*Por Jeff Lessa
Em 2019, quando completa 15 anos, o Teatro Odisseia está com fôlego renovado. O fundador da casa, Leo Feijó, voltou a comandar a curadoria do espaço, que abriu as portas com show de Los Hermanos e, atualmente, abriga festas e shows de heavy metal, além de se manter fiel à tradição de apresentar novos artistas brasileiros ao público. Para comemorar esta década e meia na qual mais de um milhão e meio de pessoas passaram pela casa para assistir às mais de duas mil apresentações realizadas ali, o Odisseia é sede de um festival que se estende até 31 de agosto.
A programação reforça a marca principal da casa: reunir gêneros musicais diferentes sobre o mesmo palco. O line-up do Festival Odisseia, terá Matanza Inc., Face to Face (EUA), Thiago Amud, Moyseis Marques, Gabz, Bloco 7, Hodari, Choice, Gabriel Elias, Carol Biazin, Big Up, Sinara, Aline Lessa, Almir Chiaratti, Dudu Oliveira, Camerata Laranjeiras, AnnaLu & The Skywalkers, No Trauma, Painside, Reckoning Hour, Dark Tower, Brasov, João Ribeiro, Rita Beneditto e Zeca Baleiro.
Curiosos pelo entusiasmo do Leo, nós do Site Heloisa Tolipan conversamos com ele sobre a náite carioca, o que mudou nesses 15 anos, o perfil da Lapa e, claro, a postura dos governantes em relação à cultura. Aqui você confere como foi o nosso papo com o empresário que há 20 anos vem levantando o astral dessa cidade.
Site Heloisa Tolipan: O que mudou na noite carioca de 2004 para cá? A Lapa hoje é completamente diferente do lugar que recebeu o Odisseia há 15 anos
Léo Feijó: A Lapa de 2004 estava no auge do processo de revitalização depois de décadas de abandono por conta da perseguição aos cabarés e à vida noturna nos anos 1940. Um processo iniciado no fim dos anos 1990, quando produtores como Lefê Almeida começaram a ocupar antiquários com rodas de choro e samba, quando sugiram espaços como Arco da Velha, Coisa da Antiga, Semente e, depois, Carioca da Gema e Rio Scenarium. O Circo Voador foi fechado em 1996 pela Prefeitura por razões políticas e a partir de 1999 eu comecei a realizar shows na Rua da Carioca (no centenário Cine-Theatro Íris), lançando artistas locais e fazendo um intercâmbio com outros estados.
De 2004 para 2019, o que percebo é um impacto direto da ação do poder público. Um ambiente que recebe mais de 50 mil pessoas em um fim de semana exige atenção total das autoridades, do ordenamento, da limpeza urbana, da iluminação e do policiamento. É como um show na Praça da Apoteose. Infelizmente, com essa gestão da prefeitura os programas de ordenamento foram abandonados e temos ambulantes comercializando alimentos e bebidas de forma ilegal na porta de bares e casas de shows. Isso afeta todo o ecossistema da Lapa. Esse ecossistema cultural está ameaçado.
HT: Você vê muita diferença entre o perfil do público que frequentava o Odisseia no começo dos anos 2000 e o de hoje? O que é necessário fazer diferente para receber as pessoas em uma casa de shows atualmente?
LF: No início dos anos 2000, a maneira como as pessoas buscavam e recebiam informação era diferente. Estávamos no início do Orkut, nem Facebook, nem Instagram, nem WhatsApp existiam. As pessoas acompanhavam a programação cultural pela mídia impressa, pelas rádios e recebiam a divulgação em flyers na porta de universidades e em espaços de grande concentração de público. Além da mudança de hábitos no consumo de entretenimento (com a Netflix por exemplo), há que se considerar também a crise econômica no Rio e no Brasil, e a ausência de políticas efetivas para o turismo e a cultura que possam reconhecer e estimular o circuito de shows no Rio. Fecharam Ballroom, Mistura Fina, Semente, Cinematheque e Canecão, para citar apenas alguns palcos que perdemos.
HT: Sobre o Festival: como escolheu as atrações?
LF: O Teatro Odisseia sempre foi eclético, recebendo de Miúcha, Walter Alfaiate e Teresa Cristina às bandas de rock, metal, rap e funk. A programação reflete esse histórico, mas sempre abrindo espaço para novos artistas como Aline Lessa e Almir Chiaratti, que são incríveis, colaborando para formar público para eles, além de música instrumental (Camerata Laranjeiras e Dudu Oliveira), heavy metal (Matanza Inc. e Reckoning Hour, por exemplo) e o gaúcho Wander Wildner. Há vários lançamentos de discos e shows especiais como o do Brasov, banda que está comemorando 20 anos e tocou diversas vezes no Odisseia.
HT: Acredita que pode seguir em frente sem depender de patrocínio?
LF: Como diz a letra de “Não consigo ser alegre o tempo inteiro”, do Wander Wildner, uma casa de shows de médio porte não vive só de alegrias. É uma luta. É um ato de resistência manter um espaço cultural aberto no Rio de Janeiro hoje. Nunca tivemos patrocínio. As marcas e grandes empresas e agências de publicidade seguem o caminho fácil dos grandes eventos. Criamos uma associação chamada Palcos do Rio para valorizar esses espaços médios e pequenos. Numa pesquisa inicial, identificamos que são 800 mil pessoas por ano circulando nesses palcos (Audio Rebel, Beco das Garrafas, Olho da Rua, Pub Punqss, Blue Note, Solar de Botafogo e outros. Isso é mais que um megafestival como o Rock in Rio. No entanto, não temos patrocinadores. Há um desequilíbrio nesse mercado. Eu não posso garantir o futuro imediato do Teatro Odisseia. Espero que venham outros 15 anos, mas podemos encerrar as atividades a qualquer momento.
HT: O perfil do Odisseia sempre foi muito eclético, abrigando estilos que vão do samba ao heavy metal passando por pop, bossa nova e atrações internacionais. Sua ideia é manter esse ecletismo ou pretende orientar a casa para alguma linha mais específica de espetáculo?
LF: Sim, sempre manter espaço para a diversidade e para os novos artistas, além do intercâmbio com o Brasil e o mundo. O Rio precisa de casas de show de médio porte, com 500 lugares.
HT: As festas continuarão a acontecer no espaço?
LF: Sim, as festas são importantes financeiramente e é um público jovem que se renova anualmente.
HT: Sente algum temor por lidar com cultura nesse momento de retrocesso, com ameaças, inclusive, de censura? Como lidaria com a situação de uma possível proibição da apresentação de alguma atração no Odisseia? Essa postura dos governantes afeta a curadoria da casa?
LF: Censura na programação é impensável, jamais podemos tolerar isso. Estamos homenageando Chico Buarque por sua obra e o prêmio que ele recebeu, defendemos a liberdade de expressão. Meu temor é esse ataque à cultura, que vai inviabilizar a economia criativa, o que seria péssimo para o estado do Rio de Janeiro em especial.
HT: Ter estado do lado “de lá” como secretário-adjunto de Cultura e coordenador de música na Secretaria Estadual de Cultura transformou de alguma forma sua visão sobre os processos de se fazer cultura no estado?
LF: O que percebi nesse período no governo é que há ótimos gestores e servidores interessados em realizar, em proteger o patrimônio cultural e histórico, enfim, que são muito sérios. Há sempre indicações políticas, mas não vejo isso como algo que inviabilize realizar programas e editais inteligentes. O que faltam são recursos. As secretarias de Cultura têm sempre os piores orçamentos. Mesmo sem recursos, no entanto, o Poder Público tem função essencial na mediação do setor cultural e na articulação por verbas para médios e pequenos. Se fizerem isso já será uma ótima gestão.
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