rimas surgem e o estribilho cola que nem chiclete.

Uma sinfonia dispara o seu coração barroco, intui o movimento clássico, empunha a tensão nacionalista, propõe um alívio impressionante, impressionista e grita de peito as árias da ópera romântica que nem sempre tem final feliz.

Podem aparecer as dissonantes, cafonas ou dodecafônicas aventuras. Amar mesmo é improviso, onde jaz bem vivas e escondidas as notas do seu amor.

O amor é sincopado, marchado, o amor é amado. É samba no fundo de quintal, é seresta na frente do portão. Amor é concerto todo dia. Amar é consertar a veia que explode, swingar no balanço que fecha positivo.

Aí você faz uma escala, uma oitava, duas, vai e volta, usa as diminutas, brinca nas colcheias, faz um trinadinho, vai e volta. Prepara a mão esquerda, leva no peito ardente, se envolve no abraço, sopra, dedilha, sucumbe.

O amor tem que ser fácil, ágil, o amor não tem paciência, mas tem perdão, tem cumplicidade.

O meu amor é meu solista, eu o acompanho atento. Sou maestro e musicista, sou piano e mais que lento. Sou serenata ao luar, pra esperar ele dormir e sou a alvorada pra alegrar seu despertar.

Desconfie do vazio. Basta apenas uma nota pra entender que viver é partitura. É assim que a banda toca, é assim que o disco gira. Afina o teu ouvido, ajusta o teu adágio e deixa que amor assuma os teus sentidos. Depois é só valsar nos salões da vida.