*Por Brunna Condini
Para Irene Ravache só faz sentido celebrar a carreira de 65 anos se for ao lado do público que a acompanha a uma vida. Aos 80 anos, a atriz tem brindado sua existência no palco com o espetáculo ‘Alma Despejada’, de Andréa Bassitt com direção de Elias Andreato. “O espetáculo fala da memória de uma mulher na minha faixa etária que está morta, mas não é uma peça triste. Ela revisita sua vida, tem poesia, é bonito, emocionante. Acho importante você sair do teatro com uma coisa boa para levar para casa, rever suas possibilidades”, diz ela, que pode ser vista também nos filmes ‘Pasagrana‘ em cartaz nos cinemas; em ‘Os enforcados‘, que teve première no Festival do Rio; e também no badalado ‘O Clube das Mulheres de Negócios’, de Anna Muylaert, que estreia em 28 de novembro nos cinemas de todo o Brasil.
Longe das novelas desde 2020, quando fez o remake de ´Éramos Seis‘, na Globo, Irene diz que não tem assistido o gênero. “Vi outro dia essa das 21h, ‘Mania de Você‘, para assistir a participação do meu neto, Cadu Libonati (ele deu vida a Walter, criminoso que persegue Viola (Gabz) a pedido de Mavi, interpretado por Chay Suede). Ele ainda volta à novela e pretendo conferir”. Mas hoje assisto filmes, séries e documentários. A novela não me prende mais. Não que eu não tenha curiosidade de assistir os jovens atores, inclusive adoro trabalhar com eles. Mas novelas são produtos longos, onde muitas coisas se tornam repetitivas”. E revela:
Quero fazer em 2025 um espetáculo com o meu neto Cadu Libonati. Estamos à procura de um texto – Irene Ravache
Irene volta a falar sobre a escolha de atores para produções de TV levando em consideração principalmente o número de seguidores nas redes sociais. “Não faz o menor sentido. Um ator deve ser escalado por servir ao personagem e à história”. Ela comenta ainda o fato de influenciadores digitais estarem sendo escalados para trabalharem também como atores. “Querer ser um ator não te torna um. Eu não chego agora em um hospital, digo que sou louca para abrir um coração e me deixam. Mas em arte, como o campo é mais aberto, as pessoas pensam que podem tudo. Acham fácil. Vão fazer e muitas vezes é ruim, porque não existe preparo. Se você tem talento, ame o que vai fazer e se prepare. Espere. Mas só quem pode colocar limites nisso é quem contrata. E quem contrata coloca na frente outros interesses e não a qualidade do trabalho muitas vezes. É o dono da bola. É ele quem determina quem vai jogar. Perderam uma bela audiência na TV e agora estão tentando de tudo, estão perdidos”.
Não entendo essa urgência de trabalhar como ator sem preparação, não poder esperar. Sabe outra coisa que também sempre achei esquisito? É ninguém poder esperar pelo tesão. Vale qualquer coisa. E por isso, muitas vezes as experiências não são vivenciadas com qualidade – Irene Ravache
Sobre o etarismo na teledramaturgia brasileira, a atriz pondera: “Está muito pequeno o repertório a respeito do idoso. Ou ele é o velho chato, ou a vovó que faz as tortas, ou ela é a vovó que vai para a academia porque quer malhar para namorar. Mas tem muito mais para ser vivido: tem o idoso que ainda está mantendo a sua família, porque os filhos não conseguem se manter; tem o idoso extremamente criativo, que está escrevendo, entrando em faculdade, sendo combativo, com fome de vida e vitalidade grandes. Estão se livrando de preconceitos, experimentando a liberdade. Tem tanta coisa para você colocar na ficção sobre o idoso, saindo dos esteriótipos. É preciso vontade criativa de fazer isso”.
Satisfação, arrependimento e escolhas
Com mais de 40 trabalhos na televisão, 20 filmes, quase 30 espetáculos como atriz e também como diretora, Irene diz do que viveu: “Tenho orgulho da minha história, tenho sido feliz. E tenho orgulho de ter feito muitas autoras brasileiras no teatro. Fiz mais autoras que autores. E isso foi algo consciente. Sempre quis priorizar, de alguma forma, as vozes femininas. Só Leilah Assumpção fiz duas vezes. E veja bem, não tenho nada contra os textos dos autores, mas foi uma escolha de dar preferência às autoras talentosas. E aqui entra o ponto de vista de dar oportunidades às mulheres. Acho que a nossa grande luta é a econômica, não temos os salários equiparados aos homens até hoje, mesmo no mesmo posto, com o currículo parecido. Equidade é algo precioso, é liberdade”.
Mas Irene frisa que apesar de toda consciência e o constante envolvimento com as questões da classe, nunca gostou das cobranças de posicionamento. “É um saco isso. Não sou panfletária. Quando falo, por exemplo, da questão de priorizar autoras mulheres, não é porque estou contra os homens. Sou casada há 52 anos com um homem (Edison Paes de Melo Filho); tenho dois filhos (Hiram e Juliano), tenho neto…então, o que digo, que tanto para fazer escolhas, quanto para se manifestar publicamente, o que deve te guiar é seu movimento interno e não a cobrança dos outros. Entendo quem não se posiciona publicamente. É um direito.Não dá para ficar julgando as razões das pessoas. Você vai querer trocar de sapato com ela?”.
Alma despejada
Por aqui, ‘Alma Despejada‘ cumpre temporada carioca após quase cinco anos de sua estreia em São Paulo. A peça conta a história de Teresa que, depois de morta, faz sua última visita à casa onde morava. Transitando entre passado e presente, rememora sua vida de professora de classe média, apaixonada por palavras. Revisita histórias e pessoas importantes como a melhor amiga, a funcionária que trabalhou em sua casa por 30 anos, os dois filhos e o marido, homem simples e trabalhador que se tornou um empresário bem-sucedido, ascendendo socialmente. A nosso pedido, Irene faz o exercício de pensar no que gostaria de reviver em sua própria vida. “Se eu pudesse revisitar minha história, como a Teresa, mas viva (risos), eu gostaria de voltar à minha infância porque ela foi muito gostosa, junto da minha família. Mas seria bom mesmo, até para lembrar, revisitar minha adolescência. Algo aconteceu por ali, e não acho que tenha sido nenhum trauma, mas não recordo de muita coisa. Ficou uma fase meio nebulosa. Nas minhas memórias existe uma lacuna dessa época”. Gostaria de revisitar essa minha juventude”.
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