Dona da sua história: Priscila Castello Branco fala sobre machismo no humor e na vida e celebra parceria com Porchat


Ao lado de Maria Clara Gueiros e Júlia Rabello, ela estrela ‘Agora É que São Elas!’. A comédia foi escrita por Fábio Porchat, também namorado de Priscila desde julho do ano passado. Priscila relembra sua trajetória até aqui, fala dos sonhos e do machismo enraizado até mesmo no universo da comédia. “A mulher que ri muito alto, fala palavrão, fala sobre sexo, é criticada. No humor também é assim, muitas vezes esse olhar, esse preconceito, vem até de outras mulheres. Culturalmente fomos criados vendo os homens fazendo graça, então isso já é um ‘gatilho’ para o riso. Existia uma rejeição maior ao humor feminino, mas estamos vencendo essas barreiras. É um processo, o jogo não está ganho, o ‘buraco’ é mais embaixo. Se um homem foi mal numa piada, dizemos: “Fulano é ruim”. Mas se isso acontece com uma mulher, todas nós somos ruins. Ninguém disse que seria fácil, não é?”

*Por Brunna Condini

Priscila Castello Branco ri à toa na entrevista que deu ao site. Também não é pra menos. A atriz de 35 anos tem começado a colher os resultados da estrada que vem trilhando há quase 10 anos, principalmente na comédia, praia natural para a paulista. Ao lado de Maria Clara Gueiros e Júlia Rabello, ela está em ‘Agora É que São Elas!‘, espetáculo com texto e direção de Fábio Porchat, também seu namorado. “É um sonho, né? Não dá nem para acreditar, é bom demais, os ingressos têm esgotado. A peça é leve, um respiro”. Além desta montagem, Priscila também faz seu solo de stand up pelo Brasil, o ‘Estou quase lá‘. “É sobre aquela ideia do ‘quase’ na vida, nunca é bom o suficiente. Entrou na novela? Você está quase lá, hein. Era novela das nove? Não? Calma, você está quase lá. Era protagonista? Não? Fica tranquila, está quase lá. Falo disso, da vida cotidiana, da diferença de comunicação entre homens e mulheres”. Ela também reflete sobre o machismo no universo do humor. “O stand up é um meio em que os homens foram pioneiros. Como esse machismo é enraizado na sociedade, ele também está lá. A mulher chegou mais tarde na comédia, não havia espaço”.

Com a relação com o humorista veio o amor, a parceria rara, mas também muita exposição. Ser conhecida hoje do grande público como ‘namorada do Porchat’ te incomoda? “Ser a namorada do Porchat é maravilhoso, ele é um homem maravilhoso. Sou apaixonada por ele, tenho muita alegria de estar ao seu lado, estamos vivendo uma fase muito gostosa. O que isso pode ter de errado? Acho que o erro, por exemplo, é quando sai uma matéria e me definem como meu ‘estado civil’, como apenas a namorada do Porchat. Mas aí não é sobre mim, é sobre quem está falando isso. Não dá para resumir uma mulher a quem ela namora, desmerecendo tudo o que realizou, sua história. Sou a fã número do Fábio, mas também estou construindo um caminho. E que bom que nossos caminhos profissionais também estão se cruzando, isso é fruto de muita sintonia”.

Dona de sua história: Priscila Castello Branco celebra sucesso de peça com texto e direção de Porchat e reflete sobre machismo no humor (Foto: Pino Gomes)

Dona de sua história: Priscila Castello Branco celebra sucesso de peça com texto e direção de Porchat e reflete sobre machismo no humor (Foto: Pino Gomes)

Mesmo hoje, a mulher que ri muito alto, fala palavrão, fala sobre sexo, é criticada. No humor também é assim, muitas vezes esse olhar, esse preconceito, vem até de outras mulheres. Culturalmente fomos criados vendo os homens fazendo graça, então isso já é um ‘gatilho’ para o riso. Existia uma rejeição maior ao humor feminino, mas estamos vencendo essas barreiras. É um processo, o jogo não está ganho, o ‘buraco’ é mais embaixo. Se um homem foi mal numa piada, dizemos: “Fulano é ruim”. Mas se isso acontece com uma mulher, todas nós somos ruins. Ninguém disse que seria fácil, não é? – Priscila Castello Branco

A humorista diz quando sentiu mais o machismo na pele. “Sem dúvida no meu stand up. Nele sou eu, com meu texto, minha cara e minha ‘pepeca’ (risos). Por muito tempo entrei no palco com aquela responsabilidade de ter que provar que sou engraçada. Ainda existe resistência a um humor que vem acompanhado da independência feminina, da batalha por igualdade. Também tem uma questão de seleção. Se vai ter um show de stand up, convidam uma mulher, daí já tem a ‘cota’ (risos). Por outro lado, como não havia muito espaço, existiam menos mulheres fazendo. Mas as coisas estão mudando. É nisso que a gente mira”.

"O stand up é um meio em que os homens foram pioneiros. Como o machismo é enraizado, ele também está lá. A mulher chegou mais tarde na comédia, não havia espaço" (Foto: Pino Gomes)

“O stand up é um meio em que os homens foram pioneiros. Como o machismo é enraizado, ele também está lá. A mulher chegou mais tarde na comédia, não havia espaço” (Foto: Pino Gomes)

Parceria também na arte

Priscila e Porchat estão juntos desde julho do ano passado, quando a relação tornou-se pública. O casal se conheceu quando ela participou do reality show ‘Futuro ex-Porta’ (2021). A atração do canal do Porta dos Fundos, era um projeto que tinha o objetivo de revelar novos talentos. Ela celebra o encontro dos dois. “Nossa parceria tem dado muito certo, somos curiosos, temos muita vontade, não temos preguiça de conhecer as coisas. É muita coisa em comum. Temos nossos problemas, mas não vemos a vida pelo lado triste, escolhemos o humor sempre, somos solares”.

Com a parceria de vida, o desejo da parceria profissional ficou latente e eles trataram de resolver isso. “A peça que fazemos agora nasceu disso. Daí chamamos a Maria clara e a Júlia para embarcar nessa com a gente. Fábio desencavou uns textos que tinha de 19 anos atrás, quando fazia CAL, alguns deles encenou com Paulo Gustavo quando fizeram ‘Infraturas’ (2005), que foi a estreia dos dois. Tem quatro textos deste espetáculo, outros do Fábio e uns que escreveu enquanto ensaiávamos. Ele é uma máquina, produz o tempo todo. E também quis dirigir, para nossa sorte”, conta. Porchat não dirigia nada, com exceção dos seus próprios espetáculos, desde 2015, quando esteve no comando de ‘Elas morrem no fim’.

Fábio Porchat, Maria Clara Gueiros, Priscila Castello Branco e : Julia Rabello: ele dirige as atrizes em 'Agora é que são elas' (Foto: Pino Gomes)

Fábio Porchat, Maria Clara Gueiros, Priscila Castello Branco e : Julia Rabello: ele dirige as atrizes em ‘Agora é que são elas’ (Foto: Pino Gomes)

E acrescenta: “Ele não para e arrumou essa brecha para levantar essa peça no meio de uma agenda insana. Não sei como consegue. Mas me identifico, faço muita coisa ao mesmo tempo e estou sempre tendo ideias”. Seriam dois ‘hiperativos’ juntos, como funciona isso? “Super bem! Porque também temos os momentos em que cansamos (risos). Quando isso acontece, queremos nosso sossego, um filme, uma série, um vinhozinho e nada mais”.

Ela nasceu assim

Cria do teatro, Priscila esteve na televisão nas novelas ‘Salve-se quem puder’ (2020) e ‘Deus salve o rei’ (2018), na Globo. “Mas é o meu stand up que  tem me dado autonomia artística nos últimos anos. Quem sabe não consigo levar ele para o streaming e alcançar mais pessoas?”, sonha a atriz, nascida  e criada em São Paulo. Ela lembra que o ofício se impôs por natureza: “Com 5,6 anos, na alfabetização, escrevi que gostaria de ser apresentadora de circo pra fazer os outros rirem. Minha mãe levava a gente muito ao teatro, ao circo, via as pessoas felizes lá e me e foi me dando muita vontade de fazer aquilo e causar aquelas emoções. Acho que foi isso que me levou a ser atriz”.

"Não dá para resumir uma mulher a quem ela namora, desmerecendo tudo o que realizou. Sou a fã número do Fábio, mas também estou construindo um caminho" (Foto: Pino Gomes)

“Não dá para resumir uma mulher a quem ela namora, desmerecendo tudo o que realizou. Sou a fã número do Fábio, mas também estou construindo um caminho” (Foto: Pino Gomes)

Vinda de uma família de mulheres, composta pela avó, dona Lurdes, a mãe, Ariadne, uma irmã, Pâmela, e duas sobrinhas, Isis e Lis, a artista avalia como isso influenciou sua trajetória. “Somos muito unidas. Tenho um pai mega ausente, não o vejo há mais de 20 anos. Então, depois da separação dos meus pais, fomos com a minha mãe para Curitiba, ela foi tentar emprego lá. Desde pequena eu gostava de dança, de fazer teatro, tirar foto, era ‘aparecida’. Minha mãe pagava os cursos que podia, eu queria fazer tudo. Tínhamos dificuldades como todo mundo na vida, mas não tenho história triste pra contar”.

Crescer num ambiente com tantas mulheres incríveis me deu coragem na vida. Dei muito a cara pra bater, cavei meu espaço. Tenho medo, mas ele nuca me parou. minha mãe também sempre foi dura nesse sentido, sempre disse: “Primeiro a gente resolve, depois chora”. Só tínhamos umas as outras, isso nos fortaleceu – Priscila Castello Branco

"Fomos criados vendo homens fazendo graça, então isso já é um 'gatilho' para o riso. Existia rejeição maior ao humor feminino, mas estamos vencendo essas barreiras" (Foto: Pino Gomes)

“Fomos criados vendo homens fazendo graça, então isso já é um ‘gatilho’ para o riso. Existia rejeição maior ao humor feminino, mas estamos vencendo essas barreiras” (Foto: Pino Gomes)

Outra paixão da atriz e da família são os animais, coisa que ela leva bem a sério. “Hoje temos um hotel de cachorros aqui em casa, o ‘Rancho Castello Branco’. Amamos animais, resgatamos vários, muita gente abandonou seus bichos na pandemia, uma tristeza. Aqui fazemos tudo sozinhas, vamos atrás de ração, tentamos vaquinha com os amigos. Infelizmente, é ‘enxugar gelo’, porque são muitas necessidades, não têm fim. Toda hora aparece um caso mais triste que o outro. Mas é um caminho sem volta quando a gente se envolve. Preciso ganhar muito dinheiro pra cuidar bem deles”, diz.

E brinca com a sua verve multifacetada: “Sou bem aleatória (risos). Também já tive uma academia de luta, já morei na Tailândia, me formei em Direito. Mas quando peguei minha carteirinha da OAB, fiz uma cena dramática ridícula na frente do espelho, chorando e constatando que eu queria mesmo é ser atriz. Eu não podia, não queria fazer outra coisa. E sempre tive o apoio da minha família. Quando  fazia teatro e mal tinha o dinheiro da passagem, minha mãe segurava a onda. E nunca tivemos grana sobrando, então ela fazia um esforço real para manter o meu sonho no humor. Minha mãe acredita desde sempre comigo que isso vai me levar além. Já está levando, estou no meu caminho e isso dá muita felicidade”.