Nany People critica debate sobre solidão LGBT 65+ e personagem trans com nome masculino: “Nem todos mudam”


Em entrevista exclusiva, a multiartista questionou alguns conceitos e novos modelos trazidos pelo ativismo LGBT contemporâneo, como a Solidão do LGBT maduro, e a tal extrema necessidade de a mulher trans mudar de nome ou passar por cirurgias de harmonização facial ou feminilização. “Não me deixei levar por essa ditadura que acaba por levar as pessoas cada vez mais cedo à terapia, bem como não me rendi às cirurgias de feminilização do rosto. Nunca tive essa disforia”. E sobre a solidão do LGBT maduro, acredita que isso é um academicismo. “Não que eu tenha medo de ser cancelada. Eu já nasci cancelada. eu tenho conhecimento do riscado do meu trabalho. Pode-se pode gostar ou não da fanfarra, contanto que se saiba que a baliza sou eu”, diz. Conta ainda como recebeu a citação de Aguinaldo Silva para que ela desse vida à Odete Roitman num possível remake de “Vale Tudo”. E fala da importância do amor em sua vida, tema do seu show “Nany é Pop”: “A vida sem amor não tem sabor.”

Nany People critica debate sobre solidão LGBT 65+ e personagem trans com nome masculino "nem todos mudam nome"

*por Vitor Antunes

Nany People tem esse sobrenome não é à toa. Não é só. É sempre um povo, gente que mora dentro de si e que acaba por fazer nascer tanta energia, tanto humor, tanta possibilidade. A multiartista está no Rio com “Nany é pop, um musical“. Além deste, ela está em outros três espetáculos – entre peças, musicais e stand ups. Um dos shows é “Sob medida – Nany  canta Fafá“, outro é o “Deu no que deu“, além de “Tsunany” . Para o ano que vem, estará com Rodrigo Santana na série “Ponto Final“, na Netflix, e seguirá gravando a 11ª temporada de “Vai que Cola” e a novela “Fuzuê”. Isso depois de fazer show em Dublin, Lisboa e Paris. “Ninguém comentou no Brasil, pois fazer sucesso aqui é algo como um desaforo”, diz. Rainha das frases de efeito, entremeadas com muito humor e generosidade, Nany People levantou uma discussão importante sobre uma questão que paira as pessoas LGBT na maturidade. A contrário do que problematizam os acadêmicos, ela não acredita que a solidão na madureza seja algo restrito às pessoas LGBT: “Essa coisa de solidão do LGBT maduro é acadêmico. Há muita solidão em casamentos heteronormativos, junto a pessoas que moram no mesmo local e não se reconhecem, não se separam, e ficam arrastando aquela corrente por puro interesse, comodismo e falta de atitude. É o que mais vejo”. Sobre a si, Nany diz que “opta por dedicar-se inteiramente ao seu trabalho”.

Cercada de polêmicas quando de sua exibição – tanto em face dos direitos de autor, como por brigas do autor com seus ex-alunos, e desavenças entre o elenco e até pelo ‘Surubão de Noronha’, a novela “O Sétimo Gurdião” polemizou também por trazer uma mulher trans que não reposicionou seu nome. A personagem de Nany, ainda que fosse mulher, chamava Marcos Paulo. O que gerou um grande ruído na comunidade LGBT. “Na Internet as pessoas falam o que acreditam e nem sempre o que sabem. O papel me encantou pela forma como me foi apresentado. Quando eu assinei o contrato, eu ficaria apenas três meses e o personagem teria outra trajetória, mas a minha empatia fez a coisa acontecer naturalmente. Quanto à questão do nome, eu, na minha vida, vi mulheres trans no interior que não mudaram seus nomes”. E ela prossegue. “Era uma novela inteira para fazer. Não entrei para fazer uma ponta. Eu estava no núcleo central e fui abraçada por todos. Tanto que fui indicada à Atriz Revelação na TV e, poucos dias depois, recebi prêmio na categoria Conjunto na Obra, no teatro”.

Ainda sobre essa temática da discussão do movimento LGBT, ela diz que, sob algum aspecto, estão tirando-lhes o livre arbítrio. “Eu sou trans e enfrentei as durezas da vida apoiando-me numa pergunta: Por que não? Descobri com o tempo questões importantes como o ‘posso mas não devo e o devo mas não preciso’. Isso me manteve longe da harmonização facial – ou desarmonização facial – mesmo com essa idade. Não me deixei levar por essa ditadura que acaba por levar as pessoas cada vez mais cedo à terapia, bem como não me rendi às cirurgias de feminilização do rosto. Nunca tive essa disforia. Sempre tive traços muito meus mesmo e nao quis fazer grandes intervenções, especialmente para não mexer na minha voz e acabar falando de maneira anasalada. Meu autocuidado faço através de cosméticos”.

Não que eu tenha medo de ser cancelada. Eu já nasci cancelada. Eu tenho conhecimento do riscado do meu trabalho. Pode-se pode gostar ou não da fanfarra, contanto que se saiba que a baliza sou eu – Nany People

Nany People é multipla e está em cartaz nesta semana, no Rio (Foto: Marcos Guimarães)

 

A ÚLTIMA CANÇÃO E A PRIMEIRA

“Meu bem, a vida não aceita segunda chamada”. Assim, definitiva, Nany People traduz a intensa atividade de seu fazer artístico. Atriz, cantora, apresentadora, jurada de programa de auditório… Foi assim, que ela apresentou-se a nós quando fora entrevistada e quando falou de uma agenda volumosa, geograficamente extensa, tanto quanto intensa: “Faço o show “Sob Medida , Nany canta Fafá“, no Rio. Estarei em Resende (RJ), Guarantinguetá (SP), Fortaleza (CE), e ainda gravarei o “Caldeirola” – quadro do “Caldeirão com Mion“.

Esses shows musicais, para a artista, tem um sabor especial, e um grande valor. Marcam o seu reencontro com a arte de cantar”. “São meu reencontro com a música. Foi ela quem me levou para o palco, esse palco me levou para o teatro e o teatro para a vida”. Nany relembra que começou a cantar aos quatro anos, para ganhar um brinquedo que era cor de rosa – que sua família, repressora, não queria lhe dar. “Cantei numa quermesse no interior de Minas. A minha tradicional família mineira não admitia que eu ganhasse um brinquedo cor de rosa, e então eu larguei da mão da minha mãe e fui para o palco cantar, para ganhar o tal brinquedo. Subi e cantei “A Última Canção“, do Paulo Sérgio (1944-1980). A praça veio abaixo, a cidade soltou foguetes e dei uma pinta enorme. Saí do palco com a sensação de que devia fazer tudo por mim mesma”.

Este não foi o único momento em que Nany esteve no palco como cantora. Depois dessa ocasião participou de um outra concurso de calouros, para conquistar uma bicicleta Caloi Ceci. Na sequência, o apresentador Chacrinha (1917-1988) foi a Poços de Caldas, sua cidade, e premiaria o melhor cantar com uma TV. E nas duas ocasiões em que O Velho Guerreiro esteve Poços, ela ganhou televisores. “Numa delas, cantei ‘Nuvem Passageira‘, do Hermes Aquino. Além das TV’s ganhei uma bolsa para estudar iniciação musical na minha cidade, que era liderada pela família do jogador de vôlei Xandó. Com 9 anos ainda eu já cantava em casamentos e tinha um grande repertório. Fui chamada a cantar num teatro que funcionava naquela cidade e que era uma filial do Cassino da Urca. Foi ali que fiz minha iniciação teatral e nunca mais saí do palco, onde estou há 48 anos. Em 2025 faço 60 anos de idade, 40 anos de São Paulo e 50 de palco”

Conta-nos Nany que aos 20 anos ela veio para a capital paulista fazer teatro, e fez espetáculos importantes como “Macumaíma”. Na maior cidade do País foi adotada pela família dos atores Paulo Goulart (1933-2014) e Nicette Bruno (1933-2020)  e a música acabou ficando em segundo plano, “mas a gente sabe que quando a coisa é da gente ela vem. O teatro musical acabou me absorvendo fui me reencontrando com a música aos poucos”. Um reencontro definitivo foi através da própria televisão. Nany foi convidada a fazer parte do elenco do reality musical “PopStar”, da Globo, e por conta dele, resolveu voltar aos palcos como cantora. Marcou um espetáculo com essa prerrogativa e que estava com a estreia marcada para Março de 2020. Acabou adiado por conta da pandemia. “Cheguei a fazer Teatro Renaissance com restrição de ocupação de público. Parecia que metade do teatro estava ocupada por gente e a outra por espíritos”, diverte-se.

Espetáculos musicais de Nany People marcam o seu reencontro com o gênero que a levou para o palco (Foto: Moises Piazinotto)

O show que Nany apresentará nesta semana é “Nany é Pop – Um Musical“. Neste, ela diz querer cantar o amor. “canto o amor por ser o único sentimento que vai patentear a historia de vida de todos. Em “Nany é Pop, canto esse sentimento através dos estágios da água – sólido, líquido e gasoso. Há muitos anos atrás, o Chico Anysio (1931-2012) fazia um espetáculo chamado ‘Eu canto, Vocês Cantam” e as pessoas se enxergavam nas músicas, cantavam aquelas canções que estão no DNA delas”.

A vida sem amor não tem sabor. o gesto sem amor não tem valor . E se necessário for o amor causa furor – Nany People

Sobre relacionamentos, Nany diz que “pra conhecer alguém é preciso comer sal junto, trocar protons, elétrons e neutros. Sexo é química, amor é matemática. A partir dessa relação, surgem os raios, ventos, trovoadas, consternações, frustrações, decepções… Há música para todas as fases de um relacionamento. Desde a dor de cotovelo à autoimunidade, à volta por cima. O show tem um quê de motivacional, também. Pois falamos como não mergulhar em gente rasa r”. Nany canta 13 musicas, num show de pouco mais de 1 hora de duração.

As pessoas tratam o amor como escambo, como se só fosse possível dar se receber. Acho que amar é mais que isso – Nany People

Nany People. O amor é mais que um escambo (Foto: Moises Pazianotto)

DIVERSIDADE

Muito se debate, especialmente dentro do ativismo LGBT sobre aquilo que se configura como sendo “a solidão do LGBT maduro. Para Nany há “uma diferença entre solidão e solitude. Uma coisa é estar bem consigo proprio, a solitude, outra a solidão. A profissão me deu muitas glórias, sim, mas me tirou muitas coisas, como a vida familiar. Paguei faculdade de alguns sobrinhos, o que me fez trabalhar muito, assim como, por estar a serviço vi a minha mãe morrer numa sexta e eu estar no palco, num sábado. A solidão LGBT é um estado de espírito. A pessoa pode estar numa casa rodeada de gente, porém sozinha. O que mais vemos hoje são adolescentes se mutilando e flagelando num quarto, sem o abraço da família”. Ainda segundo Nany, esse conceito de solidão do LGBT maduro é algo mais acadêmico.

Nessa campo do arrojo, Nany chegou a ser cotada por Aguinaldo Silva, um dos autores vivos de “Vale Tudo“, a fazer Odete Roitman no remake que vem sendo ventilado pela imprensa – do qual ele não será o adaptador. A vilã mor da teledramaturgia era uma mulher cis. Nany nos conta sobre como soube da fala de Aguinaldo e como lidaria com um personagem desse quilate. “Acordei num domingo com todos me ligando, sem que eu soubesse o que estava acontecendo. Claro, fiquei surpresa, lisonjeada.  Agradeci por Aguinaldo lembrar de mim. Fazer um personagem como Odete não me bota medo não. Já fiz uma senhora de extrema direita e homofóbica e fui indicada a prêmio junto com Christiane Torloni”. Odete não seria, porém, o primeiro papel de Nany como mulher cis. Além de “Caros Ouvintes“, que lhe valeu esta indicação ao Prêmio Quem, no filme “Um dia 5 Estrelas”, ela também foi cis e viveu a mãe do ator Estevam Nabote. “Dou traças a Deus por estar com essa idade trabalhando produzindo”, diz.

A parceria entre Nany e Aguinaldo veio de antes desse anúncio. Ambos estiveram em “O Sétimo Guardião“, no qual ela viveu o personagem Marcos Paulo. Incialmente, a atriz que o faria era Renata Sorrah. Sua personagem, por não ter feito redesignação de nome, foi duramente criticada. Hoje Nany pondera: “Todos nós que fazemos algo artístico estamos no crivo de acertar e errar. Qundo sou abordada falam carinhosamente comigo e citam o meu personagem no Sétimo Guardião. Era uma participação que acabou se estendendo por toda a novela. Cheguei a gravar 27 cenas por dia. Faço meu trabalho e deixo que a história se encarregue do resto. Nem sempre as coisas são compreendidas na época. No dia que eu fizer algo que todos gostarem eu vou ate estranhar”.

A ignorância é atrevida – Nany People

Além desses trabalhos citados, Nany pode ser vista no “Caldeirão com Mion“, participando do quadro de calouros, “Caldeirola” . Ainda que seja algo divertido, não escapa da fúria do X/Twitter. “O programa tem a genialidade de revelar gente que não teria onde se apresentar. Acho que hoje as pessoas sao infelizes com elas mesmas e querem ter suas vidas indiferentes, notadas. As pessoas têm o direito de dizerem o que quiserem, mas não têm o direito de me fazerem infeliz fazendo o que faço.  Amo fazer o Caldeirola!”

Há o programa, mas a Nany também cabe outros amores. Dentre eles o das amigas Fafá de Belém e Lília Cabral, a quem se rende em elogios e gratidão. Entre as falecidas, sua mãe e Rogéria (1943 — 2017). “Todas essas mulheres brigavam pela causa LGBT antes de ser modismo como hoje. Todas elas são donas dos seus riscados”. Em se falando em dona das suas vontades – lançando mão de uma música da novela “Tieta” – Nany é dona de si. Aprendeu a dirigir para não depender de seu ex-marido. Fez aula de direção aos 36 anos. Não se arrepende, ainda que seu caasmento tenha acabado por isso. Revelou-se independente demais para aquele homem. “Adoro minha disposição para a vida”, diz. Por haver aprendido tardiamente a dirigir, hoje ela faz questão. Tanto que dispensa o uso de motoristas “não caio mais nesse calabouço”, descontrai-se.

A todo tempo falamos de músicas. Perguntamos qual a definia  ela disse duas. Uma, de sua amiga Fafá de Balém, e que também foi tema de “Tieta”: “Coração do Agreste”. A canção dialoga não apenas com a personagem de Betty Faria mas com a própria Nany, que volta “para colar pedaços” toda vez que retorna à sua cidade natal.  “Só a borboleta sabe a dor que é deixar o casulo e voltar para juntar pedaços de coisas que ficaram”. Outra é “Sob Medida“, também cantada por Fafá. E, tal como nesta música, diante de tanta ousadia e desafios, Nany se pudesse, encerraria essa entrevista dizendo “Meu amigo, se ajeite comigo e dê graças a Deus!”