*Por Jeff Lessa
Um monólogo inspirado em “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa: o que poderia ser mais adequado para abrir um festival dedicado a apresentar novos talentos que ainda precisam aprender a produzir seus trabalhos em teatro? E se este monólogo for dirigido pelo mestre Amir Haddad, um dos maiores encenadores do Brasil, criador do grupo Tá Na Rua, reconhecido mundialmente por seu talento para transitar tanto no teatro tradicional como no popular? Pois é isso que acontece nessa sexta-feira (13), no Parque das Ruínas, em Santa Teresa, a partir das 19h30.
Com adaptação de Gilson de Barros, que também atua no monólogo, “Riobaldo” trata dos amores do ex-jagunço, atualmente um fazendeiro de posses. O diretor optou por não tocar no texto clássico. “Não precisa mexer em texto de Guimarães Rosa. Basta apresentar. É a obra-prima brasileira”, derrama-se Amir. “É a obra-prima que montamos sem precisar de tradução. Todas as outras são traduzidas: Shakespeare, Cervantes, Molière. Guimarães Rosa não tem sequer como traduzir, pois criou um idioma próprio”.
Ele conta que, em uma hora e quinze minutos, a peça, como o romance, acompanha as lembranças do ex-jagunço, personagem central da obra máxima de Guimarães Rosa, publicada em 1956: “Poder trazer as palavras de Rosa, mostrar essa literatura para os jovens, é maravilhoso. A originalidade da linguagem do relato de Riobaldo é fundamental e necessária para as novas gerações”. A partir das 13h de sábado começa o festival propriamente dito, com a apresentação de seis peças infantis que concorrem a prêmios em dinheiro e aos troféus Rosamaria Murtinho e Mauro Mendonça, padrinhos do evento. A velhinha Dona Eulália, personagem interpretada pela atriz Giovanna Velasco, conduz as sessões. No domingo, 15 espetáculos teatrais adultos inscritos no Fest & Arte competem por prêmios e troféus.
Idealizadora do Fest & Arte, a paraibana de Patos Kellys Kelfis revela que teve a ideia de criar o festival quando uma amiga não foi selecionada para um evento semelhante. “O projeto dela era ótimo. Se fosse num festival meu teria entrado. Aí me lembrei de que já tinha sido rejeitada também. E tive a ideia de fazer um festival de espetáculos que passassem mensagens interessantes sem qualquer tipo de censura, com total liberdade de expressão”, resume Kellys. “Na nossa curadoria não vetamos nada. É contra os meus princípios. Estamos todos fazendo a nossa arte. Quer dizer, tenho medo de censura da mesma forma que tenho medo de morrer… Acontece que o meu desejo de que os artistas mostrem seus trabalhos é maior que o receio da censura”, reflete.
Kellys conta que o festival, que está sendo apresentado pelo quarto ano consecutivo pela Fundação Cesgranrio, também é importante para que os artistas aprendam a se autoproduzir. “Esse festival é interessante para eles mostrarem suas produções. Se não tivessem esse lugar, talvez não conseguissem exibir suas peças”, diz Kellys. “Quando comecei, senti falta de algo parecido com isso. Mas nasci com o dom de produzir, só sei fazer isso. Sou uma produtora ativa, trago ideias, agrego valores artísticos às obras que produzo. As minhas peças eu mesma idealizo, escrevo, corro atrás de dinheiro. Mas tenho vários amigos que simplesmente não conseguem, muitos por timidez”.
O festival vai bem além das competições teatrais. Um dos destaques dessa edição é a master class que a premiada atriz Ítala Nandi dará no domingo, às 13h. Fundadora do Teatro Oficina ao lado de Zé Celso Martinez Corrêa e Renato Borghi, musa do Cinema Novo e diretora do Espaço Nandi, escola profissional de atores, Ítala falará sobre sua trajetória artística, que completa 60 anos em 2019. “Vou dividir minhas vivências no Oficina e no Cinema Novo com o público. Quando se tem o privilégio de ter experimentado isso tudo, é um dever passar adiante. Essas experimentações são colocadas em prática na minha escola”, conta Ítala, que completou 77 anos em junho. “Com o meu tempo de carreira, muita gente não dá continuidade à profissão. Graças a Deus isso não está acontecendo comigo”.
A atriz, que este ano estrelou o longa “Domingo” no papel de uma matriarca gaúcha conservadora que odeia a ascensão de Lula ao poder, acredita que muitos artistas jovens sofrem à toa com ideias pré-concebidas contra si próprios: “Tem gente que acha que não é bonita o suficiente, esse tipo de coisa. Eu nasci na sétima légua, no interior do interior do Rio Grande do Sul, e alcancei repercussão com o meu trabalho aos 16 anos. Foi muito bom! A origem te dá um desejo muito grande. E nunca dei ouvidos a coisas tipo: ‘Você vem do quinto dos infernos, não vai conseguir’”, diverte-se Ítala que, em sua aula, vai debater realismo stanislavskiano, distanciamento brechtiano, influências nas artes da interpretação e a fisicalidade no treinamento do ator. “Tenho alunos que deram muito certo, mas começaram com pensamentos como ‘Não posso porque sou gorda’. Importante é a fé, o desejo”.
Paralelamente às competições, a artista visual Luiza Scarpa retorna ao Fest & Arte com a exposição “Eclosão Disforme”, com 20 telas em que se vale de uma mistura de silicone e tinta acrílica que remete à combinação de óleo com água. A desenhista industrial Janaína Soares, criadora da marca Akasha Bordados, expõe telas bordadas a mão, enquanto MGolubi, mestra em azulejaria, mostra peças pintadas com tinta para porcelana. No campo das performances, a atriz, diretora e poeta Cristina Flores apresenta o solo “Condenada aos Menores Amores do Mundo”, uma amostra de seu novo livro de poesias, às 16h, no sábado, e às 15h20, no domingo. O ator e comediante Vinicius Arêas também se apresenta com sua nova stand up comedy, às 15h, no sábado, e às 18h, no domingo.
Vamos?
SERVIÇO
Fest & Arte
Parque das Ruínas: Rua Murtinho Nobre 169, Santa Teresa – 2215-0621
Sex, às 19h30. Sáb e dom, das 13h às 21h.
Grátis Livre
www.festearte.com
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