* Por Carlos Lima Costa
Uma sensação total de déjà vu sentiu o ator Mouhamed Harfouch ao refletir recentemente e se dar conta de estar vivendo atualmente os mesmos projetos profissionais experimentados no período pré-pandemia. “É engraçado. Parece que recortaram o final do ano passado e emendaram com esse agora, pois estou fazendo as mesmas coisas”, frisa ele, envolvido com os espetáculos A História de Nós Dois e Quando For Mãe Quero Amar Desse Jeito. Por outro lado, ele que encarou a quarentena com total seriedade, está profundamente emocionado por estar prestes a pisar novamente em um palco, tendo dentro de si a esperança por dias melhores para todos, com a torcida de que uma vacina contra o Covid-19 surja o quanto antes.
“Espero que a vacina venha sem brigas políticas para imunizar a população nacional e mundial que precisa recuperar a capacidade plena de viver. Este é um momento que exige responsabilidade. A população está cansada. São oito meses. Não podemos ficar como joguete político. Que a vacina venha, seja eficiente e chegue até a gente. A população não pode ser refém”, pontua.
Seu reencontro com o palco vai acontecer, na próxima quinta, dia 19, quando dividirá a cena com Alexandra Richter, para encenar a comédia romântica A História de Nós 2, espetáculo de humor que mostra um casal já separado relembrando os acontecimentos quando, para buscar alguns pertences, ele retorna ao apartamento onde moravam juntos.
“Entrei no elenco desta peça, no final do ano passado, para festejar os dez anos da montagem que sempre foi um tremendo sucesso com a Alexandra, que me convidou para esta celebração. Eu, que já tinha sido público, adorado, fiquei emocionado com o convite. Quer dizer, entrei para fazer temporada em São Paulo, foi um sucesso, uma química maravilhosa. Aí fui no programa da Fátima Bernardes falar da peça e, na semana seguinte, veio a pandemia”, lembra.
E explica que esta semana não haverá público na plateia do Teatro Claro Rio. A apresentação faz parte do projeto Palco Instituto Unimed-BH em Casa e vai ser transmitida online gratuitamente pelos canais YouTube do Sesc em Minas Gerais, do Teatro Claro Rio e pelo canal 500 da Claro TV.
Desde o início da quarentena, o mais próximo que esteve de um teatro tinha sido a apresentação online do monólogo Homem de Lata, que ele realizou durante três meses, de um cômodo de sua casa. “Estava sozinho. Agora, vou estar dividindo a cena com a Alexandra e terão os câmeras, que na atual realidade já é uma grande plateia. É como se estivesse ensaiando uma volta à normalidade. Só isso já é muito emocionante: voltar a um teatro de verdade. E o próximo passo será receber o público”, torce, esperançoso, de que isto possa acontecer o quanto antes.
Na apresentação desta quinta-feira, algumas mudanças foram feitas para que a encenação esteja de acordo com as regras sanitárias da Organização Mundial da Saúde. Foram cortadas, por exemplo, as cenas de beijo e de abraços.
“Não queremos minimizar essa questão nem colocar em risco. Temos todo um protocolo de segurança que passa desde conversa com médica epidemiologista, fazer exames de Covid, uso do face shield. Na questão de contracenar, como é uma peça de casal, então, tinha beijo, abraço. Assim, estamos tendo que acertar para levar essa versão online pandêmica sem perder a essência do espetáculo. O público vai querer rever. E não deixa de ser grande celebração de retornar ao teatro, de levar arte, cultura, afeto. E, claro, é importante adotar os protocolos. Tínhamos uma realidade e muita coisa mudou. O teatro é o lugar da possibilidade e temos que readequar às responsabilidades”, reforça sobre a peça que tem direção de Ernesto Piccolo e texto de Lícia Manzo, autora de novelas como A Vida da Gente, Sete Vidas e a inédita Um Lugar Ao Sol, prevista para estrear, em 2021, no horário das 18 horas, na Globo.
Nesta semana que passou, viveu, como ele mesmo diz, “um dia emocionante ao ter o primeiro encontro presencial com o elenco – Vera Fischer, entre outros -, de Quando For Mãe Quero Amar Sem Sentir, que era para ter estreado, em abril. “Igual a tudo, foi suspenso também. O setor cultural lida com um tripé complicado que é o presencial, ambiente fechado e aglomeração. E o grupo de risco, que em sua maioria prestigia o teatro, antes da pandemia já enfrentava problemas com salas fechando, falta de investimento e com essa crise sem precedentes para o setor cultural pesa mais. Estamos pensando estrear, em 2021, mas ainda é cedo para falar em data. Nos reencontramos após oito meses. O teatro é o lugar de possibilidades, se der queremos fazer presencial e se Deus quiser apresentarei também em algum teatro o Homem de Lata”, conta.
Após a pior fase da quarentena, Mouhamed gravou Amor de Mãe, trama das 21 horas que foi interrompida, em março, e retornará à TV, em 2021. “Voltei para gravar na retomada, mas sempre foi participação. Agora, fiz um pouco da reta final, com todos os protocolos bem rígidos. Foi emocionante voltar a gravar, poder respirar um pouco de coletivo. Eu que levei a sério o isolamento na minha casa. Tem oito meses que não sei o que é ir a restaurante, cortar o cabelo. Fui cortar na Globo para gravar a novela. Fico feliz, emocionado de poder trabalhar, estar em teatro, na TV, poder voltar a produzir cultura. Estou com saudade de tomar café despreocupadamente na rua, poder abraçar, me reunir com família, amigos”, conta.
E continua: “Este é um ano marcado por festas onlines, abraços virtuais. Tudo tem aprendizado, mas o ser humano precisa de afeto, de abraço, carinho. Queremos poder abraçar sem medo de ser feliz. Sei que a vacina é um caminho longo, mas temos que torcer pela ciência”, reforça.
Mouhamed fala com alegria de Malhação – Viva a Diferença, de 2017/2018, que está reprisando, e com a qual a Globo conquistou o, então, inédito prêmio de Melhor Série no Emmy Internacional Kids 2018. Na história, ele interpretou o professor Bóris. Inclusive, as protagonistas jovens, as atrizes Daphne Bozaski, Gabriela Medvedovski, Heslaine Vieira, Ana Hikari e Manoela Aliperti ganharam uma espécie de continuação da história de suas personagens, com o seriado As Five, que estreou na Globoplay, no último dia 12.
“Não faço parte deste elenco, mas sou um entusiasta dessas meninas talentosas, merecedoras do sucesso. Acredito muito no seriado, como foi esta Malhação icônica. Lidou com assuntos atualíssimos, como educação, valores, tolerância, aceitar e viver com as diferenças, falou de ética, princípios. Precisamos de diálogo na política. Vejo que isso vai interferindo no círculo de amizades, familiares. É importante ter empatia, solidariedade. Estamos convivendo com problemas que atingem todos nós. Temos que ter empatia. Por isso faço a minha parte, fico em isolamento. Se preciso sair, uso máscara, face shield. Essa pandemia mostra a importância da responsabilidade coletiva. Não podemos ficar só no eu, eu, eu. Temos que conjugar nós, nós, nós”, analisa.
Explica ainda com que pensamento votou nas eleições deste domingo para prefeito e vereador do Rio. “Queremos que o Rio volte a sorrir. Seja presidente, governador, prefeito, tem que governar para todos. É preciso que oportunidades e melhorias cheguem para todos. Espero compromisso e responsabilidade. Que não tenhamos mais obras mal acabadas, que no geral as coisas deixem de ser promessas e virem realidade. O Rio está pedindo socorro. Já é tão difícil falar de cultura. Torcemos para que tenha valorização da ciência, dos profissionais qualificados, técnicos, que a questão da vacina não seja tratada nem fique no campo do achismo”, avalia.
Mouhamed tem ascendência árabe. Seu pai, Nadim, nasceu na Síria, e veio para o Brasil, não fugindo da guerra, mas na busca de dar um futuro melhor para a família. O ator não chegou a sentir preconceito por conta da origem familiar. “Nunca sofri nada. E estou sempre agradecendo ao Brasil pelo acolhimento. O Brasil sempre recebeu os imigrantes que ajudaram a desenvolver o comércio, a indústria, as artes. A nossa marca é de ser um povo acolhedor, de afeto, receptividade. De uns tempos para cá começou a haver a valorização da intolerância, da falta de respeito às diferenças. É como se quiséssemos negar a nossa própria história. Somos um povo formado por esse mosaico de culturas que aqui chegou e desenvolveu. Se hoje sou ator é porque um dia o Brasil abriu as portas e acolheu o meu pai, assim como milhares de imigrantes que aqui chegaram. É preciso que tenham em conta, responsabilidade. Vivemos crise humanitária no mundo inteiro, caos de refugiados. Falamos disso na novela Órfãos da Terra”, frisa.
Mouhamed nutre o mesmo sentimento por família e relata um pouco de sua quarentena com os filhos Ana Flor, de 8 anos, e Bento, 3, e a mulher, a advogada Clarissa Eyer. Ele começou a namorá-la aos 18 anos e em breve completará 11 anos de casamento. “Não vou dizer que tem sido fácil, é muito difícil, é filho que não voltou para a aula presencial, é tudo online e um dia por vez. Sinto que lidaram bem, mas tudo como mudança. E quando deixamos o apartamento em que vivíamos e fomos morar em uma casa, senti que ficaram melhor por terem mais lugar para brincar. No pior momento, sem flexibilização, sem entender o que era a pandemia, passamos três, quatro meses no apartamento antes de ir para esta casa”, lembra.
E ainda ressalta: “Há esgotamento. Tenho imagens que marcam. Ao mesmo tempo que olhamos para os filhos e percebemos estresse, irritabilidade, a gente não tem total competência para falar, porque nós pais também estamos esgotados. Não temos ninguém ajudando, é homeschooling, home office, há cansaço. Um dia melhor, outro menos. Mas um faz companhia para o outro. O que sustentou foi o astral, os dois são muito amigos, é bonito de ver e compartilhar esses momentos da família, mas tiveram horas realmente que marcaram. Temos hábito de passear de carro. Vi um amigo das crianças com o pai no calçadão, parei e quando se encontraram foi aquela correria um para o outro, mas travaram e ficaram com vergonha. Tentamos tirar foto juntos, não quiseram ficar mais próximos”, lembra.
E prossegue com as novidades do novo normal que a vida apresentou: “Estamos há oito meses treinando o uso do álcool 70, distanciamento, face shield. Tenho 43 anos de vida completamente diferente. Não passei por esta experiência, que meus filhos estão passando. E como estão assimilando isso? Eu tenho essa preocupação. Que marcas isso vai deixar? Então, eles amadureceram um pouco antes da hora. Por exemplo, de repente alguém entra aqui para fazer um serviço do lado de fora da casa, todos colocam máscara. É muito bonito ver a maturidade que eles apresentam e como estão jogando junto com os pais. É um ano que a gente está aprendendo muito. Por isso que digo, que não é na polarização, no discurso do ódio, da deselegância, da falta de respeito, da intolerância que nós vamos resolver nada. A pandemia expôs ainda mais uma outra doença que nós temos, que é a necessidade de sermos seres humanos, de termos compaixão, solidariedade, afeto, empatia, olhar. Hoje, estamos vivendo o isolamento forçoso, mas há pessoas marginalizadas, excluídas e vivendo o isolamento há muito tempo. É necessário que a gente tire essa reflexão. A gente precisa realmente de uma união, que exista diálogo, respeito, tolerância”.
Mouhamed e Clarissa não pensam em aumentar a família. “Não está nos nossos planos. Eu e minha mulher amamos criança, mas não dá. A gente está vivendo um momento de medo do futuro. É preciso ter também responsabilidade nessa hora. Agora, preciso me entregar ao máximo para criar esse dois seres humanos para que eles façam parte de uma coletividade, onde a gente possa ter um horizonte diferente”, explica o ator.
No isolamento, Mouhamed desenvolveu um pouco mais seu lado musical. “Ainda nem lancei, mas fiz uma música no início do isolamento. Pensei em gravá-la realmente, vou fazer isso. É que veio a peça, achei tão necessário falar do Homem de Lata, que parei tudo e me dediquei. Estou compondo outra agora com outro parceiro que me mandou uma melodia. A música é o alimento da alma, tenho esse carinho grande, amo violão. Acho que a minha carreira artística também me encaminhou para isso. Eu aceitei desafios fazendo musicais. E aí veio o Popstar que foi outro desafio enorme. De alguma maneira esta minha ousadia de me testar, de me aventurar nesses outros caminhos me abriu portas. E eu adoro compor, sempre fiz isso, tenho, inclusive alguns trabalhos no Spotify. Meu último lançamento lá foi Lente Aberta, mas na novela Órfãos da Terra chegou a tocar Volta. O Popstar realmente me deu mais coragem de levar isso adiante”, explica.
Mouhamed tinha formado uma banda e, em 2019, fez mais de dez shows. “Esse ano, ficou inviável, então estamos sedentos. Acho que realmente temos que ser múltiplos e diversos, então, a música é uma complementação do meu ser artista. Tão logo a gente possa voltar a estar juntos presencialmente, tenho projeto de sair levando o show adiante como estava fazendo”, diz. Seu estilo é pop rock, mas tem composições feitas no violão com pegada mais para a MPB.
Também tem outro desejo para o pós pandemia. “Quando tudo isso passar quero dar uma festa aqui em casa com a banda, baita show, chamar os amigos, a família, muito afeto, abraço, carinho e celebração da vida. Na verdade, vamos celebrar, mas nunca esquecer. É um ano em que precisamos ter muito respeito pelas milhares de famílias enlutadas por essa doença. A dor do outro também tem que ser a nossa dor, precisamos ter esse cuidado. Nessa fase, perdi minha avó, não por Covid. Mas por conta desta doença, nos momentos finais não pudemos ficar no hospital junto com ela, devido aos protocolos de segurança. E assim foi também com o enterro. Então, é preciso ter senso de coletividade. Quando eu me mantenho, resisto e persisto no isolamento e em usar meu face shield e minha máscara quando preciso sair, contribuo para não colapsar o sistema de saúde. Saio apenas para trabalhar, para o essencial. Se todos tiverem responsabilidade tudo pode melhorar. É isso, não tem segredo”, finaliza.
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