Mônica Martelli volta aos palcos, fala de etarismo e diz que tem projetos focando na mulher com 50+


A atriz e autora está no espetáculo solo ‘Minha Vida em Marte’. Nesta entrevista, ela avalia as diferenças da mulher que escreveu o espetáculo há cinco anos, para a Mônica de hoje, fala dos próximos projetos, de envelhecimento, etarismo, sororidade e decreta o que deseja para este ano e o futuro: “Meu grande sonho hoje é encontrar alegrias nas pequenas coisas. Quero ser uma mulher bonita de 54 anos. Não adianta eu querer ter aquela bunda de antes. Isso é ter coragem, ser guerreira e não ter medo da velhice”

*Por Brunna Condini

Mônica Martelli voltou ao Rio de Janeiro com a comédia ‘Minha Vida em Marte’. A atriz fica em cartaz com o espetáculo solo até 5 de fevereiro no Teatro Casa Grande, no Leblon, e conversou com o site no dia da estreia. Aos 54 anos e conhecedora de sua potência como mulher e artista, Mônica avalia o que mudou nestes cinco anos, desde que escreveu a peça em que compartilha com o público a continuação da história da personagem inspirada em suas experiências pessoais, que a alçou ao sucesso – a Fernanda de ‘“Os homens são de Marte… E é pra lá que eu vou‘(2011). Em ‘Minha Vida em Marte‘, a mesma Fernanda está casada há oito anos e enfrenta uma crise no seu casamento. “O que muda a Mônica da personagem que está no palco, é que hoje eu namoro (com o empresário Fernando Altério), não quero me casar, tenho a minha filha (Julia,13), minha casa. O namoro me proporciona não ter rotina, a Fernanda da peça é casada há alguns anos, vive o desgaste dessa rotina que massacra o apaixonamento, o romance, o namoro, dentro de uma vida muito atribulada com filho, contas para pagar e problemas para resolver”, analisa. “Eu não tenho o desejo de me casar mais. O namoro faz com que às sextas-feiras eu me arrume, escolha uma calcinha linda. Uma vida de namoro é um aprendizado, o que não significa que daqui a dois anos eu não possa mudar de opinião”.

Quero ser uma mulher bonita de 54 anos. Não adianta eu querer ter aquela bunda de antes. Isso é ter coragem, ser guerreira e não ter medo da velhice – Mônica Martelli, atriz e autora

Monica Martelli estreia espetáculo autoral no Rio de Janeiro e fala da vida da mulher de 50+ (Foto: Julia Rodrigues)

Monica Martelli estreia espetáculo autoral no Rio de Janeiro e fala da vida da mulher de 50+ (Foto: Julia Rodrigues)

Sobre as comparações com a personagem, a atriz completa: “A Fernanda ainda tem aquela vontade de constituir família, porque quando a gente casa quer que dê certo, né, amor? Ninguém se casa para separar. Lembro que quando eu estava para me separar, na crise que a Fernanda está passando no espetáculo, a maior dor que sentia é daquele futuro que tinha planejado e não teria mais. O casamento é realmente um valor para a mulher no Brasil, então quando separamos temos medo de ficar solteiras, ainda mais após os 40. Existe uma cobrança de estarmos com alguém sempre. É uma loucura”.

A questão da sororidade não é só mais uma palavra, eu realmente tenho compaixão por todas as mulheres e tudo relacionado a esse universo me interessa – Mônica Martelli, atriz e autora

A atriz em cena com 'Minha Vida em Marte' e sua personagem Fernanda (Foto: Camila Cara)

A atriz em cena com ‘Minha Vida em Marte’ e sua personagem Fernanda (Foto: Camila Cara)

“Para onde estou levando minha futura velha?”

Mônica comenta o fato da sociedade não ‘incluir’ o envelhecimento, principalmente feminino, nas pautas e atividades. “Eu me dou a ‘permissão’ de envelhecer, mas dentro dessa sociedade que nos dificulta a todo o tempo, estou trabalhando isso, entendendo que mulheres como eu, de 54 anos, precisam ter cada vez mais espaço em todos os lugares. Fiz recentemente uma campanha linda de uma joalharia e pensei: quero ver mulheres com a minha idade fazendo esse tipo de trabalho, quero ver mais mulheres em todos os lugares. Porque se pensarmos, depois que você faz 50 anos, em termos de longevidade, imaginando alguém que morra aos 90, e isso é cada vez mais comum hoje, estamos vivendo a maior fase da nossa vida, mais do que a adolescência e a infância. A gente tem que cuidar dessa fase e por isso todo dia eu me pergunto: o que estou fazendo com a minha futura velha? Toda vez que eu como ou faço exercício físico, pergunto: para onde estou levando minha futura velha?  Sou muito preocupada em como envelhecer, porque vivemos em uma sociedade em que o velho é silenciado”, diz.

Sempre tive um caminho autoral. A vida me mostrou que a minha missão é doar o que eu estou sentindo, o que eu estou passando – Mônica Martelli, atriz e autora

"Não tenho o desejo de me casar. O namoro faz com que às sextas-feiras eu me arrume, escolha uma calcinha linda. Isso não significa que daqui a pouco não possa mudar de opinião" (Foto: Julia Rodrigues)

“Não tenho o desejo de me casar. O namoro faz com que às sextas-feiras eu me arrume, escolha uma calcinha linda. Isso não significa que daqui a pouco não possa mudar de opinião” (Foto: Julia Rodrigues)

“Vemos isso até nos exemplos mais simples: às vezes estou com meu celular e minha filha toma ele da minha mão para consertar alguma coisa que estou fazendo, e assim você vai percebendo os sinais do jovem exercendo poder sobre a gente. Vivemos em um país onde o padrão de beleza é a juventude. Minha preocupação é encaminhar a vida no envelhecer para algum lugar, um dos caminhos é o saber, o conhecimento. É você não perder a curiosidade para a vida, não perder a vontade de viver, e isso acontece através dos projetos, não importa se são pequenos ou grandes. Pode ser algo do tipo: vou fazer beach tennis ou até dedicar uma hora do dia em uma escola colaborando com uma turma que está precisando. Ter um projeto te faz sentir viva, dá motivação para sair da cama e falar: eu quero levantar! É aquele minuto da coragem quando você abre o olho e vai enfrentar a vida”.

Toda vez que eu como ou faço exercício, me pergunto: para onde estou levando minha futura velha?  Sou muito preocupada em como envelhecer, porque vivemos em uma sociedade em que o velho é silenciado – Mônica Martelli, atriz e autora

Sobre a beleza e o bem-estar na atual fase, Mônica elabora. “Quero ser uma mulher bonita de 54 anos. Não adianta eu querer ter aquela bunda de antes. Isso é ter coragem, é ser guerreira e não ter medo da velhice. E pensar que 20 anos atrás a mulher de 50 anos não estava onde estamos hoje, era uma outra imagem. A gente ouvia falar que não podia ter cabelão, usar calça jeans justa, botar a perna de fora, isso não era ‘permitido’ para uma mulher de 50+. Era visto como feio, imagina. Estamos abrindo caminhos e espero que as gerações que estão vindo atrás de mim tenham mais  benefícios do que eu estou tendo”.

Não tenho o desejo de me casar. O namoro faz com que às sextas-feiras eu me arrume, escolha uma calcinha linda. Isso não significa que daqui a dois anos não possa mudar de opinião – Mônica Martelli, atriz e autora

Seu próprio padrão

Alguns acham que o reconhecimento profissional para a artista veio mais tarde do que o que deveria ser. Ou melhor, do que costuma acontecer no padrão por aqui. Mas ela não é afeita a padrões: fez sucesso aos 37 anos com peça baseada na própria experiência, foi mãe aos 41 e acredita que está em uma das melhores fases da sua vida pós 50. No entanto, de olho no etarismo presente em várias esferas da sociedade, Mônica reflete. “Estava vendo uma entrevista da Meryl Streep, em que ela falou que depois que fez 45 anos, recebeu quatro propostas para fazer filmes de bruxa, e pensou: “Meu Deus, será que só vai ter bruxa agora para eu fazer?”. Não me preocupo com isso, sempre tive um caminho autoral. A vida me mostrou que a minha missão é doar o que eu estou sentindo, o que eu estou passando e isso chegar a muitas pessoas. Recebo muitas mensagens de mulheres dizendo: “Mônica, você ajudou no meu casamento e na minha separação”. Isso é o maior retorno que tenho”.

"Vivemos em um país onde o padrão de beleza é a juventude" (Foto: Julia Rodrigues)

“Vivemos em um país onde o padrão de beleza é a juventude” (Foto: Julia Rodrigues)

A gente pode esperar então um projeto autoral seu falando dessa mulher de 50+? “Vou lançar o quadro ‘Mônica EnCanto’, no Instagram, a partir de fevereiro, com textos meus, da Bianca Ramoneda e da Vívian Mayrink Cirillo. Esse nome é que por que geralmente a ideia de ‘canto’ na minha geração, era um canto do castigo, para pensar, então começou como um canto da Mônica, agora vai ser Mônica com encanto (risos). Vou falar semanalmente textos e reflexões sobre a minha vida, o mundo, o que me interessa, questões relacionadas às mulheres. Nós fomos silenciadas durante muito tempo. Fui criada por uma mãe feminista lendo Simone de Beauvoir. Ela sempre disse para a gente ser independente financeiramente e conquistar nossa liberdade”. E acrescenta: “A questão da sororidade não é só mais uma palavra, eu realmente tenho compaixão por todas as mulheres e tudo relacionado a esse universo me interessa, coisas do dia a dia, relacionamento (sou apaixonada pelos relacionamentos). Através das relações a gente se conhece. Nossa maior fonte de autoconhecimento é através das relações. O povo no Oriente evolui meditando aqui a gente evolui se relacionando. Me interessa falar agora sobre namorar após os 50, sobre como é enfrentar a menopausa em um país que enaltece a juventude, e em que a menopausa é um palavrão. Quero falar sobre como é o sexo na menopausa, como é namorar e falar de tudo abertamente”.

"A questão da sororidade não é só mais uma palavra, eu realmente tenho compaixão por todas as mulheres e tudo relacionado a esse universo me interessa" (Foto: Julia Rodrigues)

“A questão da sororidade não é só mais uma palavra, eu realmente tenho compaixão por todas as mulheres e tudo relacionado a esse universo me interessa” (Foto: Julia Rodrigues)

O que realmente importa

Aos 77anos, a professora Marilena Garcia, mãe de Mônica e da diretora Susana Garcia, começou um novo tratamento para curar um câncer localizado no pulmão. Esta é a sexta vez que Marilena enfrenta a doença e a atriz conta como tem sido o processo ao lado da mãe. “É muito difícil, porque você vê a fragilidade de uma mulher que é muito poderosa, extraordinária. E nestes momentos é onde eu acho que ela mais brilha, porque vai tão profundo nas suas dores, sabe? Ela está morando comigo em São Paulo, então todos os dias a gente toma café, almoça juntas, é sempre assim. E tem sempre uma fala extraordinária. Cheguei aqui no Rio para fazer a peça e minha mãe me disse: “Viva o hoje”. Ela está sempre falando coisas assim, é uma lição e um aprendizado diários, me lembrando que a vida é agora. Um dia estávamos andando e perguntei para minha filha e para a minha mãe, qual era o sonho de cada uma. Minha filha disse: “Meu sonho é fazer uma viagem”. E minha mãe falou assim: “O meu é quinta agora poder ir na feira”. Na esquina da minha casa tem uma feira maravilhosa. Depois disso falei: “Mãe que coisa linda! Meu sonho então é ir à Avenida Paulista no final de semana, porque eu nunca tenho tempo”. Não podemos deixar o tempo nos atropelar e ele nos atropela”.

O povo no Oriente evolui meditando aqui a gente evolui se relacionando – Mônica Martelli, atriz e autora

Monica Martelli fala dos aprendizados com a mãe, Marilena Garcia que enfrenta mais um tratamento de câncer (Reprodução/ Instagram)

Monica Martelli fala dos aprendizados com a mãe, Marilena Garcia que enfrenta mais um tratamento de câncer (Reprodução/ Instagram)

Sobre os desejos para o ano que começa agora, Mônica diz: “Meu grande sonho hoje é encontrar alegrias nas pequenas coisas. O aprendizado que eu estou tendo é dar valor a essas coisas. Converso muito com minha mãe sobre o tempo, que é uma coisa preciosa. Às vezes tenho a sensação de estar sempre devendo alguma coisa para alguém. Quero não sentir a cobrança de ter de fazer, fazer, fazer. Quero poder não fazer nada. O mundo nos cobra produtividade 100%. Você sai de férias e não consegue ler um livro, precisa estar tendo alguma ideia genial sempre, e se você não está produzindo, se sente inútil. Precisa ter um esforço diário, como uma meditação para encontrar um tempo só seu. Essa convivência com a minha mãe está sendo uma lição, um dos melhores momentos da minha vida. Estou podendo fazer isso por ela, já que nessa fase da minha carreira estou podendo dizer ‘não’. Nunca me sentia corajosa para isso. Então falei ‘não’ para um programa, para uma novela, e não por estar me ‘achando’, mas por entender que o que é bom para minha vida é o agora. Aprendi a dizer ‘não’ e quando você aprende isso é uma libertação”.

"Meu grande sonho hoje é encontrar alegrias nas pequenas coisas" (Foto: Camila Cara)

“Meu grande sonho hoje é encontrar alegrias nas pequenas coisas” (Foto: Camila Cara)