No ar em “Poliana Moça”, Amanda Acosta fala sobre empoderamento feminino e viver Bibi Ferreira no teatro


A artista, que integrou o Trem da Alegria, nos anos 80, e o elenco de Chiquititas, solta a bela voz em “Bibi, uma Vida em Musical”, parte das celebrações de 100 anos que a diva do teatro completaria em 2022. E relata o preconceito de uma revista nos anos 1940, que publicou a seguinte frase: “Embora não seja bonita, Bibi Ferreira é boa atriz”. Frase preconceituosa e proibitiva nos dias atuais. Sobre este tema, Amanda Acosta argumenta: “A cobrança estética em cima da mulher tem mudado. É sutil, mas está acontecendo. Eu acho que a gente precisa voltar o olhar para dentro

* Por Vítor Antunes

A paixão pelas artes começou quando Amanda Costa tinha quatro anos e integrou o Trem da Alegria, nos anos 1980. Hoje, no ar em “Poliana Moça“, onde vive a controladora Eugênia da novela de Íris Abravanel, Amanda Acosta revela continua com toda a sua versatilidade como artista. Ainda no SBT, viveu a mãe de uma das órfãs de “Chiquititas“, cuja reprise encerrou em 2021. Presença bissexta nas novelas, Acosta não esteve ausente das telinhas, pois que era a apresentadora do programa “Inglês com Música“, na TV Cultura de São Paulo. Nos palcos, vive Bibi Ferreira (1922-2019), sendo a protagonista de “Bibi, uma vida em musical” em homenagem aos 100 anos que a diva do teatro completaria em 2022.

Mesmo reconhecidamente talentosa, a filha de Procópio Ferreira (1898-1979) chegou a ser apresentada por uma revista nos anos 1940 com a seguinte frase: “Embora não seja bonita, Bibi Ferreira é boa atriz”. Frase preconceituosa e proibitiva nos dias atuais. Sobre este tema, Amanda Acosta argumenta: “A cobrança estética em cima da mulher tem mudado. É sutil, mas está acontecendo. Eu acho que a gente precisa voltar o olhar para dentro. O que busco é aceitação do meu processo, do meu bem estar, da minha alimentação, do meu espiritual, do meu mental e do meu físico e naquilo que eu acredito”.

Amanda Acosta vive Bibi Ferreira no teatro (Foto: Carlos Costa)

Acosta havia se encontrado algumas vezes com a diva teatral. A primeira delas, no Teatro Renaissance, onde Bibi Ferreira apresentava um espetáculo dirigido por Jorge Takla, “De tudo que mora em mim”. Neste contato inicial, Acosta viveria a protagonista de “My Fair Lady”, peça pioneira do teatro musical brasileiro, produção de Victor Berbara (1928-2021) montada primeira vez em 1964, e que contou com Bibi no papel protagonista: “Fui no camarim conhecê-la e disse que estar com ela era uma aula. E Bibi respondeu: ‘É muito trabalho, minha filha’. Então, acredito que ela, assim como outras milhares de mulheres das quais a gente desconhece a história, são pura força e respeito. Especialmente quando elas não aceitam o lugar que a sociedade as coloca, que recusam os padrões que lhes são impostos”.

Registro eterno: Amanda Acosta e Bibi Ferreira (Foto: Reprodução/Instagram)

E prossegue: “Bibi é uma inspiração. Uma mulher que nos anos 1940, aos 22 anos, dirigiu uma companhia, teve consigo atores incríveis e seguiu em frente, quando era uma menina ainda. Eu não vi notícias de que ela tenha sido rebaixada ou humilhada por isso. Tanto ela como Carmen Miranda (1909-1955) são mulheres que conquistaram o lugar que desejavam. Quando se tem confiança em si mesma, quando se tem um objetivo, é possível quebrar muitos muros e barreiras, por mais que dificuldades aconteçam”, observa a atriz que, em 2020, pouco antes de o mundo parar por conta da pandemia, estava vivendo Carmen Miranda no teatro.

Amanda Acosta em “Carmen, a Grande Pequena Notável”, em 2020 (Foto: Leekyung Kee)

Para interpretar Bibi Ferreira, Amanda mergulhou em um grande processo de pesquisa. “Consegui ter acesso a vídeos antigos para localizar registros de voz. Como eu vivo a Bibi dos 19 aos 92 anos, a transformação em cena passa tanto pelo lado físico como pelo figurino, mas especialmente pela voz. Representar uma personagem que é muito conhecida é difícil, mas eu faço com que a voz dela esteja muito presente, a postura, os gestos… Tudo é muito minucioso. Não cabe fazermos uma caricatura por que isso acaba distanciando o público”, explica. A atriz relata que o registro mais antigo que conseguira foi de um onde se atribuía à Bibi a idade de 16 anos. Sobre esse registro raro, Acosta comenta: “Nota-se ali o vibrato liggero da cantora, talvez um tanto anasalado, os fonemas falados à sua maneira. Tudo aquilo já era a Bibi. O meu esforço é de fazer com que toda a cor da minha voz vá mudando durante o espetáculo, de modo a acompanhar a trajetória de vida dela”, aponta.

No SBT, Chiquititas e Poliana Moça

Ainda sobre a questão feminina, Amanda lança mão das novelas que trabalhara na TV para observar a passagem do tempo: “Atuei em ‘Chiquititas’, agora eu faço ‘Poliana Moça’. Naturalmente, eu vejo algumas alterações de leve, e a gente vai se reconhecendo em cada marquinha que aparece, em cada mudança e eu me reconheço ao vê-las. A gente enquanto artista tem que se trabalhar e estar se amando, pleno na aceitação do nossos ser e das mudanças que o tempo vai trazendo às pessoas que estão neste planeta. Se eu estou no exercício da vida, eu não estou velha“.

Amanda Acosta e Carolina Chamberlain no clipe de “Coração com Buraquinhos”, em “Chiquititas” (Foto: Reprodução SBT)

Em “Chiquititas“, a primeira obra em que trabalhara no SBT, Amanda viveu Letícia. Personagem que, era portadora de câncer e falecia. A atriz relata que o tema, embora delicado, foi tratado com muito cuidado pela emissora e pelos roteiristas. Coube a ela, também, dar voz a um dos maiores sucessos da trilha da novela, a música “Coração com Buraquinhos“. Segundo a artista, não foram poucos os fãs que enviaram a ela vídeos cantando a música. A personagem, que era popular, serviu para fazer um alerta sobre o tratamento precoce do câncer de mama.

Em “Poliana Moça“, Acosta vive Eugênia, que é casada com Davi, personagem de Marcello Airoldi. Na obra de Íris Abravanel, a atriz vive uma mulher profundamente metódica e organizada – que chega a planilhar desde os lanches dos filhos às roupas que têm no armário. Na novela inspirada no original de Eleanor Porter (1868-1920), a discussão do núcleo de Eugênia passa por outro lugar: sobre estimular ou não que os filhos adotivos tenham contato com a família biológica. No folhetim, os filhos do casal são Pedro (Tavinho Martins), Helena (Luísa Bresser) e Chloe (Mari Campolongo).

Em “Poliana Moça”, Amanda é Eugênia, que nega aos filhos adotivos o contato com a família biológica (Foto: Divulgação/SBT)

Maternidade e o teatro

Tal qual Bibi, que tivera apenas um filho – no caso uma filha, Teresa Cristina – Amanda teve de aprender a conciliar a maternidade com a carreira nos palcos. A mãe de Vicente (13), relata: “Após o nascimento do meu filho eu tive um momento “caverna” de seis meses, ficando muito próxima e atenta ao bebê. Nesta época, o diretor Tadeu Aguiar me convidou para fazer teatro no Rio, e sabendo que eu estava com um neném, o diretor me deu todas as condições para que eu levasse não apenas a criança, mas a minha mãe para a capital carioca a fim de me auxiliar. A hora do intervalo dos ensaios era, justamente a hora em que o menino era aleitado. Ele acabou virando o mascotinho do elenco. Tadeu, pelo qual sou muito grata, agiu da mesma maneira com outras atrizes”.

Amanda Acosta como Bibi no teatro. Ambas viveram o desafio de equilibrar a maternidade ao trabalho no teatro (Foto: Divulgação/Guga Melgar)

Hoje, o filho “faz beatbox baseado nas canções de Bibi Ferreira e Carmen Miranda que ele aprendeu as músicas vendo a mãe cantar. “Ele é afinado, também é compositor. Um artista dos pés à cabeça”, elogia o filho dela com o ator e psicanalista André Fusko. Diante do talento do filho, o desejo de Amanda era de que todas as crianças pudessem ter acesso a uma educação musical e artística: “Acho q todas as crianças deveriam ter esse incentivo, e crescer dançando e cantando. Eu critico muito este pensamento eurocêntrico que quer normatizar tudo: ‘para cantar tem q ser assim’, ‘para dançar tem que ser assim’, ou que ‘pra ser um conhecedor das coisas você precisa ter lido todos os livros’. Não!”, frisa.

As causas ecológicas e o período no Trem da Alegria

A preocupação com a ecologia também é presente na vida da atriz, que pensa muito na posteridade: “A gente está sendo muito injusto com as futuras gerações. Não adianta só cobrar a gente tem que agir. Eu tento diminuir o consumo de plástico, carrego minha sacola ecológica, levo meu resíduo orgânico para uma composteira que tem numa praça perto de casa…”, enumera. O sofrimento dos animais também é algo que me pega profundamente. Tanto que parei de comer carne, hoje sou piscitariana, só consumo peixes. Procuro consumir produtos orgânicos também, mas reconheço que boa parte das pessoas não tem acesso a isso. Me dói demais ver tanta gente necessitada. Razão pela qual eu penso sobre que maneira posso agir para ajudar o outro, então sempre que posso, atuo em projetos sociais”.

Amanda Acosta luta pela preservação da natureza (Foto: Reprodução/Instagram)

Talvez o pensamento em cuidar das crianças, dando-lhes arte e música se deva ao fato de ela ser cantora desde os 4 anos e meio. Ainda criança entrou para o grupo musical fenômeno dos anos 1980, Trem da Alegria. Mesmo trabalhando demais, a atriz alega não haver perdido a infância nem mesmo o contato com as suas raízes: “O “Trem” não interferiu em nada na minha rotina de brincar e andar pelo meu bairro, interagir com as crianças… Apenas achava curioso o olhar das pessoas que se espantavam com o fato de eu morar na Zona Leste (região periférica de São Paulo). As pessoas criam ser necessário que eu morasse num palácio, num bairro chique de são Paulo”.

Amanda conta que até hoje há um reencontro, de certa maneira lúdico, com o público que a acompanhava nesta fase da vida: “É muito lindo as crianças que cresceram comigo e acompanham a minha carreira desde o “Trem”, ou ainda antes devido aos comerciais que eu fazia quando era criança. Essas pessoas levam os seus filhos para ver os meus espetáculos. Eu acho tão bonita essa conexão que a arte traz. Ela une vidas. A energia é boa, de um reencontro, do qual eu só consigo agradecer por participar da vida das pessoas. Esse é o sagrado da nossa profissão: A forma como você vai ter o contato com a pessoa e como você traduz isso pro próximo”.

Amanda, Juninho e Rubinho compuseram o Trem da Alegria na formação de 1988 (Foto: Divulgação)

Ao sair do “Trem”, Amanda fez sua primeira novela, “O Mapa da Mina”, famosa por ser a última de Cassiano Gabus Mendes (1927-1993). Nesta, a colaboração de uma atriz veterana marcou o seu début na teledramaturgia: “Nesta novela eu era sobrinha da Maria Padilha e do Dennis Carvalho. Eu tenho uma cena linda com a Eva Wilma (1933-2021). Ela me viu ensaiando e reparou que era a minha estreia, mas não apenas isto. Era a minha primeira vez naquele cenário. A Eva veio por trás da porta do cenário e me chamou “É a primeira vez que a sua personagem entra nesta casa? Então dá uma olhada na casa, reconhece o lugar que você está indo”. Foi lindo por que, generosamente, ela me deu um toque. Quando acabou a cena ela olhou pra mim e fez um joinha. O personagem, que também se chamava Eva, cresceu durante a novela.”

Em 1944, quando perguntada sobre o que desejaria pedir ao Papai Noel às crianças do Brasil, Bibi Ferreira disse querer a elas “vitória e paz”. Já a atriz que a vive atualmente, tem um pedido diferente: “Queria que elas tivessem alimentação saudável, comida boa, que possam crescer fortes para se desenvolverem no que quiserem. Alimentos, dança, música e água boa para beber”.

O samba-enredo que homenageava Bibi, cantado pela Viradouro, faz referência a uma frase dita por Procópio Ferreira. O pai da então moça, orgulhoso, dizia que tê-la como filha era o seu “Mais brilhante papel”. Algo muito próximo do que Vicente, filho de Amanda disse a ela, numa resposta à ansiedade natural materna, se ela estava sendo uma mãe suficiente. Nesse mundo de mistérios, o olhar do filho talvez seja este o único que não tem segredos. E se ter um filho é olhar para a vida com esperança, o “recado pro futuro” é de que ele chegou. Tal como um trem de alegria na Estação Itaquera.