*Por Brunna Condini
Alguém ter 44 anos de vida e 40 de experiência profissional causa um certo estranhamento, mas foi exatamente assim que aconteceu para Natália Lage, que começou fazendo comerciais aos 4 anos e depois migrou para a dramaturgia. Com o passar do tempo, a atriz manteve o rosto de garota e uma curiosidade insistente de quem entendeu muito cedo do que se trata a profissão. “Não dá para achar que sabemos tudo, cada trabalho é um recomeço. Tenho vivido querendo experimentar, sem respostas prontas. E, inclusive, não cair nas fantasias românticas que talvez eu tenha criado lá atrás para a minha vida. Sinto o desejo de entender os meus percursos, e estar bem para o que vier, sem grandes nóias, aceitar o tempo, cada época da vida, cada idade, experiência”, diz.
“Não sou mais a ‘mocinha’, mas nunca ocupei muito esse lugar na minha trajetória, então ele não me faz falta. Acho que os personagens mais legais vêm agora. As pessoas vão ficando mais interessantes à medida que amadurecem, e, dentro da dramaturgia, também. Melhoram os personagens. O colágeno dá uma piorada, não emagrecemos com tanta facilidade, mas aprendemos a gostar do nosso corpo, a ter outra relação de aceitação com tudo”, completa a atriz, que se prepara para a estreia do espetáculo ‘Sra. Klein‘, ao lado de Ana Beatriz Nogueira e Kika Kalache, a partir de 29 de junho, no Sesc 24 de Maio, em São Paulo, sob a a batuta de Victor Garcia Peralta.
Com a peça, queremos trazer reflexões de como as relações podem ser nocivas ou podem te ajudar, te levantar na vida – Natália Lage
Os últimos tempos foram de muito trabalho para Natália, que, além da peça sobre a vida da psicanalista austríaca Melanie Klein (1882-1960), acabou de gravar ‘Matches’ para a Warner Channel, estreia esse ano ainda a comédia ‘Vizinhos’, do Canal Brasil, e o filme de Pedro Vasconcellos sobre a vida de Mauricio de Sousa, e mais outros dois longas… E com todo esse trampo, a pergunta que se repete para a atriz é se sente falta de fazer televisão. Sente? “Olha, eu gosto dessa liberdade. Sou muito grata à TV Globo e todo tempo que estive por lá os trabalhos, sobretudo o ‘Tapas e Beijos’ e ‘A Grande Família’, que foram duas escolas da comédia, adoro. Se me chamarem para fazer novela, vou amarradona, mas, por outro lado, estar no mercado freelancer abre um universo de possibilidades e como atriz isso me enriquece muito”.
O espetáculo
Embora ambientado há quase 90 anos, o texto do autor inglês Nicholas Wright sobre uma família disfuncional, com foco na relação entre mãe e filha, segue super atual. Natália interpreta Melitta, a filha de Klein, vivida por Ana Beatriz. “Estamos falando sobre relações humanas, competição, inveja, amor, relações tóxicas no que diz respeito aos comportamentos narcisistas, de pessoas que tentam manipular o outro, e de como isso pode ser complementar também”, detalha.
Não sou mais a ‘mocinha’, mas nunca ocupei muito esse lugar na minha trajetória, então ele não me faz falta. Acho que os personagens mais legais vem agora – Natália Lage
“Em cena são três mulheres à frente do seu tempo, psicanalistas, sobretudo a Klein, um expoente da psicanálise, desquitada, independente. Uma precursora desse movimento feminista todo, que estava em papeis antes só ocupados por homens. Levantamos essa questão do papel da mulher na sociedade, de como era e de como Klein era avant-garde. E também tem a questão da relação mãe e filha, muito complexa e cheia de nuances. Bonita, mas dolorosa muitas vezes. Queremos trazer essas reflexões, de como as relações podem ser nocivas ou podem te ajudar, te levantar na vida”.
Mães e filhas
Você disse que seu relacionamento com sua mãe “não se parece em nada com o das personagens, mas às vezes esbarra em algum lugar”… Qual exatamente? “Tenho uma relação muito próxima com a minha mãe (Marta Lage). No caso da Melitta e da Klein, elas têm e não têm. A minha mãe sempre foi muito presente na minha vida. Me colocou na profissão que tenho hoje, me acompanhou. Tinha uma expectativa saudável, natural, de querer o sucesso da filha, mas também uma alegria e até uma ingenuidade com aquilo tudo, afinal não era um meio conhecido para ela, para nós. Mas, em algum momento, eu quis ter mais liberdade, escolher. Mesmo que fosse para escolher o mesmo no fim das contas (risos). Minha gira foi essa. Acho que como cresci na profissão, precisei dar essa volta”, reflete.
Se me chamarem para fazer novela, vou amarradona, mas por outro lado, estar no mercado freelancer abre um universo de possibilidades, e como atriz isso me enriquece muito – Natália Lage
“Posso dizer que minha mãe sempre foi minha parceira, amiga. Tenho profunda admiração por ela, que cresceu na vida self-made woman, sabe? Muito batalhadora. Se separou do meu pai e criou a mim e meu irmão com muita coragem. Foi a primeira feminista que conheci, sem nunca ter lido Simone de Beauvoir (1908-1986). Não é ultra erudita, é mais da luta, da batalha, uma mulher incrível. Somos mulheres muito fortes, e é claro que isso as vezes pode esbarrar em um conselho que não se está muito a fim de ouvir…então pode rolar umas briguinhas, momentos difíceis como em qualquer relacionamento, mas não temos nem de longe uma relação tóxica como a das personagens da peça. Minha mãe não compete comigo, me incentiva, me aplaude, me bota pra cima. Tenho muita sorte”.
As pessoas vão ficando mais interessantes à medida que amadurecem, e dentro da dramaturgia também – Natalia Lage
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